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    Entrevista à Tribuna Expresso

    (25Jul2020)| José Mota: «Apostei com o Rui Jorge em como o André Almeida iria vingar a lateral direito»

    2020/10/07 15:22
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    Entrevista da autoria da jornalista Alexandra Simões de Abreu da Tribuna Expresso, originalmente publicada a 25 de julho de 2020 e que pode ser vista na publicação original aqui.

    José Mota tem 56 anos e passou 20 deles no FC Paços de Ferreira, primeiro como jogador, depois como treinador e ainda hoje vive na cidade que dá nome ao clube. Conseguiu várias subidas de divisão, passou por 10 clubes, mas o feito maior foi a conquista da Taça de Portugal, cumprindo um sonho de menino. Casado e pai de duas filhas, esteve em hotéis de príncipes e reis, na Tunísia, mas também viveu dias de angustia com ordenados em atraso. Disse a Pimenta Machado que nunca mais lhe apertaria a mão e chegou a ter seis jogadores lançados por si numa mesma convocatória da seleção.

    É de Lordelo, Paredes. Apresente-nos a família onde nasceu.
    Somos uma família de cinco, eu sou o mais novo de três irmãos, todos rapazes. Por ser o mais novo costumamos dizer que sou o “testinho da panela”. E sendo o “testinho da panela” acabo por ser o mais favorecido em todos os aspetos. O meu pai tinha uma fábrica de móveis, a minha era doméstica, mas trabalhava muito, também ajudava nos móveis e em tudo, na agricultura, por exemplo, porque tínhamos alguns campos. Foi uma infância normal em que nada nos faltou. Os meus pais conseguiram que estudássemos, embora não tivéssemos escola secundária em Lordelo.

    Era um puto reguila ou era dos calmos?
    Fui sempre muito reguila. Sempre fugido de casa. Vivia numa zona humilde, onde havia famílias numerosas com muitas crianças e portanto envolvia-me com eles. No verão passava praticamente o dia no rio, fugido da mãe como é óbvio. A minha mãe todos os dias ia-me buscar ao rio e eu fugia sempre por outros caminhos, quando chegava a casa já ela estava mais tranquila. O meu pai era um homem mais dedicado à fábrica.

    Gostava da escola?
    Gostava, fui sempre um aluno atinado. Ainda hoje mantenho uma excelente relação com a minha professora do ensino básico, a dona Ana Maria Cabral. Estive com ela há meio ano, costumamos falar, até pelo Facebook.

    O futebol começou na rua, claro.
    Sim. Entretanto, os meus irmãos foram para um seminário, aos 11 anos, e eu também fui posteriormente. E fui porque sabia que tinha um campo de futebol. A ilusão do futebol sempre esteve patente.

    Havia alguém na família ligado ao futebol?
    Quando começo a jogar no Aliados de Lordelo em iniciados, já tenho o meu irmão mais velho a jogar lá, nos juniores.

    Quando era pequeno quem eram os seus ídolos?
    Gostava muito do Yazalde. Ainda não existia televisão na nossa aldeia, mas estávamos colados à rádio. Era o Yazalde, o Cubillas e o Eusébio, embora já numa fase final dele. Mas ainda me recordo de ouvir os relatos dele. Eram os três ídolos, um de cada clube grande.

    Torcia por qual clube?
    Pelo FC Porto. Toda a família é portista. Embora naquela fase, quando o Yazalde aparece, tinha uma certa tendência de gostar do Sporting também. Mas a minha paixão foi mais pelo FC Porto.

    ©Carlos Alberto Costa

    Quando começa a praticar futebol no Aliados de Lordelo?
    Fui para os iniciados com 12 anos. Estive lá época e meia e depois uma época de juvenis. Como tinha algum jeito, entretanto defrontámos o FC Porto duas ou três vezes... E eles gostaram andaram a seguir-me e posteriormente convidaram-me para ir para o FC Porto.

    Falaram diretamente consigo ou com o seu pai?
    O meu pai era uma pessoa que, a partir de uma certa idade em que já podíamos trabalhar, ele obrigava-nos a estar na fábrica de móveis a trabalhar. Tinha os meus 15 anos, estava lá na fábrica a trabalhar e é quando chega um carro com o sr. Festas, que era o treinador dos juvenis do FC Porto, um antigo Magriço.

    O seu pai não colocou nenhuma entrave?
    Não, ele disse que se era aquilo que eu queria e se eles achavam que era bom… O meu pai sempre proporcionou que as corressem o melhor possível.

    Ser jogador foi sempre o seu sonho?
    Sim, o meu sonho de menino foi sempre ser jogador de futebol. Eu adorava futebol e dediquei-me de corpo e alma. Era isto que eu queria. Eu depois faço juvenil e júnior no FC Porto, onde sou campeão nacional de júnior. Foi um feito extraordinário, com o sr. António Feliciano e alguns jogadores que singraram no futebol português, como é o caso do Semedo.

    É campeão de juniores mas não fica no Porto, acaba por ir para o Aliados de Lordelo outra vez. Porquê?
    Primeiro: eles é que decidem. E depois apanhei a fase dos dissidentes. Quando o José Maria Pedroto foi embora, há ali umas divergências, há alguns jogadores que fazem uma pequena rebelião e que ficaram conhecidos pelos dissidentes e há um volte-face muito grande. Isto na época antes de chegar a júnior. Quando termino os juniores no FC Porto, regressa novamente o José Maria Pedroto e é quando entra o Jorge Nuno Pinto da Costa e por aí adiante, e começam a contratar vários jogadores de outros clubes, jogadores feitos. Dão poucas oportunidades aos jovens, nomeadamente os que saíam dos juniores. No ano anterior sim, existiram vários jogadores que, exatamente por causa da situação dos dissidentes, subiram a sénior e que se impuseram: o Jaime Magalhães, o João Pinto, o Bandeirinha, Vítor Nóvoa, vários.

    Eram essas a dificuldades de que falava?
    Não. O Aliados eram um clube do distrital da Associação de Futebol do Porto e aí sim, passo muitas dificuldades. Primeiro ano foi tranquilo, no segundo já não havia direção e estive sem salários, sempre com grandes sacrifícios.

    Quando é que começa a ganhar dinheiro com o futebol?
    É nessa altura, quando sou sénior no Aliados de Lordelo. Enquanto júnior no FC Porto pagavam o passe e essas coisas, mas não é justificativo dizer que se ganhava dinheiro. O primeiro ordenado foi no Aliados: 50€, eram 10 contos na altura.

    O que fez ao primeiro ordenado, recorda-se?
    Dava para jantar com os amigos. Sempre fui aberto nesse aspeto e gostava. Entretanto, quando estava no Aliados veio o serviço militar.

    Ainda estava no seminário?
    Não, só estive três anos no seminário, saí com 12/13 anos, quando fui jogar para o Aliados de Lordelo. Trabalhava na fábrica do meu pai e estudava no liceu em Baltar e andei ali mais dois ou três anos, quando fui para o FC Porto deixei de estudar porque era difícil, os treinos eram de manhã e de tarde.

    Estava a dizer que o Aliados teve problemas financeiros.
    Sim, estive sem receber um ano ou dois. Mas nunca desisti. Já na altura eles achavam que eu era determinado e tinha capacidade de liderança forte, trabalhava sempre cada vez mais, porque a minha ambição era mesmo ser jogador de futebol e se calhar um dia ser profissional. Por isso não desisti.

    Como e quando se define a sua posição em campo?
    Jogava na posição de 10, mas aparecia muito bem como ponta de lança. Acabo por fazer 28 golos. E é quando o Paços de Ferreira resolve contratar-me. Na altura fui um jogador muito caro. Estamos a falar de 1985 e o Paços pagou por mim 350 contos. Era muito dinheiro na altura. Aos 23 anos fui para o Paços de Ferreira.

    ©Rogério Ferreira

    Era muito namoradeiro e de saídas à noite?
    Sempre fui namoradeiro com a minha atual esposa. Ainda hoje. Ela chama-se Rosa Marinha. E tenho umas histórias aí pelo meio.

    Conte.
    Quando estava nos juniores do FC Porto, estava lá um amigo meu, que ainda hoje é um grande amigo, o Jaime Pacheco. Eu fazia as viagens de carro com ele quando os treinos coincidiam; ele dava-me boleia e vinha sempre à pressa para que eu pudesse acompanhar a Rosa na saída das aulas até casa. Brincávamos muito com isso: “Vamos conseguir, tu vais ver. Não vamos por aqui, vamos por ali, eu desvio lá mais acima...” [risos] . Ela era irmã de um amigo meu, conheci-a, comecei a namorá-la no caminho da escola para casa. Isto aos 17 anos. E ainda hoje namoramos.

    Estava a contar que foi para o Paços. Notou muita diferença na mudança do Aliados de Lordelo para o Paços de Ferreira?
    Sim. Ao nível de treino e de jogo sempre me impus uma capacidade de trabalho muito forte, mesmo quando não havia competição nas férias, sempre trabalhei muito em função daquilo que achava que era importante para mim. Portanto, ao nível do treino não foi para mim estranho. Estranho foi um pouco mais a forma como se trabalhava a nível profissional, os campos relvados, na altura o Aliados era um campo pelado. Tudo isso foram novidades.

    Quem era o treinador quando chegou a Paços de Ferreira?
    O prof. Fernando Duarte, que foi adjunto do José Maria Pedroto. Marcou-me profundamente pela personalidade que tinha e a forma como trabalhava, com grande capacidade e qualidade. Foi ele que me abriu as portas do profissionalismo. Na altura, não existia ainda a Liga de Honra, era II Divisão zona norte, centro e sul. E lá permaneci, com muitos treinadores pelo caminho.

    O treinador que teve durante mais tempo foi o Vítor Oliveira não foi?
    Exatamente. Foi o treinador que mais me marcou, sem dúvida.

    Porquê?
    Porque quando o Vítor vem para o Paços de Ferreira eu já tenho 26 anos, começo a ter um ser estatuto no clube, sou vice-capitão. Ele vem numa fase conturbada: estávamos numa posição má e ele consegue que o clube fique na II Divisão, zona norte. No ano seguinte há uma nova realidade que é a Liga de Honra em que sobem cinco equipas de cada série e subimos. Ele continua e somos campeões da Liga de Honra, em 1990/91.

    Nessa altura já está casado?
    Sim, casei com 25 anos. E depois passamos para a I Liga.

    Onde acaba por apanhar o Jaime Pacheco e o Prof. Neca como treinadores.
    Exatamente. Eu costumo dizer que, eu é que fiz o Jaime Pacheco treinador.

    Porquê?
    Porque éramos muito amigos e falávamos de tudo. Quando eles o convidaram para ser treinador-jogador, a primeira pessoa com quem ele falou foi comigo. E eu dei-lhe o conselho que tinha de aceitar, apesar de ele ter algumas dúvidas. E saiu-se muito bem. A minha relação com ele sempre foi muito próxima. Há no meio coisas interessantes.

    Como por exemplo?
    Quando vou para a tropa, estou 16 meses na Calçada da Ajuda, na Polícia do Exército, em Lisboa, e o Jaime vai jogar para o Sporting nessa altura, ele e o Sousa. E ele vinha-me sempre buscar ao quartel para ir para casa dele.

    Custou-lhe muito fazer a tropa?
    Os primeiros 15 dias, sim. Depois ambientei-me e gostei. Hoje digo que foi uma aprendizagem muito boa que todos os jovens deveriam ter alguma responsabilidade e de servir o país desta forma.

    Mas a tropa pode “cortar as pernas” a alguns jogadores, ou não?
    Daquela forma sim. Da forma como estive, 16 meses, sim, porque estava no Aliados de Lordelo, na flor da idade e isso foi talvez um impasse que fez com que não tivesse se calhar atingido mais cedo o profissionalismo. Porque, quando estás com 20 anos e vais para a tropa há uma quebra. Embora tivesse a felicidade de, quando vinha a casa ao fim de semana, às vezes jogar à mesma porque o treinador assim achava.

    ©Filipe da Silva Coelho

    No Paços de Ferreira mantém-se como 10 ou passa para defesa?
    Quando chego continuo a jogar como 10, as coisas até estavam a correr bem. Mas naquela altura, nos plantéis, havia sempre um jogador polivalente, que fazia tudo. Os clubes gostavam de ter um jogador assim. Eu comecei a funcionar um bocadinho como defesa lateral. Recordo-me de um treino em que o lateral direito estava lesionado e o treinador alterou três ou quatro jogadores para fazer aquela função e nenhum deles se portou bem e ele resolveu meter-me. "Vai lá, quero ver como é que tu te safas". E gostou. A partir daí começou a utilizar-me também assim. Primeiro foi o Vítor Gomes, mas posteriormente é o Vítor Oliveira que começa a pôr-me em várias posições: lateral direito, central, lateral esquerdo. Eu fiz épocas a lateral esquerdo com o Vítor Oliveira, épocas. Era um jogador inteligente, tinha uma boa percepção do que era o jogo e portanto fiz o meu trabalho.

    E que tal o Jaime Pacheco como treinador?
    Gostava. O Jaime foi sempre uma pessoa com uma capacidade de trabalho muito grande, com uma entrega enorme. Os que queriam trabalhar pouco diziam que ele dava tareias muito fortes; aqueles que estavam habituados a trabalhar bem, que era o meu caso, achavam que era perfeito.

    Na passagem da II de Honra para a I Liga notou que era mesmo outro campeonato?
    Notava-se quando enfrentávamos os grandes jogadores, como é óbvio. Quando se defrontavam o Benfica, Sporting, esses clubes...Eu acho que fui um privilegiado porque vivi e joguei numa época em que haviam muitos, muitos e grandes jogadores portugueses. O Benfica era recheado de excelentes jogadores, jogadores de seleção, o Porto a mesma coisa. Eram aquelas épocas douradas em que o jogador português era mesmo uma mais valia. E começaram aí a sair das formações os campeões de Riade e de Lisboa. Defrontar Figos, Rui Costa, João Pintos, apesar de ser mais velho, sabia que eles eram uma mais valia.

    Quando percebe que não é, nem vai ser, aquele jogador que chega a um dos grandes?
    Tenho a percepção do meu valor, mas também daquilo que poderia fazer. Quando começo a defrontar jogadores melhores da I Divisão sei perfeitamente que vou ser um jogador normal, mediano, que nunca vou ter condições para chegar a um Porto, Benfica ou Sporting. Até porque as minhas características de estar hoje a jogar numa posição e amanhã noutra não me favoreciam muito. Mas em prol da equipa e daquilo que era meu trajeto no Paços de Ferreira, sei que fui muito importante. E mesmo a minha capacidade de liderança durante muitos anos no clube. Embora muitas das vezes amigos que jogavam nos grandes clubes diziam “isto é tudo uma questão de oportunidade, e tu pela tua forma de ser se chegasses a um dos grandes, impunhas-te”. Porque houve muitos que conheço que se impuseram nos grandes clubes pela sua capacidade de trabalho. É claro que têm de ter qualidade, mas foi mais pela sua força e determinação. Eu era um jogador com umas características do João Pinto, do Porto, Veloso, desse género, jogador de equipa.

    Pensava já no futuro pós carreira de jogador?
    Sim, comecei a pensar cedo. Aliás, via aquilo que os treinadores faziam e memorizava. Comecei a fazer o meu primeiro curso de treinador com 25 anos, o I nível. Há um aspeto curioso, enquanto jogador já tinha o IV nível de treinador, aos 32 anos. Não quer dizer que fosse ser treinador, mas preparei-me. E com muita gente consagrada aí do futebol. Não era fácil porque tinha de abdicar das férias e tudo isso, mas a minha mulher também me ajudou muito, deu-me sempre muita força para concluir estas coisas.

    Quando é pai pela primeira vez?
    Sou pai aos 26 anos, da Catarina, que tem agora 30 anos e é médica-dentista. E tenho a Rita que tem 25 anos e é advogada. Foram sempre umas meninas, a todos os níveis, excepcionais. Já levo 32 anos de casado.

    ©Carlos Alberto Costa

    Foi-lhe fácil pendurar as chuteiras e passar a ser treinador?
    Não. É muito difícil. Aos 28 anos, o treinador saiu e eu faço um primeiro jogo a liderar a equipa, em Freamunde. As coisas correram bem e convidaram-me logo para ser treinador. Porque com 28 anos já se começava naquela altura a pensar que era velho. Essas coisas faziam-me confusão e de forma alguma alguma eu aceitava. Não me achava velho. Passado uns tempos, saiu o António Jesus, isto na Liga de Honra, e as pessoas sempre me viram como um líder, eu era jogador mas convidaram-em para passar para um gabinete, não nas funções de treinador principal, mas para ser treinador adjunto e o coordenador do futebol juvenil, que era um cargo que não existia em Paços de Ferreira. Acabei por aceitar, mas digo-lhe que foi sem dúvida o momento mais difícil da minha carreira, foi o abdicar daquilo que eu mais gostava de fazer que era jogar futebol. Quando fui ao balneário buscar os meus pertences e tive de mudar para outro gabinete, foi o momento mais triste da minha carreira.

    Começou por ser adjunto de quem?
    Do Custeado, que era adjunto do Jesus e que ficou como principal. Mas ele esteve pouco tempo, veio entretanto o Henrique Calisto.

    O que achou do Henrique Calisto?
    Excelente. É uma pessoa com uma cultura e uma bagagem como muito poucos. É um intelectual do futebol. É uma pessoa que nos dava toda a liberdade para fazermos aquilo que pensássemos, gostava da discussão, das opiniões, uma excelente pessoa. Ele foi e é um dos grandes amigos que tenho no futebol. Gosto muito dele, da personalidade, gosto do ser humano e em termos de futebol foi sempre um homem com uma cultura acima da média.

    Na passagem de jogador para treinador, quem era as suas referências?
    Na altura o treinador que eu gostava era o Arsène Wenger que estava no Arsenal. Adorava ver aquela equipa do Thierry Henry, do Bergkamp, era um futebol fantástico. Aqui, o Artur Jorge era a nossa referência também. Gostava do Vítor Oliveira, não posso esquecer a forma como o Vítor sempre foi e como é, a capacidade e liderança, a convicção no trabalho. O Vitor tem uma particularidade muito importante e fez uma coisa que nunca vou esquecer. Passados uns anos, já eu como treinador muitos anos em Paços de Ferreira, ele foi para diretor geral do Leixões e convidou-me para ser o treinador do Leixões. Disse-me com estas palavras: "Eu vou ser diretor geral do Leixões e quero que sejas meu treinador". Portanto, uma pessoa que conhece tudo do futebol, convidar-me para ser treinador foi sem dúvida uma honra. Fiquei sensibilizado.

    Como se dá mudança de adjunto para treinador principal do Paços de Ferreira?
    Foi em 1999/2000. Henrique Calisto como treinador, aí já tenho uma preponderância muito maior mesmo nas aquisições de jogadores na construção do plantel, porque as pessoas conheciam bem, davam-me sempre muita força, já tinha responsabilidade na criação do próprio plantel, já fui para o Brasil em prospecção, de onde trouxe alguns jogadores interessantes como o Rafael, Luis Claudio, Everaldo, jogadores que se tornaram fundamentais nessa mesma época. Quando Henrique Calisto se vai embora em fevereiro, porque estávamos em 15.º lugar, as coisas não estavam a correr muito bem, faltavam 14 jornadas para acabar o campeonato, fico à frente da equipa e nessas 14 jornadas conseguimos 12 vitórias e fomos campeões da Liga de Honra.

    Como é que conseguiu?
    O facto é que ninguém faz bom trabalho se não tiver bons jogadores. E aquela equipa tinha bons jogadores. Segundo, foi criar uma certa família. Cada jogo que nós vencíamos era um balão de oxigénio para o próximo, estávamos imbuídos de um espírito...

    Esse espírito de família fomenta-se com almoços e jantares?
    Com tudo, com tudo. Os jogadores tinham comigo um relacionamento próximo. Eu gosto de conhecer os jogadores, saber quantos filhos têm, perguntar pela pai e mãe, se já problemas... É importante termos aquelas conversas do dia a dia para o jogador poder estar à vontade com o treinador. E eu mais tinha nessa fase porque era o adjunto e estava próximo, muito próximo deles. Tudo o que se passava eles contavam-me. Havia uma cumplicidade muito grande. Foi a conjugação disso tudo. É claro que há fatores que são muito importantes, mas aquela equipa mereceu isso tudo. Nós sentíamos que não perdíamos com ninguém. Havia fases em que no grupo diziam: "Nem que o Bayern de Munique viesse nós perdíamos". Estávamos mesmo muito bem, a fazer futebol de grande qualidade. E subimos de divisão. Praticamente essa mesma equipa que sobe passa para a I liga.

    E aí nota-se o embate ou não?
    Essa equipa rendeu. Esse meu primeiro ano da I liga é um ano em que nós vamos ganhar à Luz por 3-2, vamos ganhar a Alvalade por 3-1, ganhamos ao FC Porto em casa, empatamos com o Sporting e Benfica em casa; vamos ganhar a Faro 4-1; vamos ganhar a Leiria 4-1; ganhamos ao SC Braga. Era das melhores equipas que eu já vi jogar na I Liga. As pessoas ainda me falam desses momentos. Entretanto, sairiam vários jogadores, o Rafael para o FC Porto, o Álvaro para o Boavista e comecei também a olhar muito para a formação do clube. Naquela altura tinha 10, 11 jogadores da formação do Paços de Ferreira que jogavam na I liga, desde o Cadu, Mário Sérgio, Tiago Valente, o Antunes, Fábio Pacheco, Carlos Carneiro, o Coelho; portanto, muitos atletas que saem da formação e que se conseguem impor no futebol português.

    ©Rogério Ferreira

    Entretanto sai do Paços para ir para o Santa Clara, mas regressa passado pouco tempo. O que aconteceu?
    Isso é outra história. Como é óbvio a minha relação com os dirigentes do Paços foi sempre muito cordial, de muita amizade, o meu presidente é um dos meus melhores amigos e foi a pessoa que, na altura, não era presidente mas era o departamento de futebol, me convidou para passar para adjunto, Hernâni Silva. Ainda hoje digo que ele é o meu presidente. E eu tinha vários clubes, ano após ano, que me convidavam para ir treinar e por respeito a ele - e porque tínhamos uma amizade muito grande - nunca aceitei. Mas naquele ano eu disse-lhe que, quando fizéssemos 38 pontos, estávamos praticamente garantidos e falaríamos sobre o futuro. Ele começou a pensar "aqui há gato". Nós conseguimos fazer 38 pontos ainda faltavam nove jornadas para o fim. Fomos a Setúbal vencer e fizemos os 38 pontos e ainda me recordo que estávamos na Medalhada a jantar e ele disse: "Vamos aqui resolver o assunto, daqui não saímos, o autocarro pode seguir tu vais comigo, daqui não saímos sem resolvermos o assunto". "Não presidente, você vai-me fazer um favor, deixe-me partir. Está na hora de partir, são muitos anos em Paços de Ferreira, já abdiquei de algumas situações a meio da época, clubes com outras ambições e eu nunca saí".

    Que clubes é que o tinham sondado?
    O SC Braga, por exemplo, o V. Guimarães, o U. Leiria.

    Recusou todos por causa do Paços?
    Sim. Mas naquela altura já havia contactos com o Pimenta Machado para ir para o V. Guimarães e já estávamos numa fase adiantada e eu disse ao presidente: "Eu não assinei pelo Vitória como é óbvio, mas tenho contactos com o clube, e tenho outros clubes interessados, é o caso do Marítimo e do U. Leiria, por isso, deixe-me ir embora. A meio da época nunca o farei, mas gostava de ir no final da época". E ele não aceitou, pura e simplesmente. Estivemos ali algum tempo até sem nos falarmos.

    O que acontece no final da época? Por que não vai para Guimarães?
    Porque acontece aquilo que é o futebol. Tinha tudo acertado com o Pimenta Machado, presidente do Vitória de Guimarães, e ele dá o dito por não dito, pelas influências do futebol. Acaba por continuar com o mesmo treinador que era o Augusto Inácio.

    Quando fala das influências do futebol tem a ver com o quê? Empresários?
    Com tudo [risos]. Na altura vendeu o Pedro Mendes para o FC Porto e pronto, as coisas acabaram todas por se alterar. E deixou-me de mão caída. Tive outras oportunidades para sair e por causa dele, porque tinha dado a minha palavra e sou um homem de palavra, acabei por ficar de fora. Porque ele não teve palavra, e ainda hoje digo a todo o mundo: nunca mais lhe apertarei a mão porque ele não foi e não é homem nenhum, ponto final. Foi assim que eu lhe disse no final desta situação toda, embora as desculpas dele fossem esfarrapadas.

    Que desculpas foram essas?
    Disse que tinha de continuar com o mesmo treinador, porque assim lhe pediram, assim lhe exigiram e tal.

    Mas quem, se ele é que era o presidente do clube?
    Isso aí é já querer saber demais, eu já não estou disponível para essas coisas. E pronto, que teria de ficar com o mesmo treinador, foi a resposta dele. Isso magoou-me muito, muito, porque abdiquei de vários projetos, nomeadamente do Paços de Ferreira. E disse-lhe que enquanto ele fosse presidente o Vitória nunca mais eu seria treinador do Vitória. E as coisas ficaram por aí. É o futebol. Mas não se faz, até porque vários jogadores que ele lá tem já foram da minha lista de prospecção. Recordo-me que lhe entreguei uma lista de jogadores.

    Que jogadores?
    O Moreno, por exemplo, que estava a jogar no Taipas, que era um jogador da formação do Vitória que ele ia perder mas que eu estava atento a ele, e veio para o Vitória; o Flávio Meireles que ainda hoje lá está também no clube, fui eu que lhe disse que o pretendia e ele contratou-o ao Moreirense. E depois tinha outros jogadores, o Serginho Baiano que tinha sido meu jogador no Paços também estava nessa lista, tinha o Gaspar, um central que também tinha sido meu jogador, o Fary que estava no Beira Mar e era um jogador que pretendíamos. Já estava tudo muito adiantado e as coisas acabaram por não funcionar.

    Alguma vez teve empresário?
    Não, nunca tive. Todos os clubes que treinei foram os presidentes que me ligaram.

    Como surge o Santa Clara no meio disso?
    O Santa Clara também era um dos clubes que me falava muitas vezes e quando soube que eu estava no mercado, vieram. O Santa Clara tinha descido de divisão, estava na Liga de Honra e tinha muitos problemas de ordem financeira. Eu vou para lá, fazemos uma equipa interessante, estamos a fazer um bom trabalho, mas houve uma fase muito conturbada de situações nomeadamente financeiras, dos descontos para segurança social, das finanças, uma série de problemas.

    É muito mais difícil para um treinador gerir um balneário quando há ordenados em atraso, calculo.
    É muito, muito difícil, embora eu possa dizer que já tirei um curso superior sobre isso, porque já passei por muitos clubes com ordenados em atraso. O treinador é peça fundamental. Não é o presidente, nem mais ninguém, ou os jogadores confiam no treinador, ou então…Porque nós é que temos de dar a cara, nós é que temos de os aconselhar a continuar a trabalhar, que novos dias virão, todos os dias temos de ter um discurso positivo com eles. Eu tive várias vezes grupos de trabalho em que eu ia a subir para o relvado e eles não estavam dispostos a treinar. E dar a volta, sensibilizá-los que não é a melhor posição, que se calhar temos de fazer de uma outra forma, é extremamente difícil. Portanto, como disse, sou catedrático nessa matéria porque nos clubes por onde passei, muitos estavam com salários em atraso.

    ©Catarina Morais

    Além do Santa Clara onde viveu outros problemas semelhantes?
    No Vitória de Setúbal, no Belenenses, no Leixões. Alguns deles agora estão bem. Atenção que o futebol na altura estava bem mais difícil.

    Alguma vez lhe aconteceu ter de ajudar financeiramente algum jogador?
    Sim, sim. Várias vezes. Não só jogadores, como também funcionários. Muitas vezes. E isso era das coisas que mais me doía, para além de sair da carteira. Mas pronto, precisavam mais do que eu. Doía muito. Eu tive jogadores que saíram de casa, que os senhorios os tiraram de casa pura e simplesmente. E tinha que se resolver o assunto e ninguém resolvia.

    Não deve ser nada fácil motivar jogadores assim para jogar…
    E em muitos casos a conseguir grandes resultados. No Leixões, andávamos em 1.º lugar e havia salários em atraso. No V. Setúbal e no Belenenses também. O grupo de trabalho e os jogadores foram sempre excepcionais nesse aspeto. Não é comigo. É porque eram bons profissionais, é porque havia bom grupo, havia bom balneário. E também há uma coisa que é muito importante: é que nós temos de ser os primeiros a dar o exemplo e eu por todos os clubes por onde passei nunca recebi à frente do grupo de trabalho. Fui sempre o último a receber o salário. Faço questão de dizer aos jogadores, eles sabem disso. No Vitória de Setúbal, por exemplo, fiquei sem um ano de trabalho porque disse “paguem aos jogadores”. Os jogadores receberam todos ou quase todos mas eu ainda lá estou sem um ano de trabalho.

    Foi sozinho para os Açores?
    Não, levei a família, a família tem de me acompanhar. As filhas não gostaram da ideia, sobretudo a mais velha que já estava de namoro. A Rita, como era mais pequena, ambientou-se fácil. A minha esposa, estando comigo está bem, não há problema. E entretanto, as coisas não estavam a correr nada bem e eu tinha sempre clubes a ligar. O Paços de Ferreira, o próprio Pimenta Machado que me liga mais tarde para ir para lá. Teve a lata. E eu disse-lhe “esqueça”. E regresso ao Paços de Ferreira, só estive três ou quatro meses no Santa Clara. Era só problemas, não tinha direção, ninguém resolvia os problemas, os jogadores cansados e eu disse que ia embora.

    Regressa ao Paços mas essa época acaba por não correr muito bem, porque descem.
    Sim, o Paços estava mal, estava em último lugar. Conseguimos uma certa recuperação mas não deu. Descemos. Recordo-me que o presidente também disse quando lá cheguei que tínhamos era de preparar uma equipa para o ano seguinte. E fizemos isso. Fomos campeões da Liga de Honra a seguir. Fizemos uma época excelente. Na I Liga, depois, foi uma época muito difícil porque naquele ano desceram quatro equipas, é quando se dá o Caso Mateus: desceram V. Guimarães, Belenenses, o Penafiel e o Rio Ave. Nós conseguimos manter-nos. Para uma equipa que subiu, fizemos um trabalho muito bom.

    E a seguir vai à Europa.
    Sim, com muita malta nova, jogadores oriundos da formação muitos deles. Fizemos o 6.º lugar, inédito para o Paços e vamos à Europa. Foi bom. Depois vem o Leixões, época memorável também, ficámos em 6.º novamente. Saio de Paços de Ferreira começo a ser um treinador mais do mundo, a ir mais para sul, V. Setúbal, Belenenses.

    ©Carlos Alberto Costa

    No Leixões a primeira época correu bem, mas na segunda é substituído não é?
    O Leixões entretanto continua com os mesmos problemas. Na altura dessa equipa ,do primeiro ano saiu muita gente, venderam-se vários jogadores, o Bruno China foi para Maiorca, o Beto para o FC Porto, o Wesley para a Roménia, o Angulo, que era um lateral esquerdo, vai para o Corunha, saíram muitos atletas, a equipa fica um pouco desnorteada, mas lá conseguimos colmatar - e depois eu saio do Leixões, faltavam uns três jogos ou qualquer coisa.

    Porque é que sai?
    Saio muito por causa das mentiras, cá está mais uma vez as mentiras, não pagam os salários, sempre salários em atraso, sempre muita mentira e o próprio desgaste das situações. E depois as pessoas, a falta de palavra das pessoas, o não comparecerem, isso é um desgaste muito grande, muito, muito grande e acabo por sair. Vou para o Belenenses, pensava que o Belenenses estava melhor, e estava. Na altura com o presidente, o João Almeida, que era deputado do CDS, tinha um projecto interessante, gostei muita da forma como ele expôs a situação, tudo muito bem, mas ele acaba por sair, a política exige que ele saía do clube, que faça uma escolha. Ele saiu do clube e o clube ficou à deriva e mais uma vez, vêm os mesmos problemas, lá tentámos resolver os assuntos, mas eu sempre com mais problemas, mais problemas e vou para o Vitória de Setúbal.

    E mais problemas...
    E muitos mais problemas. É que a gente pensa que está a fugir dos problemas, mas está a torneá-los porque aquela fase é talvez o período mais negro do futebol português em termos financeiros, há uma crise generalizada no país, todos sabemos, e os clubes estão desta forma. Mas há um aspecto muito importante: há uma valorização muito grande pelos clubes por onde passo. No Belenenses venderam-se vários jogadores. Fiz muitos jogadores para o Belenenses, o Abel Camará, o André Almeida que é vendido para o Benfica.... eu tenho uma história do André Almeida muito interessante.

    Conte-nos.
    O André Almeida era um jogador da formação do Belenenses e que jogava a meio campo e eu precisei de um lateral direito. Cá está, aquilo que me fizeram a mim eu fiz a outros [risos]. Precisei de um lateral direito e disse: "André vais jogar a lateral direito, eu acho que tu tens competências e podes dar um bom lateral direito”. Fez um treino excelente e continuei a forçar com ele, mas ele não gostava de jogar a lateral direito: "Mister eu não gosto de jogar a lateral direito". E eu dizia-lhe: "Olha bem para aquilo que te digo André, tu podes ser um excelente lateral direito, pá. No meio campo, vais ser um jogador vulgar." Ele era um atleta da formação, mas que ia à seleção de Sub 21. O Rui Jorge quando convocava o André Almeida para a seleção metia-o a jogar como meio campo e eu em conversa com o Rui, que sou muito amigo dele, dizia: "Ó Rui pá, não deves fazer isso, tu não deves fazer isso. O homem chega-me da seleção e vem sempre perturbado. Olha que ele dá um bom lateral direito pá, não é a meio campo que ele vai dar". E o Rui dizia: "Vale uma aposta?." E então apostámos uma mariscada sobre o que é que ele ia ser. Se ia ser um bom meio campo ou se ia ser um bom lateral. Eu ganhei a aposta ao Rui [risos].

    Ele já pagou a aposta?
    Ainda não, mas fala sempre nela, na mariscada. E o André foi para o Benfica como lateral direito. São aquelas coisas que nós às vezes fazemos no futebol, são as convicções.

    Porque gosta tanto de lançar jovens jogadores?
    Acho que quem merece deve jogar; para mim jogam sempre os melhores. E acho que temos de dar oportunidades. Ao longo dos anos sempre pensei dessa forma. Sendo jovens ou não, se demonstrarem condições, têm sempre o meu aval e foi assim em todo o lado. No Paços de Ferreira foram muitos os casos: o Antunes que foi para a Roma, o Mário Sérgio que foi para o Sporting, o Cadú que foi para o Boavista e depois para o Cluj, o Carlos Carneiro, o Tiago Valente. E outros que vieram, o Zé Manel do Taipas, portanto há que dar oportunidades e se eles merecem têm que ir lá para dentro. No Belenenses a mesma coisa, no Leixões, o Rúben Ribeiro, o Sequeira, o Paulinho... uma série de jogadores que eram miúdos, que saíram da formação. Quando chego ao Vitória de Setúbal é exactamente a mesma coisa, comecei a trabalhar com alguns miúdos dos juniores, o Rúben Vezo, que vai para o Valência, o Frederico Venâncio, que está no Guimarães, o Ricardo Horta, que está no Braga.

    ©Catarina Morais

    Como é que se dá o desfecho em Setúbal e a ida para Barcelos?
    Saio do V. Setúbal porque, mais uma vez, não pagavam, estou com um ano de salários em atraso que até hoje ainda não me pagaram.

    Está em tribunal?
    Está, está em tribunal. Entretanto entraram no PER, aquelas coisas todas, aquelas habilidades que os clubes fazem. Mas saio do V. Setúbal porque já lá estou há dois anos a fazer, penso eu, um grande trabalho, a valorizar esses jogadores e eles a venderem, mas os salários nunca regularizavam.Venderam o Rúben ao Valência, não regularizaram, venderam o Meyong para o Kabuscorp de Angola, não regularizaram, e era sempre assim e não havia dinheiro. E isto é uma frustração.

    Os clubes não são obrigados a regularizar os ordenados para poderem continuar a inscrever jogadores?
    É essa pergunta que eu faço à Liga e a quem de direito. Como é que é possível? Antes de continuarem a vender têm de regularizar as dívidas que têm. A questão é mesmo essa: a Liga sabe perfeitamente os clubes que estão em dívida e porque é que continua a garantir que eles possam participar? Eu faço-lhe essas perguntas, eles sabem isso perfeitamente. A Liga é responsável. Agora vemos esta situação do Aves e outras situações. Porquê? Quem é responsável? Alguém tem que ser responsável no futebol português. Não pode competir, não pode competir, vá competir com quem é sério. Agora, continua a haver clubes a não pagarem, a não cumprirem com as suas obrigações e todos os anos a endividarem-se ainda mais e eles continuam a autorizar que esses mesmos clubes possam competir, portanto há aqui alguma coisa que não bate certo. A Liga sabe que o Vitória de Setúbal me deve dinheiro. O que é que eles fizeram até hoje? Nada, a mim e muitos outros. É que estamos a falar do nosso trabalho…É o lado, o lado negro.

    Como se dá a ida para Barcelos?
    Saí do Vitória de Setúbal, estou um bocado em casa e fui convidado para ir para Barcelos. E digo-lhe que o Gil Vicente é um bom clube, tinha um presidente, um homem de quem gostei muito, o presidente Fiúza. O clube estava a viver um momento muito mau, com zero pontos na 4.ª ou na 5.ª jornadas, um plantel que achei muito descaracterizado, jogadores com pouca ambição, mas depois lá tentámos resolver e em janeiro contratámos alguns atletas interessantes, fizemos uma segunda volta muito boa mas não deu para a manutenção. No último jogo acabámos por não garantir e descemos de divisão.

    E aí não há renovação de contrato, e vai para o Feirense, é isso?
    Sim, sim e percebe-se perfeitamente, temos que ver que a situação é mesmo assim, a vida de treinador, uns momentos são melhores, outros piores, mas a verdade é que se no Gil estivéssemos desde o início as coisas seriam diferentes porque é um bom clube, é uma boa cidade, é um clube cumpridor e as coisas teriam e iriam ser diferentes com certeza. Com toda a sinceridade, acho que conseguiríamos aquilo que era o desejo de todos, a manutenção, mas paciência.

    ©Global Imagens / Tony Dias

    Vai para o Feirense…
    Vou para o Feirense já numa fase um pouco adiantada num clube que tinha ambições de subir de divisão, mas não estava a conseguir. Entretanto despediram o treinador e eu fui para lá.

    É muito difícil pegar numa equipa a meio do campeonato, que não é uma equipa escolhida por si?
    É complicado sim. Primeiro temos de avaliar bem o plantel e muitas vezes alterar porque há jogadores que não estão a jogar que têm muito potencial e que se calhar esses é que nos vão ajudar, como foi o caso do Feirense. Recordo-me perfeitamente que quando lá chego tenho de mudar alguns jogadores, uns que estavam a jogar mais acabam por não jogar e outros que estavam de fora acabam por ser importantíssimos nessa fase. Começamos a ter uma solidez defensiva muito boa, a equipa começou a render. Tive um jogador também que nunca tinha jogado e que aparece numa fase muito boa da época, que é um jogador da Nigéria que lá está, acaba por fazer uma época muito boa; aliás, ele foi vendido, acho que está em Inglaterra a jogar, e as coisas acabam por se proporcionar. Subimos de divisão, uma campanha extraordinária a todos os níveis. O Feirense é um bom clube, um clube cumpridor, um clube com uma boa massa associativa também. Acabou por conseguir o feito de subir de divisão que há muitos anos andavam a tentar. Mais uma subida para o meu currículo.

    Mas depois sai a meio da época seguinte.
    Sim, com algumas divergências. O Feirense na I Liga muda a estrutura diretiva toda. Quem trabalha comigo é o presidente Rodrigo Nunes e o Filipe Oliveira que era o braço direito dele. Entretanto a SAD muda e quem toma conta que é um presidente nigeriano, com outras pessoas, e tiraram de lá o Rodrigo Nunes e o Filipe Oliveira. Portanto as coisas alteram-se completamente e começam a existir algumas divergências. Mais o choque de personalidades do que outras coisas. Acabo por sair e vou para o Aves. Estou no Aves também para tentar subir e subimos. Subimos de divisão, também foi um feito histórico para o clube. Foi muito bom e saio outra vez.

    Vai para o CS Sfaxien da Tunísia, a sua primeira experiência fora.
    Isso acontece assim. Subimos o Aves, eu saio do clube e tenho alguns contactos, e o presidente do CSS que era um clube grande na Tunísia ligou-me para saber se que queria ir para lá. Disse-lhe que gostava de lá ir ver, se gostasse das condições, não haveria problema. Lá fui, era um clube com boas condições, em termos salariais também era interessante, vamos lá à aventura para a Tunísia. Quando chego, chego numa segunda-feira e na quarta-feira arrancamos para a Suazilândia para jogar a CAF. Faço uma viagem louca, nunca vi um coisa daquelas. Vamos da Tunísia para o Dubai, do Dubai para Joanesburgo e depois de lá para a Suazilândia, um pequeno país que fica perto do corno de África. Fiquei admirado com aquela volta!

    O que é que o surpreendeu mais?
    A festa, a festa deles. Tínhamos de vencer aquele jogo porque se ganhássemos, ficávamos apurados para as meias finais da CAF. O estádio nacional estava completamente cheio, uma festa incrível, uma realidade completamente diferente daqui, ao nível de organização, ao nível de entrada, ao nível de tudo. Mas a paixão lá realmente é espontânea, é livre. Nós vencemos esse jogo, que foi numa sexta-feira, e depois jogávamos na quarta-feira seguinte com o MC de Argel para, aí sim, se empatássemos, passávamos para as meias finais da CAF. E passámos, vencemos o MC Argel que era o 1.º classificado e passámos até para primeiro de grupo. Conclusão: estive lá uma semana e venho embora de férias porque entretanto ia começar o campeonato. Estou cá 12 dias e regresso à Tunísia. Lá temos de andar sempre com a mala pronta. Quando chego, passado quatro, cinco dias vamos para a Arábia Saudita e estamos lá 20 dias. Viemos embora, as coisas estão a correr bem, começa o campeonato, tudo bem, o que é que acontece? Acontece que estou a cinco, seis jornadas, estamos em 2.º lugar com um jogo a menos do que o 1.º, se ganhássemos passávamos para a frente, e parou o campeonato porque o selecionador resolveu parar o campeonato. A Tunísia tinha os jogos de preparação para o Mundial e parava o campeonato um mês.

    É muito tempo.
    Pois é. Ele metia os jogadores em estágio de seleção e não queria saber. As equipas que tinham jogadores na seleção, como era o meu caso, tinha cinco jogadores na seleção, paravam. Insurgi-me, falei com o presidente e cheguei a falar várias vezes para os órgãos de comunicação social que não aceitava uma coisas dessas. Isto é inacreditável que possa acontecer: o que é que eu vou fazer durante um mês? Todos os fins de semana vinha a casa porque não tinha jogos e comecei a mostrar insatisfação quanto a isso. Passado uns tempos, salários em atraso. Eu ao quinto mês já tenho três salários em atraso, e disse-lhes isso. E depois fizeram uma coisa inacreditável, que eu nunca vi, ao grupo de trabalho.

    O que foi?
    Eu disse: “não vamos alimentar muito isto porque as coisas estão complicadas”. Mas os jogadores começaram a dizer que iam para a imprensa falar. Um dia estávamos a treinar e eles deixaram entrar a claque do clube, nunca vi malta tão fanática pela bola, entraram dentro do relvado e proibiram-nos de treinar. "Não há problema, tranquilos, só que se falaram para a imprensa, vão ter problemas connosco". Virei-me para o presidente e disse-lhe: "Para mim acabou, aqui não”. Ficámos a saber que foi o presidente quem deu ordem para que as coisas acontecessem dessa forma. Disse: "não, aqui nunca mais". E fui embora da Tunísia. Depois aparece novamente o Aves.

    ©Global Imagens / Miguel Pereira

    Do que gostou mais e menos na Tunísia?
    Surpreendeu-me, em termos positivos, o futebol. Tinha lá belíssimos jogadores. Pensei que fossem menos bons técnica e taticamente, mas não, havia bons jogadores, o meu clube também tinha vários jogadores internacionais, da Nigéria e de outros países. Surpreendeu-me a qualidade dos jogadores e também de algumas equipas. De negativo, é o fanatismo que aquelas pessoas têm em relação ao futebol. São muito fanáticos. Naquele jogo em que passámos às meias-finais da CAF, eu vi aquele estádio a arder, completamente a arder. Estamos a falar num estádio com mais ou menos umas 30 mil pessoas, eu até me assustei a ver aquilo. Nunca tinha visto uma coisa daquelas, com aquelas tochas. Até gravei e às vezes mostro às pessoas, porque quando falo nisto as pessoas parece que nem acreditam, é preciso mostrar.

    Viveu lá alguma situação mais caricata?
    Nós fazíamos muitas viagens e viajávamos sempre na Emirates, em 1.ª classe, aquilo eram aviões de alto luxo. Quando íamos para Tunis eu ficava num hotel, que era para os príncipes e os reis que vinham à Tunísia. Tinha duas piscinas no meu apartamento que tinha não sei quantos quartos. Era uma coisa… Eu dizia: "quero que os meus adjuntos fiquem todos aqui comigo no mesmo apartamento, nem quero ficar sozinho aqui [risos]". Eram aquelas extravagâncias mesmo à árabe. São coisas a que não estávamos habituados. Mas pronto, regresso ao Aves.

    ©Carlos Alberto Costa

    Regressa ao Aves para uma época fantástica em que conquista a Taça de Portugal, ao Sporting.
    Foi a realização de um sonho de menino. O sonho que eu sempre tive. Eu adorava a Taça de Portugal, eu adorava ver a final da Taça, eu sonhava, sempre falei com os meus jogadores e com as pessoas mais próximas que o que eu mais gostava era de estar numa final da Taça de Portugal. As coisas proporcionaram-se. E então ganhar foi... foi fascinante, foi um momento único.

    Estava confiante que ia ganhar?
    Muito confiante. Nós trabalhámos para ganhar a final. Naquela época tínhamos um bom grupo de jogadores, tínhamos conseguido a manutenção 15 dias antes da final, em Moreira de Cónegos. No último jogo de campeonato que era com o Chaves, não jogou nenhum jogador da final, portanto, começámos a preparar a final logo após o jogo de Moreira. E os jogadores sentiram, desde a primeira hora, que afinal era para ganhar não era para ir lá participar.

    Disse algumas palavras diferentes, mais especiais na palestra que antecedeu a final?
    Toda a semana e os dias que antecederam foram de pequenas palestras sentidas. Recordo-me de no sábado, no treino já no Jamor, reunir o grupo todo que lá estava, incluindo dirigentes, e agradeci muito, do fundo do coração mesmo, a oportunidade que me estavam a dar de estar ali a treinar naquele momento. Porque chegar ao Estádio Nacional e treinar para uma final é um momento… E os jogadores sentiram tanto quanto eu o momento. Eu olhava nos olhos deles e sentia que aquela final era nossa. Qualquer adversário que tivéssemos naquele dia... A gente sente, nós sentimos quando estão com aquela pica toda. E eles estavam todos há muito tempo determinados. Nunca falámos sobre o adversário. Estávamos de tal maneira concentrados, aquilo era um objetivo nosso.

    Quando marcam o primeiro golo, logo aos 15 minutos, sentiu que já não fugia?
    Não foi aí. Há dois momentos que são importantíssimos para nós. Há dois momentos em que o Gelson consegue-se isolar e o Quim faz duas grandes defesas. Nesse momento, quando ele faz a primeira, pronto, porque quando falham a primeira falham e a segunda, e depois logo a seguir a esse momento há duas situações de finalização pelo Sporting que não conseguem, nós fazemos o golo e eu disse: "este momento vai ser mesmo para nós". A forma como a equipa estava tranquila, o posicionamento que tinha, a confiança, a união que se via na disputa de bola, a atitude nos duelos... Isto está para nós. E pronto. E aconteceu, um momento magico, fantástico, que nunca vou esquecer.

    Houve algum telefonema, alguma mensagem que não estava à espera e que o tivesse surpreendido?
    Recebi vários telefonemas de quase todos os nossos presidentes. Houve uma mensagem que a mim me sensibilizou que foi do José Mourinho. Disse que a minha carreira merecia aquele momento. Defrontei-o várias vezes e ganhei algumas. Aliás, há uma curiosidade, quando o FCP é campeão europeu, o único clube que ganha ao FC Porto nessa época é o Paços de Ferreira, ganhámos por 1-0. Ele deu-me os parabéns e eu não estava à espera que ele fizesse isso e fiquei contente com a mensagem dele como é óbvio. Gostei de ver os meus pais no Jamor. Sei que foi talvez dos dias mais bonitos da vida deles, a minha mãe só dizia: "meu rico filho, meu rico filho" e o meu pai só chorava. Grande festa.

    Os jogadores fizeram-lhe alguma partida?
    Partidas fazíamos todos os dias. Mas sim, o balde, a água, o chegar ao balneário tirar a roupa toda e meter debaixo do chuveiro, faz parte. Mas fundamentalmente a Vila das Aves que soube estar presente e festejou de maneira exuberante, é uma vila que merece, de gente de trabalho, que tem tido grande sacrifício ao longo dos anos e verem acontecer estas coisas ao seu clube agora… Eu sei que estão todos tristes e sentidos a verem fazer mal ao seu clube.

    Deu-lhe algum gozo especial ganhar ao Jorge Jesus?
    O Jorge Jesus foi sempre um adversário meu. Enquanto o Jesus treinava ao Vitória Setúbal e o Vitória Guimarães, eu ganhava-lhe e até no SC Braga; a partir do momento em que ele foi para o Benfica, nunca mais lhe ganhei, isso é verdade. Benfica, Sporting é a tal questão, é mais difícil. Nunca mais ganhei ao Jesus, mas quando estava no Belenenses, no SC Braga, por aí, noutros clubes, ganhava com muita naturalidade. Sabe que já temos muitos confrontos, muitos duelos, embora ele seja mais velho do que eu para aí uns 10 anos, eu era um putozito na bola, mas já defrontava estes senhores todos do futebol. Eu queria-lhe ganhar, porque o Sporting naquele ano tinha um excelente plantel e um excelente treinador também. E ganhámos. Jesus é um amigo também de longa data, um adversário de longa data e é um bom treinador como é óbvio.

    Mas na época seguinte as coisas já não correm nada bem.
    Não é uma questão de não correrem bem, há muita coisa. Os clubes mudam muito. Os clubes têm a tendência de, quando se ganha alguma coisa, toda a gente, nomeadamente os dirigentes, querem a valorização. No Feirense foi exatamente isso: sobe-se de divisão, altera-se. As SAD e os donos das SAD querem logo ser eles a mandar. E foi o que conheceu mais uma vez. Saiu de lá o presidente de então, que era o Luis Carlos, em divergências com a SAD, entrou este, o chinês. Ele não tem, com toda a sinceridade, grande capacidade de liderança, para além de não ter grande à vontade com a língua. E alteraram toda a liderança do clube nunca é bom, nomeadamente quando se vem de momentos bons. Muita indecisão, pouca liderança, pouca presença, ou seja, aquilo a que se estava habituado começou-se a perder. Aquela união. Ainda por cima ele era muito influenciado e começaram-se a tomar algumas decisões que eu sabia que não eram dele, e que que não gostava e começámos a ter os confrontos que quase sempre partem num sentido - que é para o lado do treinador. E cada qual foi à sua vida. Acabo por sair da Aves insatisfeito com o comportamento do presidente e com o que eu ouvia nos bastidores e que afinal me vêm dar toda a razão. O que se está a passar neste momento tem a ver exatamente com este tipo de influências com que não estou nada de acordo.

    ©Vítor Parente / Kapta+

    E surge logo o Chaves?
    Depois tenho ali mais alguns contactos e aparece o Chaves, que estava numa situação muito difícil. Vou para Chaves, conseguimos ainda passar alguns degraus, alguns lugares.

    Viveu no Chaves, segundo as sua próprias palavras, os piores 30 minutos da carreira, num jogo contra o Tondela.
    Foi, foi. Foram os piores 30 minutos da minha carreira. Eu nem sei o que é que aconteceu, ainda hoje me pergunto porque é que aconteceu aquilo. Muitos dizem que é futebol. Mas muitas das vezes há qualquer coisa que não parece futebol. Porque estarmos a perder naquelas circunstâncias, por 4-0... Ia se calhar levantar algumas suspeitas de algumas coisas... Não gostei nada daquilo que vi, não gostei nada e eu não sou de aceitar facilmente certas coisas... É muito fácil dizermos "aconteceu futebol". Acontecer futebol é estarmos preparados para que elas não aconteçam e o que aconteceu deixou-me mesmo muito triste. Mas o que eu estava a dizer é que fizemos uma boa recuperação, tínhamos tudo para ficar na I liga. Quando lá cheguei, estávamos em penúltimo, a uma série de pontos do antepenúltimo. Na altura desciam três, portanto aqui também uma houve uma situação que foi ingrata. Desceram três por causa do caso do Gil Vicente. Fizemos bons resultados, fomos ganhar ao Aves, a Moreira de Cónegos, ganhámos em casa ao Belenenses, ganhámos ao Nacional, fizemos ali uma série de pontos importantes para ficar na I; faltavam os dois jogos com o V. Setúbal e o Tondela, e perdemos os dois jogos. E pronto. Acabamos por descer em antepenúltimo lugar. Foi uma grande tristeza.

    E foi embora.
    Disse ao presidente: “vou embora porque estou demasiado triste com esta situação toda". Ele não queria que eu saísse. Disse-lhe que depois conversávamos, que não estava em condições de conversar com ninguém. Nessa semana veio outra vez: "você sabe que não teve responsabilidade, gostamos do seu trabalho, queremos que continue". E continuei. Mas quando há alguma insatisfação, nomeadamente da forma como descemos de divisão naquela altura, parece que as coisas já não são iguais. É um clube que respeito muito, com gente muito boa, pessoas muito sérias, é um clube que merece estar na I liga. E vim embora.

    Entretanto mete-se a pandemia pelo meio.
    Mete-se a pandemia, estamos por casa, agarro-me à jardinagem, ao corte de relva, e a mexer no baú. E vejo que tenho para cima de 100 camisolas que me ofereceram, desde há 30 anos. Tudo malta que me ofereceu.

    Alguma que seja mais especial?
    Tenho por exemplo uma do McCarthy, quando o FCP foi campeão europeu. Ainda não tinha sido campeão europeu, o último jogo foi um FC Porto-Paços de Ferreira que nós perdemos por 3-1 e o McCarthy fez três golos, foi o melhor marcador e ele no final dirige-se ao meu balneário, chamou por mim e disse: "Para ti. Eu gosto de ti como treinador". Fiquei feliz, fiquei a olhar para ele. Não tenho muito a dizer. Agradeci. E muitos outros. O Lucho teve uma reação idêntica e chegou perto: "para ti, bom trabalho, parabéns". E depois aqueles jogadores que ajudei a crescer um pouco, desde o André Almeida, que também fez questão de me oferecer, do Rúben Vezo, do Antunes, do Beto, por aí adiante. Sabe que eu tenho uma curiosidade.

    Conte.
    Uma vez o Paulo Bento fez uma convocatória na seleção que achei muito interessante. Eu até nem sabia, mas a TSF resolveu ligar-me por causa disso. Disseram-me: "você sabe que tem seis jogadores na seleção que foi você que os pôs na I liga". E era verdade. Era o Beto, guarda redes, o Antunes, o Ricardo Horta, o Rúben Vezo, o Pedro Tiba e o Fonte, que foi meu jogador no Paços de Ferreira. Tinha seis jogadores, é que não estamos a falar de clubes grandes, estamos a falar de clubes pequenos.

    O que vai fazer com essa camisolas todas?
    Essa é também uma pergunta que eu me faço todos os dias. Ainda não sei.

    Surgiram contactos entretanto?
    Tenho tido alguns contactos sim. Estou mais recetivo a ir para fora. Tenho aí algumas situações.

    Desta vez seria para onde?
    Para os Emirados ou para Arábia Saudita, mais para aquela zona. Vamos ver.

    Foi contactado também pelo Vilafranquense?
    Sim, é verdade. E tive outra situações da Liga de Honra, mas prefiro aguardar mais algum tempo.

    ©Vítor Parente / Kapta+

    Houve alguma altura em que chegou a pensar que algum dos grandes o pudessem contratar?
    Sim, achava. Quando estava no Leixões em 1.º lugar, mais ou menos em dezembro, chegaram a insinuar situações do Benfica, na altura era o Quique Flores que lá estava e que provavelmente iria sair. Chegaram-me a falar sobre essa possibilidade.

    Mas alguém do Benfica?
    Não, não. Empresários, empresários. Não vale muito. É como eu digo, não vale a pena estarmos aqui dizer porque quando os clubes querem um treinador, nomeadamente aqui em Portugal, sabem o meu número. Entram direto e acabou como têm feito sempre. Isto é o falar, aqui e acolá, conversas da treta.

    Qual é o sistema de jogo que mais privilegia?
    Há dois sistemas que gosto de optar, o 4x3x3 e o 4x2x4. Depende muitas vezes da forma como jogo está mas são aquele dois modelos de jogo que realmente mais treino e trabalho.

    Gosta de equipas atacantes?
    Gosto. Embora saiba perfeitamente que muitas das vezes temos de abdicar desses tais princípios para conseguirmos outros resultados. Eu gosto do jogo ofensivo, mas às vezes percebemos que não temos jogadores com as características para fazer aquilo que pretendemos. E temos que nos moldar, não é os jogadores que se vão moldar a mim, eu é que tenho de moldar-me aos jogadores que tenho.

    É mais difícil ser jogador ou ser treinador?
    Muito mais difícil ser treinador, jogador é a melhor profissão do mundo.

    Qual foi a maior dificuldade que encontrou enquanto treinador?
    Os salários em atraso, de convivência no dia a dia com jogadores que não têm nada, onde só têm falsas promessas, essas são as maiores dificuldades.

    O clube de sonho que gostava de treinar?
    O Barcelona ou o Real Madrid, isso é que eram os clubes de sonho. A Liga espanhola é a que mais gosto. Também gosto da liga inglesa e alemã, mas a que mais me fascina é a espanhola.

    E qual o jogador que gostava de ter treinado?
    Muitos. Cristiano Ronaldo, como é óbvio. Mas todos os jogadores que treinei deram-me muito prazer. Aqueles que quiseram chegar longe, aqueles que já eram de fim de carreira. Agora, quem é que não gostava de treinar o Cristiano? Eu acho que o Cristiano é o melhor exemplo do que é e do que tem de ser um jogador. Por tudo o que ele faz, pelo trabalho que desempenha no dia a dia, pela personalidade que tem.

    Se tivesse de escolher entre Cristiano Ronaldo e Messi para ter na sua equipa, qual escolhia?
    O Ronaldo. Porque eu sei que o Ronaldo onde esteve, esteve bem. Está na Juventus, está bem, no Manchester esteve bem, assim como no Real Madrid, no Sporting também; o Messi não sei se estará bem noutro clube a não ser o Barcelona. É a verdade dos factos. Ele não está bem na seleção argentina, só está bem no Barcelona.

    Qual foi o jogador que mais o surpreendeu pela positiva?
    Se vamos a jogar no aspecto de futebolista em si, diria que foi o Rafael. Foi para o FC Porto.

    Houve algum jogador de quem estava à espera de bastante mais?
    Muitos. Infelizmente temos que viver com a desilusão. Alguns que nós pensamos que nos vão ajudar a fazer isto assim, assim e afinal não.

    Isso aconteceu também com jogadores que contratou?
    Com certeza. Mas esses muito poucos. Mas alguns, quando eu chegava ao clube e pensava que eles eram uma coisa e afinal...não só como jogadores como em termos da personalidade.

    Tem ou teve superstições?
    Não, nunca tive.

    É um homem de fé?
    Sou e sou praticante, costumo ir à missa. E a família também. Sinto-me bem.

    Costuma dizer que por todos os clubes por onde passou, deixou sempre a sua marca. Que marca é essa?
    Estive 10 anos em Paços de Ferreira e ainda hoje ouço os treinadores que lá passam dizer "jogar a Paços". Isso foi uma marca que lá deixei. Jogar à Paços, porque o Paços jogava sempre da mesma forma em todos os campos. Tinha uma convicção, lutava em todos os jogos pela vitória, não se amedrontava. E essa marca de fazer com que o jogador sinta que os jogos são para ser disputados até ao final.

    Houve algum treinador que tivesse dito alguma coisa que o tivesse marcado tanto que ainda hoje se lembra dele?
    Sim. Quando comecei na I Liga, à 3.ª ou 4.ª jornadas, fomos jogar a Leiria e o treinador do U. Leiria chamava-se Manuel José. Aquela equipa era muito boa, ficou em 5.º lugar ou assim. E fomos lá ganhar 4-1, e os meus jogadores eram praticamente desconhecidos. E ele no final disse com estas palavras: "eu sou treinador há 30 anos e nunca levei um banho de bola tão grande como hoje". E no final disse-me: "oh Zé, chega cá miúdo. Olha uma coisa, tu queres ser treinador de carreira ou queres ser treinador por dois ou três anos?". Eu percebi o alcance daquelas palavras. O ser treinador de carreira é estar 20, 30 anos a trabalhar, e ser treinador para atingir picos, posso atingir o pico em dois anos e depois cair e nunca mais se consegue levantar. Infelizmente acontece muito isso no futebol.

    Qual foi a maior frustração e a maior alegria como treinador?
    A maior foi a Taça de Portugal. Eu tive duas grandes alegrias, foi o Paços de Ferreira quando tomei conta e foi campeão, subiu à I liga, e a Taça. a grande frustração se calhar foi o Chaves da época passada, porque tínhamos tudo para ficar na I liga e não se conseguiu.

     

    Portugal
    José Mota
    NomeJosé Albano Ferreira da Mota
    Nascimento/Idade1964-02-25(60 anos)
    Nacionalidade
    Portugal
    Portugal
    PosiçãoDefesa (Defesa Direito)

    Comentários

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    motivo:
    Algo não bate certo aqui
    2020-10-07 16h04m por Darvokan
    Então o José Mota apostou que o André Almeida ia ser um bom lateral direito e ganhou a aposta? Não percebo.
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