Falar de Benfica na Europa é, em fases adiantadas, recuperar a velha história referente a Béla Guttmann, um dos mais importantes treinadores da história secular dos encarnados. Primeiro, porque ganhou, em anos consecutivos, as duas Taças dos Campeões Europeus que as águias têm no seu museu. Depois, porque a sua saída do clube, após essa conquista, incluiu uma declaração que o passar dos anos foi enaltecendo, elevando-a ao rótulo de maldição.
Não é por acaso. Guttmann era conhecido como «o feiticeiro» e os seus métodos alternativos tiveram enorme sucesso em Portugal. Poder-se-ia desconfiar desses, mas os resultados deram-lhes razão e o tempo encarregou-se de lhes chamar vanguardistas. Quase todos, digamos - a mítica história da privação de relações sexuais para os jogadores, que o húngaro via como fundamental para o alcance das vitórias, teria entretanto contradições práticas.
Nos encarnados, também foi campeão a começar e abriu as portas à participação na Taça dos Campeões Europeus, na altura uma competição em que só os campeões nacionais entravam. O Benfica não só entrou, como foi até ao fim. A final, em Berna, foi ganha ao Barcelona, um triunfo altamente improvável e que catapultou o nome do Benfica para os jornais mundiais.
Ainda estava guardado o lançamento internacional de Eusébio, que aconteceria na época seguinte (1961/1962). Como? Com revalidação da conquista europeia, de virada, contra o Real Madrid, num inesquecível 5x3, jogo em que as águias estiveram duas vezes a perder - aliás, ao intervalo os merengues ganhavam por 2x3 e Guttmann, qual psicólogo, teve uma célebre palestra em que disse que os adversários estavam de rastos e que o jogo estaria ganho.
No fim da primeira conquista europeia, houve renegociação do contrato de Guttmann. O húngaro passou a ganhar 500 contos por ano e teria, como prémios de objetivos, 500 contos caso ganhasse a prova europeia, 250 contos pelo campeonato nacional e 100 contos pela Taça de Portugal. Em 1961/1962, só o campeonato escapou, pelo que os cofres da Luz direcionaram ao treinador 1.100 contos, na altura uma pequena fortuna.
Feiticeiro, mas pouco dado a romances, o treinador foi pragmático e, no fim da época, deu-se a saída, com a célebre declaração:
«Sem mim, nem daqui a cem anos uma equipa portuguesa será bicampeã europeia ou o Benfica vai ganhar uma taça continental»
Em superstições só acredita quem quer, mas, em Portugal, esta é das mais famosas. Cada vez que os encarnados chegam longe na Europa, é recuperada a história. Seguiram-se cinco finais da Taça dos Campeões Europeus, uma final da Taça UEFA, duas finais da Liga Europa. Em todas elas, o Benfica perdeu.
Além disso, também se pode dizer que a primeira parte da maldição continua de pé: apesar das vitórias do FC Porto em 2002/2003 (Taça UEFA) e 2003/2004 (Liga dos Campeões), não se pode dizer que os dragões tenham sido bicampeões da Europa, já que a primeira conquista foi de uma prova, digamos, secundária.
Para quem não acreditar em feitiços, este é um artigo baseado em coincidências. Para quem acreditar...