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    Entrevista à Tribuna Expresso

    (16DEZ2017)| Bosingwa: «O mister Couceiro disse-me: ‘Se queres ganhar muito dinheiro, tens de jogar como defesa’. Foi assim»

    2020/05/08 15:16
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    Entrevista da autoria da jornalista Alexandra Simões de Abreu da Tribuna Expresso, originalmente publicada a 16 de dezembro de 2017 e que pode ser vista na publicação original aqui.

    No final da época passada, José Bosingwa da Silva resolveu colocar um ponto final de uma carreira que conta com a conquista de quatro titulos nacionais ao serviço do FCP, duas Ligas dos Campeões e duas Supertaças, entre outros troféus. Aos 35 anos, o jogador que nasceu no Zaire e veio para Portugal sem os pais, com nove anos, conta como foi o seu percurso e confessa que, por enquanto, quer apenas desfrutar o que não viveu enquanto jogador. Sempre com um ar de menino envergonhado que só se solta junto dos seus.

    Nasceu no Zaire. Os seus pais são de lá?
    O meu pai é português da zona de Seia, Serra da Estrela. Ele emigrou com 19 anos para o Congo, à procura de melhores condições de vida. Era comerciante. A minha mãe é que é congolesa. O meu pai esteve 43 anos no Congo. Fala bem o dialeto do Congo e tudo.

    Tem irmãos?
    Sim, eles tiveram 10 filhos, éramos seis rapazes e quatro raparigas. Faleceram dois ainda pequenos, que não cheguei a conhecer porque sou o caçula da família.

    Veio para Portugal com quantos anos?
    Com nove anos, para Seia.

    Porquê?
    Na altura começou a instabilidade política no Congo. Eu tinha um irmão e primo que jogavam futebol em Oliveira do Hospital, e vim para estudar e para fugir daquela instabilidade. A minha família é da zona do Equador, da floresta e não sentíamos tanto o que se estava a passar, mas com o medo os meus pais mandaram-me para aqui.

    Veio sozinho?
    Sim. Vim no avião com um casal português que era amigo da família. Os primeiros três meses estive a viver em Oliveira do Hospital, em casa do meu irmão e com o meu primo. Depois, o meu pai veio, comprou-nos uma casa em Seia e vivi lá até aos 14 anos com um outro irmão e primo.

    Como foi a adaptação à escola?
    Difíceis, os primeiros tempos, porque eu não falava português. O meu pai nunca nos ensinou português e por isso só falava francês e Lingala, que é o nosso dialeto. Os primeiros tempos foram complicados, não conseguia comunicar com as pessoas. Mas depois foi tranquilo, aprendi rápido e passou bem.

    E o frio?
    Sim, foi difícil (risos) porque eu vinha de uma cidade onde faz muito calor e tem muita humidade, por isso senti muito frio.

    Chorou muito a ausência dos seus pais?
    Nao, não sou muito de chorar. Havia momentos em que me sentia muito triste. Mas tinha os meus irmãos que me ajudaram bastante.

    Era a única família que tinha cá?
    E umas tias da parte do meu pai, mas não tinha grande contacto.

    Andou na escola até que ano?
    Quando cheguei, como tinha dificuldade em falar português, tive de começar na 1ª classe outra vez e parei de estudar no 9º ano, quando assinei o meu contrato profissional de jogador. Mas nunca chumbei.

    Antes do futebol o que sonhava ser quando crescesse?
    Para ser sincero não era um grande sonhador. O futebol aparece por acaso, aqui em Portugal, mas nunca foi objetivo de vida. Jogava na rua com os amigos. Um dia estava a jogar num pavilhão e um senhor, o Vitor, que era treinador de uma equipa de iniciados, gostou de mim, perguntou-me se gostava de jogar futebol, disse que sim, mas era de brincar, nada mais. Ele ficou com o número de telefone de casa. Passados três ou quatro dias ligou, foi lá a casa falar com os meus pais que nessa altura já cá estavam.

    Quantos anos tinha quando os seus pais vieram para Portugal?
    Tinha 12. Comecei a jogar aos 13 e foi nessa altura que vieram falar com os meus pais. O meu pai não se importou. Mas ainda era longe, porque era o clube de Fornos de Algodres e ir de Seia até lá eram uns 43 kms. Às vezes tinha de sair das aulas mais cedo para ir para os treinos. E começou assim. Fiz uma época de iniciados ali e depois vou para o Boavista.

    Antes de passarmos ao Boavista, como foi a adaptação dos seus pais, principalmente da sua mãe a Portugal?
    A minha mãe até hoje não fala português. Durante uns anos ela andou entre cá e lá. Neste momento está cá, porque os meus pais já têm uma certa idade. O meu pai tem 87 anos e a minha mãe 77. Ela não gosta muito de cá estar porque não gosta do frio, mas tenho que mantê-los aqui até porque questões de saúde.

    Ela tem algum problema de saúde?
    Quando eu tinha 11/12 anos, a minha mãe teve uma meningite. Veio do Congo para cá e esteve quatro meses em coma, em Coimbra. Não reconhecia ninguém. Mas depois conseguiu recuperar bem, ficou só com a marcha um bocadinho afetada. É uma mulher forte.

    Como é que surge então o Boavista?
    Nos nacionais de iniciados começo a ser convocado para a seleção distrital, da Guarda. Fomos a dois ou três torneios antes do torneio final, o torneio Lopes da Silva, em Lisboa. Aí aparecem os olheiros do Boavista que falaram comigo. Um processo idêntico ao do Fornos de Algodres. Falaram com os meus pais.

    Tinha quanto anos quando foi para o Boavista?
    14 anos.

    Foi viver para onde e com quem no Porto?
    Para o lar do Boavista, que acolhia os miúdos que não viviam tão perto. Encontrei-me com miúdos da Guiné, de Cabo Verde, de Vila Real, da zona da Lixa. Éramos uns 30. Mas o meu irmão António Silva tinha sido transferido para o Vilanovense e por isso estava com ele muitas vezes.

    No último ano de júnior é emprestado ao Freamunde.
    Sim, pediram o meu empréstimo. O Boavista perguntou se eu estava recetivo, disse que sim, porque no Boavista jogava com os juniores da minha idade e no Freamunde ia jogar na II Liga, com profissionais e portanto ia saltar uma etapa, ia evoluir.

    Sente que evoluiu?
    Sim, ajudou-me muito, não só em termos futebolísticos, mas em termos de vida. O clube estava a passar por uma situação complicada em termos financeiros, não pagava, atrasava três meses. E eu, que tinha 18 anos, vi pessoas com 35 anos, pais de família, a passar por dificuldades. Eu não passava porque era jogador do Boavista e pagavam-me.

    Quando e quanto ganhou no primeiro ordenado?
    Quando fui para o Boavista. Eram 100 euros, nos dias de hoje. Tinha 14/15 anos. E tínhamos alimentação, estadia. Foi bom.

    As coisas correm bem no Freamunde e volta ao Boavista. Quem era o treinador?
    O Jaime Pacheco. As coisas correm bem e sou convocado para os sub-20, para fazer o Torneio de Toulon. Ganhámos o Torneio, que Portugal já não ganhava há 10 ou 12 anos. Na final ganhámos à Colômbia, que tinha vencido as duas últimas edições. Disseram-me que o Boavista recebeu propostas por mim e antes de me vender ou emprestar quiseram saber quem era aquele menino - chamaram-me para fazer a pré-época com os seniores. A ideia era depois ser emprestado, porque normalmente é assim na primeira época como sénior. Mas eu era muito forte fisicamente, o mister Pacheco gostava de treinos físicos, e para mim foi fácil. Acabei por ficar no plantel.

    ©Getty Images

    Em 2003/04 vai para o FCP. Teve outros convites?
    Não. Faço dois anos de seniores no Boavista. Na primeira época joguei a Liga dos Campeões e na segunda fomos à Liga Europa, antiga Taça UEFA. Vamos até às meias-finais e no final da época recebo uma chamada do meu empresário, que na altura era o Rui Neno, a dizer que havia interesse do FCP.

    O treinador era o José Mourinho. Ele já tinha tentado ficar consigo não foi?
    Sim, quando eu estava nos sub-18. Tentou o meu empréstimo para o U. Leiria, mas o Boavista não deixou.

    É no FCP que vive os seus anos de ouro a nível de conquistas.
    Sim. Em cinco anos ganhei quatro campeonatos, o único que perdi foi pós-Mourinho. Tivemos três treinadores, foi uma época atribulada, porque o Mourinho sai e depois tivemos o Delneri que fez a pré-época connosco, mas não sei porquê não fica e vem o Victor Fernandez, que é despedido em janeiro, e então chega o mister José Couceiro. Foi uma época atípica em que perdemos 24 pontos, ou algo do género, em casa. Mesmo assim, perdemos o campeonato só por um ou dois pontos, para o Benfica do Trapattoni. Ganhei uma Taça de Portugal, a Liga dos Campeões, a Intercontinental duas ou três supertaças de Portugal. Foram 10 ou 11 títulos.

    Além daqueles que já mencionou que outros treinadores teve no FCP?
    O Co Adriaanse e o Jesualdo Ferreira, que foi o último, até eu ser transferido para o Chelsea.

    Porque foi para o Chelsea?
    Aí o meu empresário já era o Jorge Mendes. Apareceu a proposta e fui.

    Já tinha na ideia ir para fora, era isso que queria?
    Sim, porque tinha feito cinco épocas no FCP que correram muito bem e necessitava de outro tipo de desafio. Já tinha passado essa mensagem ao Jorge Mendes, já tinha falado com o diretor desportivo do FCP, o Antero. Eles pediram-me para ficar mais um ano. Fiquei. E no final do campeonato, fui. O Chelsea pagou bastante dinheiro na altura, em 2008, por um defesa direito, 21 milhões de euros!

    Foi sozinho para Inglaterra?
    O meu irmão António já tinha deixado o futebol. Estava a trabalhar em Inglaterra e veio viver comigo. Ele falava muito bem inglês, eu não, por isso foi bom, ajudou-me bastante. Esteve comigo os quatro anos no Chelsea.

    Nessa altura não tinha ainda mulher e filhos?
    Não. Já namorava com a Ana, mas como ela estava tirar o curso de fisioterapia, só ia lá de vez em quando visitar-me.

    Do que sentiu mais saudades quando chegou a Inglaterra?
    Aquilo de que senti falta em Inglaterra foi o espírito de grupo que havia no FCP. No Chelsea, o balneário servia para trocar de roupa; o centro de estágio é enorme e cada um ia fazer alguma coisa, massagem, etc e só nos encontrávamos à hora do treino. Não convivíamos muito, ao contrário do que acontecia no FCP, onde o grupo e o espírito de grupo era espectacular e por isso também ganhámos muitos títulos.

    Quando chega ao Chelsea era Scolari o treinador...
    Sim. Depois tive o Guus Hiddink, a seguir o Ancelotti, duas épocas, o André Villas Boas que é despedido e fica o Di Matteo. Foi quando ganhámos a Liga dos Campeões.

    Porque vai a seguir para o Queens Park Rangers (QPR)?
    Porque acabou o contrato com o Chelsea. Não houve renovação, fico jogador livre, tive algumas propostas, mas eu e o meu empresário tínhamos definidos alguns objetivos e ele tinha-me dito que estava tudo bem encaminhado para ir para o clube X e acabei por rejeitar algumas propostas de boas equipas na Europa. Só que o futebol é muito complicado e falhou.

    Que clube era esse?
    Não posso dizer. Era um grande clube fora da Inglaterra. As negociações abortaram, estávamos quase no fecho do mercado, e aparece o QPR. Eu não queria ir.

    Porquê?
    Nao era o clube que eu mais queria, porque eu estava habituado a certos objetivos em termos de carreira, mas ele pediu-me para ir falar com o presidente que era o dono do clube, o Tony Fernandes. Chegámos a Londres fomos à casa do Tony Fernandes. Falámos, disse-lhe que tinha ido lá, mas que não estava interessado, só que eles aliciaram-me como é normal, com um bom contrato. A verdade é que no futebol andamos todos à procura de títulos, mas também de garantir a nossa segurança financeira.

    Foi aí que ganhou mais dinheiro?
    Ganhei bom dinheiro, não me queixo da carreira que tive. Era campeão, tinha feito feito 43 jogos pelo Chelsea nessa época, tinha jogado a final da Liga dos Campeões, é normal que tenham de me aliciar com um bom contrato.

    Mas depois é o próprio o treinador que vem dizer que o Bosingwa ganhava demais...
    (risos) Eu vou para lá com um treinador que é despedido e depois é que vem o famoso Harry Redknapp. Ele é conhecido por gostar de levar 10/15 jogadores quando chega às equipas. Não sei que tipo de negócios ele faz ou não com os empresários amigos dele, mas arranjou ali um atrito comigo e foi dizer isso à imprensa. Fui confrontá-lo e na minha cara, negou. Mas passado um tempo voltou a dizer outra vez. Aí se vê o carácter da pessoa.

    O que lhe disse quando o confrontou?
    Perguntei-lhe porque foi dizer aquilo uma vez que cada um faz o contrato que quer, eu não obriguei ninguém, nem o clube, a dar-me aquele contrato.

    É por isso que fica lá só uma época?
    Sim, eu tinha três anos de contrato, joguei uma época e quis vir embora. Só que queria ser livre e, portanto, foi um processo ainda demorado. Eu já estava nos 30 anos, queria sair de Inglaterra.

    ©Getty / EuroFootball

    Escolhe a Turquia porquê?
    Eu não conhecia o Trabzonspor. Quem me fala no clube é o Malouda com quem eu tinha jogado no Chelsea. Ele tinha ido para lá e falou-me dessa possibilidade. O Raúl Meireles tinha jogado uma época na Turquia, no Fenerbahçe, e falei também com ele. Disse-me bem do campeonato e resolvi experimentar. E tenho de dizer que foi a melhor coisa que me aconteceu, depois do FCP e do Chelsea, claro.

    Porquê?
    Adorei aquilo. Foi uma surpresa agradável e muito positiva.

    Do que gostou mais?
    A cidade onde eu estava, Trabzon, era péssima, eu quase nunca saía de casa, mas eu também não sou muito de sair de casa.

    Também foi sozinho para a Turquia ou com algum irmão?
    Não, aí a minha mulher, a Ana, já foi comigo.

    Nessa altura ainda não tinham filhos.
    Não, ela engravida da Ana Beatriz, na Turquia. A minha filha tem agora três anos e sete meses.

    Mas estava dizer que adorou a Turquia. Porquê?
    O povo. É um povo muito amável, muito acolhedor, sabem receber as pessoas. Fui muito bem recebido. O futebol é muito competitivo. As pessoas não têm a noção porque não seguem o futebol turco, mas o futebol turco é muito mais competitivo do que o futebol português.

    É? Porquê?
    Porque há mais poder económico. As equipas pequenas conseguem contratar bons jogadores então tornam o campeonato mais competitivo. Agora, os clubes portugueses têm mais e melhor organização, isso têm, mas em termos de poder económico, de instalações, não há comparação possível com a Turquia.

    Porque veio embora então?
    Porque já lá estava há três anos. No final da minha segunda época tive uma lesão muito grave no joelho. Foram os ligamentos cruzados, cartilagens, uma fratura óssea, menisco, etc, que me faz perder o Europeu 2016, que acabámos por ganhar.

    Conte lá.
    Depois daquele ano difícil no QPR volto a ter a alegria de jogar, porque o Trabzonspor é um clube grande. Para ter uma ideia: nós íamos jogar fora e levávamos 15 a 20 mil adeptos. É uma loucura aquilo. Depois dos 30 anos, a minha melhor forma física é no Trabzonspor e volto a ser chamado à seleção com o mister Fernando Santos. Faço os jogos de apuramento e tudo indicava que fazia o europeu porque estava a jogar a titular. Mas tenho essa lesão e mexeu um bocadinho comigo.

    Como?
    Sou operado em Portugal, era uma lesão para demorar 14 meses a recuperar, eu recupero em oito meses, ainda fui fazer os últimos quatro meses no Trabzonspor. Ainda tinha mais um ano de opção, era eu que decidia se sim ou se não, mas eu disse que não. Já estava na altura para parar. E parei.

    Não esteve para ir para o Barcelona?
    Falou-se, porque o lateral do Barcelona teve uma lesão mas na verdade nunca ninguém falou comigo. Foi só conversa de jornais. Não houve contacto nenhum.

    Mas porque é que põe um ponto final na carreira assim, tão repentinamente.
    Porque já tinha tido várias lesões. Fui operado duas vezes ao joelho esquerdo, duas vezes aos ombros e sofri muito nessa última lesão. Sofri muito, estava na minha melhor fase depois dos 30 anos e ter uma lesão tão grave mexeu muito comigo.

    O que vai fazer agora?
    As pessoas falam comigo...noutro dia recebi uma proposta para ir comentar na televisão, essas coisas, mas neste momento estou numa fase de desfrutar aquilo que não desfrutei enquanto jogador, então prefiro não tomar uma decisão só por tomar ou por precisar de fazer alguma coisa.

    Já fez o curso de treinador?
    Não, já me disseram para fazer, mas ser treinador não é uma coisa que me fascina. Gosto do treino e de tudo o que envolve o treino, a metodologia de treino, mas estar no campo a treinar, envolver-me no treino... Era voltar a ter a mesma vida de jogador, as mesmas responsabilidades, cumprir os mesmos horários e não estou muito para aí virado. Foram muitos anos. 20 anos.

    Vê-se mais a fazer o quê?
    Scouting, se calhar gostaria.

    Voltando aos tempos da seleção...
    Eu acho que sou dos poucos jogadores que fiz todas as camadas jovens da seleção.

    Não fez o Euro 2004.
    Não, porque na altura eu estava no FCP, era o meu primeiro ano, e os laterais da seleção eram o Paulo Ferreira e o Miguel. Eu também não tinha ainda uma posição definida em campo, jogava a médio. Mas faço o Europeu 2008 e sou considerado o melhor defesa direito do torneio.

    Em que posição gostava mais de jogar?
    Eu fiz a minha formação toda como médio defensivo. Só começo a jogar como defesa direito com 22 anos. Com o mister Pacheco ainda fiz alguns jogos a defesa direito, com o Mourinho também, mas quem me colocou a defesa direito mesmo foi o mister José Couceiro. Ele teve uma frase muita curiosa comigo.

    Revele.
    Na altura o FCP tinha contrato o Seitaridis, que tinha sido considerado o melhor defesa direito do Euro 2004, só que as coisas para a equipa não estavam a correr bem, nem para o Seitaridis, e quando chega o Couceiro, no primeiro jogo que faço sob o comando dele, contra o Estoril, joguei no meio campo e faço um golo, mas depois lesiono-me para a Liga dos Campeões e fiquei parado duas semanas. Quando volto o mister Couceiro fala comigo e diz que vai apostar em mim como defesa direito. Não fez sentido nenhum.

    Porquê?
    Sempre joguei como médio e queria ser médio. E disse-lhe isso. Porque o FCP contrata-me para substituir o Costinha. Mas ele diz-me: “Zé se tu queres fazer uma carreira boa em Portugal, tudo bem jogas a meio campo. Se queres fazer uma carreira enorme em termos internacionais e ganhares dinheiro tem de ser a defesa direito”.

    Perguntou-lhe porquê?
    Não. Não sei. Ele via qualidades em mim e a verdade é que acertou porque fiz uma carreira enorme como defesa direito. Depois de me dizer aquilo acabei por aceitar porque na altura queria era jogar e ganhar estatuto.

    O Drogba fez-lhe um grande elogio, afirmou que o Bosingwa foi o cérebro por trás da conquista da Liga dos Campeões, no Chelsea.
    Sim, em Barcelona. Nós tinhamos ganho 1-0 em casa, estávamos a jogar em Camp Nou onde eles “matavam” toda a gente, o John Terry é expulso e o Di Matteo estava um bocadinho perdido. Quer meter o Obi Mikel, que estava jogar a médio mais defensivo, a central. O ataque do Barcelona era muito rápido, com o Messi, o Alexis Sanchez e eu falei e disse-lhe: “Não, o Obi Mikel não pode jogar a central, eu jogarei a central”. O Di Matteo começou a dizer “não, não”, mas eu impus-me: “Não, eu jogo a central, sou eu que vou jogar a central”. Jogámos eu e o Ivanovic a centrais. Fizemos os 70 minutos com menos um e acabámos por empatar o jogo 2-2 e passamos nós à final.

    Não esteve também no mundial 2010.
    Sim, porque faço uma cirurgia e fico um ano parado. Depois perco o euro 2012 porque tive um desentendimento com o Paulo Bento.

    O que aconteceu?
    Nem quero falar disso. Já se falou tanto. Para mim isso nem tinha que vir a público.

    O que veio a público foi que o Bosingwa supostamente simulou uma lesão porque não queria ser suplente.
    A verdade é que eu tinha vindo de uma lesão do joelho, de um ano. Um ano. Tiraram-me 30% do menisco, tinha partido a cartilagem. O Dr Jones, médico da seleção, sabia o processo todo da minha lesão, que foi antes do Mundial. O Carlos Queiroz falava com o Dr. Jones que falava com o médico do Chelsea para estarem sempre a par do processo e saber se havia possibilidade de ir ao mundial ou não. Eles sabiam tudo, eu não poderia simular uma lesão. Até porque depois desse jogo com a Argentina, eu fiquei três semanas sem jogar pelo Chelsea. Eu tinha relatórios médicos, tinha feito viagens à Antuérpia, onde fui operado. Sou operado a primeira vez em Inglaterra, mas correu mal, e a segunda cirurgia faço na Antuérpia, na Bélgica. Quando houve essa situação doía-me muito o joelho, voltei para o Chelsea, falei com o médico do Chelsea, fomos a Antuérpia ver o médico que me operou e fiquei três semanas sem jogar pelo Chelsea. Não fazia sentido nenhum eu ter simulado uma lesão na seleção, quando o próprio médico da seleção faz um relatório em como estava inapto para o jogo.

    O que aconteceu em concreto com o Paulo Bento?
    Eu nunca tive uma discussão com ele ou um desacordo. Cheguei da seleção depois de um jogo com o Liverpool, doía-me muito o joelho e falei com o médico. Eu tenho de falar com o médico sobre as dores, não tenho que falar com o treinador. O mister nunca falou comigo sobre esse assunto. Depois da cirurgia, eu fazia um jogo no Chelsea e parava três ou quatro dias, ficava sem fazer nada porque o joelho inchava, doía-me muito. Mas daquela vez joguei contra o Liverpool, fui para a seleção e não tive tempo de descanso portanto era normal que me doesse muito. Passei informação ao médico. No dia do jogo o médico chamou-me e perguntou-me o que eu achava. Eu disse-lhe que ainda me doía. Ele viu o joelho e disse que como era um jogo amigável ia falar com mister Paulo Bento para dizer que não valia a pena arriscar. Não sei o que é que eles falaram um com o outro, só sei que depois desse jogo deixei de ser convocado. Não sou pessoa de ir para a imprensa exigir ou chorar porque não jogo. Esse assunto só veio a público porque o Paulo Bento o puxou, se não o tivesse feito, eu nunca ia tocar nele.

    ©FPF/Francisco Paraíso

    Mas ficou revoltado e com pena de ter sido afastado da seleção...
    São opções dele, eu só tinha de respeitar, como respeitei até ao momento em que ele fala de mim. Quando ele fala de mim eu tenho de me defender. Cada treinador tem as suas ideias, tem à disposição 20 jogadores e tem de tomar a decisão de colocar 11 a jogar. Gostando ou não, tenho de respeitar.

    Nestes anos todos qual foi o treinador que mais o marcou?
    Todos eles me marcaram à sua maneira. O Pacheco se calhar porque foi o treinador que me lançou na I Liga, foi o primeiro que acreditou em mim; o Mourinho porque me levou para o FCP, que era o clube dos meus sonhos onde ganhei mais títulos; o Scolari é um pai, uma pessoa super querida, adoro-o; o Couceiro porque foi a pessoa que deu o click de me fazer defesa direito.

    Houve alguma coisa especial que algum lhe tenha dito e que ainda hoje se lembre?
    O Pacheco uma vez, não me disse a mim, mas disse numa conferência de imprensa que eu tinha qualidades que tanto podia jogar no Real Madrid como numa equipa da distrital. Isso marcou-me. O Jesualdo foi um treinador muito importante para mim, se calhar foi com ele que mais evolui como jogador.

    Porquê?
    Porque ele é um professor, é uma pessoa paciente e no futebol profissional exige-se resultados, não há paciência para ensinar. São jogadores já feitos, entras em campo tens de render, essa é a realidade; senão, sais e entra outro. O Jesualdo tinha paciência para todos nós, para ensinar cada um de nós. Foi o treinador com quem mais aprendi, é um professor.

    E amizades para a vida, fez muitas?
    Sou um jogador muito fechado nesse aspecto. Saio de um clube e desligo-me de tudo.

    Então quem são os seus amigos mais chegados no futebol?
    Tirando os que cresceram comigo, com quem joguei nas camadas jovens, do lar do Boavista, no futebol profissional amigo, amigo...o Raúl Meireles, porque jogámos na formação do Boavista e jogámos futebol profissional. Falo também com o Vítor Baía e com o Deco...

    Foi o Raúl Meireles que o incentivou a tatuar-se?
    (risos), Não, não, se não tinha de tatuar o corpo todo (risos).

    Tem muitas tatuagens?
    Não. Tenho uma na perna, mas era miúdo quando a fiz, tinha 15 anos. É uma espécie de puma (risos). E tenho outra no braço que é sobre a minha família.

    Onde investiu o dinheiro que ganhou?
    Uma boa parte em imobiliário. Sou uma pessoa de pés muito na terra, gosto muito de ter o controlo da situação, por isso não me vou meter em negócios.

    Está cá há tantos anos e nunca perdeu o sotaque...
    É por causa do francês (risos).

    Fala com a sua família em francês?
    Não com eles falo sempre em Lingala, o nosso dialeto. Com o meu pai falo em português, mas com a minha mãe e irmãos falo em Lingala. E mudo facilmente de uma língua para outra. Posso estar à mesa a falar português com o meu pai e quando me viro para a minha mãe começo logo a falar em Lingala.

    Os seus pais vivem também no Porto?
    Em Matosinhos. Almoço sempre com eles.

    Tem algum hóbi?
    Gosto de colecionar vinhos. Tenho uma boa garrafeira com mais de 1000 garrafas.

    Mas é também apreciador ou só colecionador?
    Gosto de beber um bom vinho.

    Quem lhe incutiu isso?
    Foi na altura do FCP, com a equipa. No meu primeiro ano no Porto, aquela geração gostava muito de fazer almoços de equipa e experimentávamos vários vinhos, tinhamos o Costinha que gosta dessas coisas. Eu cheguei à equipa com 20 anos, via aquilo tudo, achava muita piada e comecei aos poucos a interessar-me e a fazer coleção.

    Fez algum curso?
    De vez em quando, no Wine O'Clock do Pedro Emanuel, quando ele fazia umas provas eu ia lá para perceber só um bocadinho mais, mas não sou nenhum expert. Sei distinguir um bom vinho, mas é só isso.

    ©Catarina Morais

    Já voltou ao Congo?
    Voltei, passados 20 anos. Voltei em 2011.

    Porquê?
    Porque queria dar uma alegria a minha mãe. O voo fez escala em Kinshasa, eu tenho mais ligação com Mbandaka onde nasci, mas fui muito bem recebido em Kinshasa, por milhares de pessoas. A minha mãe já lá estava e eu fui com todos os meus irmãos ter com ela.

    Foram festejar alguma coisa?
    Não, foi para dar essa alegria de voltar à terra onde nascemos, com ela.

    Ela ainda passa o tempo entre o Congo e Portugal?
    Sim. Embora agora esteja mais tempo cá por causa da idade e porque o meu pai quis vir para cá. Apesar de ter trabalhado toda a vida lá, ele é português, a terra dele é aqui. Mas ela se pudesse estava lá sempre.

    Os seus irmãos estão cá?
    Não, neste momento em Portugal só estou eu. Tenho dois na Bélgica, dois em Inglaterra e três no Congo. Têm as suas vidas, mas falamos bastante.

    Teve um acidente de carro em 2005 que levou à amputação de um dos pés de Sandro Luís, jogador de futebol. Deixou-lhe marcas?
    Claro que são coisas que não se esquecem. Tinhamos ido jantar entre amigos. Estávamos a voltar, chovia imenso, apanhei um lençol de água e perdi o controlo do jipe, com medo travei e fiz pior. Eu parti a cabeça, mas o pior foi mesmo o Sandro.

    Para não acabarmos a entrevista de uma forma triste pode contar uma história divertida dos tempos de jogador?
    Lembro-me que quando cheguei ao FCP, fomos fazer a pré-época para a Alemanha. Quando chegámos e entrámos no autocarro, passado um bocado o Jorge Costa que ia lá atrás com os outros mais velhos, chama os mais novos, eu o Pedro Mendes e o Ricardo Fernandes, e diz-nos que temos de ir pedir folga ao Mourinho, porque estávamos cansados da viagem. E lá fomos à parte de frente do autocarro ter com o Mourinho. Claro que olhou para nós e mandou-nos embora (risos). Era uma forma de nos praxar.

    Portugal
    José Bosingwa
    NomeJosé Bosingwa da Silva
    Nascimento/Idade1982-08-24(41 anos)
    Nacionalidade
    Portugal
    Portugal
    Dupla Nacionalidade
    Rep.Dem. do Congo
    Rep.Dem. do Congo
    PosiçãoDefesa (Defesa Direito)

    Fotografias(16)

    Equipamento secundário de Portugal 2015-2016

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