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    Entrevista de dezembro de 2019

    (1dez2019) | «Vivi numa casa em que a sala e a cozinha eram túneis de ratazanas. Não tínhamos o que comer, vestir ou calçar»

    2020/04/24 18:39
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    Entrevista da autoria da jornalista Alexandra Simões de Abreu da Tribuna Expresso, originalmente publicada a 1 de dezembro de 2019 e que pode ser vista na publicação original aqui e aqui

    Na longa entrevista que Nani deu a Tribuna, o jogador fala da vida atual nos EUA, da família, do bairro 'Sucupira' onde cresceu, do início da carreira no Real Massamá; conta como andou a treinar no Benfica e no Sporting ao mesmo tempo antes de se decidir pelo clube de Alvalade e descreve como foi chegar ao Manchester United, viver com Cristiano Ronaldo e aprender com Sir Alex Ferguson. Pelo meio relembra histórias divertidas, outras mais dramáticas - e fala de tentações. 

    Está a viver nos EUA desde fevereiro. Está a gostar? É o que esperava?
    Sim. Os EUA sempre foi um país que gostei de visitar, sempre achei interessante e esta nova aventura é boa porque trouxe-me novas sensações, motivou-me muito, deu-me mais alegria, por tudo aquilo que aconteceu na minha chegada. Pela recepção no clube, pelos novos objetivos.

    Mas é uma realidade muito diferente da que estava habituado.
    É muito diferente porque estás longe de casa, longe dos teus amigos, longe de tudo. Estás do outro lado do mundo e, quando te sentes assim, é diferente. Mas passados alguns meses essa sensação já não está presente. Já me adaptei a cem por cento, estou feliz.

    Já se adaptou também ao futebol?
    Já. No início foi complicado, porque em Orlando há muito calor e uma humidade enorme. Ao início é difícil para um jogador que está habituado a jogar na Europa poder mostrar todo o seu talento e qualidade. Mas agora já me sinto em casa, já me sinto bem com o clima e é mais fácil.

    O seu dia-a-dia é muito diferente do que viveu até agora?
    O dia-a-dia em Portugal nunca é igual ao de qualquer outro país porque aqui tenho tudo. Tenho os amigos, foi onde cresci, conheço Lisboa melhor que ninguém e há sempre qualquer coisa para fazer. Motivação para sair, para ir tomar café, estar com amigos, irmãos ou primos, há sempre pessoas para estar e para fazer alguma coisa. Lá fora a minha rotina sempre foi mais treino-casa, casa-treino, um dia ou outro posso fazer algo diferente mas a minha rotina basicamente é essa.

    Houve algum jogador ou alguém com quem já tenha criado laços de amizade, alguém com quem saia e vá jantar?
    Sim, já tinha jogado como o Oriol Rosell aqui no Sporting, em 2014/15, e quando lá cheguei e o encontrei foi bom para mim. Devido à nossa boa relação anterior foi mais fácil termos esse convívio de sair e irmos jantar. Ele deu-me a conhecer um pouco o clube e a cultura de Orlando. Mas os meus colegas receberam-me bem e mostraram sempre muito respeito, não houve complicações nesse aspecto com ninguém.

    A sua mulher e o seu filho também se adaptaram bem?
    Adaptaram-se muito bem, especialmente o meu filho. Orlando é um sítio de sonho para qualquer criança e ele já tem a noção do que é a Disney, do Mickey Mouse e do que são os parques de diversão. Eu não, porque não tenho tempo, mas a minha mulher e o meu filho passam a maior parte do tempo a fazer visitas a esses parques, a divertirem-se e a levar familiares. Achei que devia proporcionar esses momentos a alguns familiares e com certeza no futuro irão outros para conhecer a Disney. Acho que é um sítio que fica marcado na vida de qualquer criança e mesmo de qualquer adulto. Então levei alguns e é ela que vai faz esse papel, que os leva quando eu estou a treinar ou a jogar. Ficaram todos muito encantados e felizes.

    Nasceu em Lisboa, foi criado na Amadora, mas as suas raízes são cabo verdianas. Apresente-nos a família.
    O meu pai está em Cabo Verde. Numa viagem que ele fez de Portugal a Cabo Verde acabou por não poder regressar por causa de documentos e ficou por lá. Também já lá tinha filhos e continuou a fazer a sua vida por lá.

    Tinha quantos anos quando ele lá ficou?
    Cinco, seis anos.

    E a sua mãe?
    A minha mãe veio muito nova de Cabo Verde para Portugal, trabalhou muito em restaurantes, fez de tudo para que pudesse sobreviver e adaptar-se à vida aqui na Europa. Depois, teve muitos filhos também, teve de trabalhar para os sustentar e criar.

    No total tem quantos irmãos da parte de pai e de mãe?
    No total somos 16.

    ©Orlando City

    O Nani é o mais novo?
    Da parte da minha mãe, sou. Somos oito e são estes os irmãos com quem cresci e passei toda a minha infância. Praticamente crescemos todos cá em Portugal, tirando um ou outro que no meio da sua juventude foram para a Holanda. Da parte do meu pai só tenho uma irmã que nasceu e cresceu em Portugal e que vive cá. Só a conheci quando tinha 15 ou 16 anos. Fui ter com ela. E quando tinha 18 anos fui ter com o meu pai que estava em Cabo Verde.

    Foi a primeira vez que o viu desde os cinco anos?
    Sim, fui ter com ele a São Vicente graças a um senhor muito relacionado com o Sporting, o senhor Agostinho Abade, que proporcionou as viagens. Teve oportunidade de ir fazer algo a Cabo Verde, soube da história e proporcionou esse momento.

    Calculo que tenha sido emocionante, ver o seu pai ao fim de 13 anos.
    Sim, mas já estava calejado.

    Era o homem que estava à espera de encontrar?
    Era igual. Não lhe pedi nenhuma explicação, não falámos de nada, apenas vivemos o momento como se nada se passasse.

    Cresceu no Bairro da Santa Filomena, na Amadora...
    ...Não é exatamente no bairro de Santa Filomena, é um pouco mais ao lado mas que também faz parte porque nos conhecemos todos, crescemos todos juntos. Tínhamos um ringue, um campo de futebol onde todos íamos jogar, tantos os do bairro da Santa Filomena, como os do meu bairro a que chamávamos de Sucupira.

    Viveu sempre com a sua mãe?
    Vivi sempre com ela até aos meus 13, 14 anos. Depois, devido a algumas situações da vida, ela teve de mudar de casa; mudámos de casa algumas vezes e nessas vezes que mudávamos de casa eu gostava sempre de ficar no meu bairro e a única maneira de conseguir isso era ficar na casa da minha tia. E comecei a ficar aos poucos, fui ficando, fui ficando até que, quando ela muda para Vila Franca, isso era muito longe e eu disse: não, fico na casa da minha tia. Fiquei lá um ano.

    O futebol começa no tal ringue.
    Sim.

    Tinha alguém na família ligado ao futebol?
    Tinha o meu irmão Paulo Roberto que era mais velho do que eu cinco anos. Foi ele que, naquela altura, fez o papel de pai, quando o meu pai estava em Cabo Verde. Ele ensinava-me tudo, menos as coisas más que ele não me deixava acompanhar nem presenciar. Se ele tivesse que fazer algo que não fosse bom, e se me visse lá perto, era motivo de cascar (risos) e isso não me esqueço. Era uma coisa muito boa que ele tinha e gostava de me ver jogar bem. Nós jogávamos em qualquer lado. Para nós, o campo era onde nós quiséssemos. Era só arranjar duas pedras para fazer as balizas e jogava-se.

    Quando era pequenino torcia por algum clube?
    Quando era pequenino o meu pai dizia que eu falava “quica”, o meu pai era do Benfica. Mas não me lembro disso. O meu irmão era do FCP e uma vez o Porto ganhou o campeonato, estavam a festejar e como eu andava sempre atrás dele, naquele dia ele disse: 'Estás a ver?! O Porto é o melhor, esquece lá os outros clubes, anda mas é para o Porto. O Porto é campeão, o Porto ganha'. E eu via aquela gente toda a ir para cima e para baixo e a dizer 'o Porto é campeão, Benfica no caixão', ainda aguentei, mas como eu queria estar na festa, meti-me lá no meio deles a dizer também 'O Porto é campeão...' (risos). E pronto por uns dias fui do Porto. Até que depois, passados uns tempos, tive a oportunidade de ir jogar para o Sporting, para as camadas jovens. A partir daí percebi que o meu amor e carinho ia ser pelo clube que me recebeu e que me ia dar oportunidade de desenvolver as minhas capacidades para um dia ser quem eu sou.

    Gostava da escola ou nem por isso?
    A escola… gostava, mas não gostava assim tanto (risos). Houve alturas em que me desliguei da escola porque o que eu queria era jogar à bola. Queria fazer desporto. Tudo o que fosse desporto eu queria fazer, não queria era perder tempo com muita escola. Mas as minhas professoras diziam que eu era muito habilidoso, que tinha muitas capacidades e muita facilidade em aprender. Se eu quisesse, aprendia rápido, mas tinha que ir às aulas (risos). Lembro-me que, quando tinha 12, 13 anos lá me convenceram e no terceiro período fui a todas as aulas a tempo e horas, porque a professora dizia: 'Se vieres todos os dias, vou ver o que é que faço para te dar a positiva'.

    Quando deixa em definitivo a escola?
    No 8.º ano. Quando passei para o 8.º ano fui para o Sporting à experiência e não quis saber mais da escola. Quando fui fazer a experiência, tinha um companheiro, o Álvaro que a gente chamava de Tuga, que se calhar até era melhor do que eu, mas que estudava e gostava muito, estava no 9.º ou no 10.º ano e não faltava à escola para ir para os treinos. Dizia: 'ah não tenho dinheiro, não vou faltar às aulas amanhã'.

    Mas antes do Sporting ainda há o Real Massamá. Como é que lá vai parar?
    Um dia estava na rua a brincar e passou um grupo de amigos, todos de mochila às costas e eu perguntei-lhes: 'Onde é que vão?'; 'Vamos treinar, vamos fazer captações ali a um clube em Queluz'; 'Ah, que fixe!'; 'Não queres vir? Bora'; 'Não sei, tenho de perguntar à minha mãe'; 'Então 'bora, passamos por tua casa, perguntas e vamos'. Descemos a rua, perguntámos à minha mãe, que quase não me queria deixar ir, mas lá fui: vesti uma t-shirt e uns calções e fui com eles. Quando chego lá, treino uns cinco, dez minutos e o treinador leva-me lá para baixo e diz-me: 'assina aqui' (risos).

    Nem sabia o que estava a assinar...
    ...Eu percebi que queriam que ficasse mas não sabia o que é que estava a assinar. Comecei a treinar com eles, mas não tinha a documentação. Eles depois ajudaram-me a tratar dos documentos e continuei no Real.

    Aos treinos não faltava.
    Aos treinos, não.

    Algum dos seus irmãos ia consigo?
    Esse meu irmão mais velho acompanhou-me em muitos jogos, ele fazia o papel de pai. Ali só iam os pais levar os filhos e ver os jogos. Houve um momento interessante, muito bonito que se passou num jogo contra o Benfica, em que quem ganhasse passava à fase final. Éramos escolinhas ainda, eu tinha uns nove anos. O Benfica era sempre muito forte, nós tínhamos bons jogadores na nossa equipa, mas nunca conseguíamos ganhar. Naquele dia estávamos muito confiantes em como íamos ganhar, mas começámos a perder por 1-0. No desenrolar do jogo, conseguimos dar a volta ao resultado, marcámos dois golos. Eles lá fora todos a puxar e vibrar por nós e nós a defender, a levar bolas na trave, no poste, e de repente o árbitro acaba o jogo e eram os pais todos a correr para os filhos e os filhos a correr para os pais e eu a correr para o meu irmão e ele para mim. Saltámos para o colo a gritar e a celebrar e ficou-me marcado, porque naquela altura, ele era como se fosse o meu pai.

    E quem é o Mustafá?
    O Mustafá é um senhor que sempre gostou muito de desporto. O ringue do bairro ficava à frente da sua casa e ele estava sempre na janela a apreciar os mais jovens. Como gostava muito de futebol, decidiu fazer uma equipa dos miúdos lá do bairro e começou a organizar jogos com outros bairros, da Buraca, da Damaia, do 6 de Maio, nós íamos jogar contra eles. Ele cuidava de nós, dava-me equipamentos, foi uma pessoa muito carinhosa e atenciosa comigo. Ele olhava para mim de uma maneira diferente da que olhava para os outros porque ele sabia que eu chegaria mais longe. Sempre tinha palavras e conversas que ninguém tinha, era como se fosse um sábio.

    Tem alguma história com ele?
    Uma vez fomos jogar ao Bairro Seis de Maio, num jogo que nem sei como é que conseguimos jogar porque, quando entrámos no bairro e passámos pelos becos, a polícia estava a fazer uma rusga e estavam com pistolas. Nós olhámos para aquilo e ficámos cheios de medo, já nem queríamos jogar à bola. Mas lá passámos pelos becos e quando chegámos ao campo estava um monte de pessoal, toda a gente dos bairros tinha rodeado o campo, com conversas agressivas, como é costume nos bairros. Sentimo-nos intimidados, mas o Mustafá sempre muito tranquilo 'Bora, vamos lá jogar'. Eles à volta do campo continuavam: 'Têm que lhes dar, têm que lhes partir as pernas' e nós cheios de medo. Começámos o jogo já a perder. Primeira parte, 9-0, e eu comecei a discutir com o meu melhor amigo que era o Sabino: 'Tu não passas a bola'; 'Tu é que não passas', até que vem o Mustafá e diz: 'descansem um bocadinho, calma, calma. Nós vamos ganhar esse jogo' (risos). Concentrámo-nos, entrámos para o campo e começámos a dar show. Fomos sem medo, metemos dois lá atrás a defender e mal passavam a bola, nós era cuecas, cabritos e golos, na linguagem do bairro. Começámos a virar o resultado e as pessoas lá fora começaram a ficar a nosso favor, começaram a gritar: 'Eh, espetáculo, 'bora miúdos' e começámos a marcar golos atrás de golos, a bola vinha a meio campo, golo.

    Acabou como?
    Ganhamos 16-12 e vieram as miúdas de cima das casas, dos becos, vinham com garrafões para nos dar água e lembro-me de uma miúda ter vindo ter comigo, com um papelinho e dizer: 'Podes assinar?'. Eu olho para ela e fico assim 'Assinar!? Vou assinar o quê?' E vira-se o Mustafá: 'Assina, assina. Escreve como tu quiseres'. E, depois, virou-se para a miúda e disse: 'Leva, leva que esse autógrafo daqui a uns anos vai valer milhões'. Isso ficou-me marcado nesse dia, fiquei a pensar. Assinei Luís (risos). Nada a ver com o que assino agora que é Nani.

    A alcunha Nani vem de onde?
    Da minha irmã Elizabete. Era ela que tomava conta de mim quando a minha mãe ia trabalhar e eu era bebé. Era ela quem me dava a papa, só que ela também gostava e dizia 'papa ti, papa mim, papa mim, papa ti' e com esses miminhos fica sempre um nome. Ela diz que foi por aí e depois no bairro pega-se rápido. Foi assim.

    Dos tempos do bairro, o que era pior?
    O mau era quando se viam ambulâncias e que coisas de errado tinham acontecido. Só que eu era muito pequeno e tentava sempre afastar-me. Eu tinha muito medo e quando via que havia algo de errado, não chegava perto. Não tinha a curiosidade de ir lá ver o que é que se tinha passado. Era só ver que havia ali; uma coisinha e eu já ia para o outro lado. E felizmente estive sempre no lado oposto.

    Nunca o tentaram com nada?
    Sim, sim. Mesmo alguns amigos que andavam no mau caminho. Primeiro com cigarros, passámos por uma fase que eram os cigarros. Fizemos uma barraquinha e eu, quando estava com eles tinha de acompanhar, e então começámos com o teste de fumar. Depois, eu não gostava de fumar, porque nem sabia, nem conseguia travar. Provei uma vez e 'não, não, isso não é para mim, nem consigo com o fumo'. Depois, começaram a passar para outro tipo de fumos, eu presenciava, mas não me afetava e eles nunca tentaram porque eles sempre me olharam como o desportista. Isso é uma das coisas que mais me deixa satisfeito em relação aos meus amigos, porque nós naquela altura não tínhamos noção de nada, éramos muito jovens, mas eles sempre olharam para mim como: 'Ele está connosco, mas não faz o que nós fazemos'. Agora ir mexer nas coisas dos outros e (risos) roubar bicicletas, nas lojas apanhar alguma coisa e levar, isso também fiz. Fiz com os meus amigos, porque é impossível tu viveres num bairro e não fazeres essas coisas. Mas nunca nada de mais. Tenho uma história com um amigo…

    Conte.
    Não sei como, mas ele descobriu um carro que estava aberto e nós já sabíamos como é que se ligavam os carros sem chave. Esse meu amigo tinha ido para a casa da tia e viu lá um carro. Não sei quem lhe disse que era só chegar lá com a micha que ele ligava. Ele ligou e trouxe o carro para a Amadora. E ligou-me. E eu: 'Então pá, ando a ligar-te há tanto tempo, andas desaparecido';'Ah estava na casa da minha madrinha. Olha, eles ofereceram-me um carro'; 'Ofereceram-te um carro como?'; 'Ofereceram, mas não digas nada à minha mãe porque ela não sabe que me deram dinheiro, estava a juntar e depois tive de comprar, mas ela ainda não sabe, vou-lhe dizer hoje'; 'Onde é que tens o carro?'; 'Está lá em baixo'; 'Porque é que não meteste à tua porta?'; 'Não, ela não pode saber ainda'; 'Então vem lá mostrar o carro'. E lá fui. Quando chegámos, olhei e disse: 'Bom carro'. Ele abre a porta e eu: 'Não precisas de meter a chave, nem nada?'; A'h, não, mas isso é tranquilo'. Entrámos e então vi ele a fazer a ligação com a micha. 'Não, estás a brincar!'. Só que já estava dentro do carro (risos). Começámos a andar, demos uma voltas e depois eu disse: 'Não quero mais andar neste carro. Vamos embora'. Naquele momento vimos um carro de polícia atrás com a sirene ligada. Era por outra coisa, só que nós ficámos assustados, pensámos que era para nós (risos). Desde aí nunca mais (risos).

    ©Vítor Parente

    Entretanto vai para o Sporting, mas há o Benfica pelo meio não há?
    A história foi assim. Estávamos quase no final da época no meu clube, tinha feito uma excelente época, faltava um jogo e no início da semana decido ir ao Benfica, porque tinha estado a conversar com um amigo que me tinha dito para tentar ir para outro clube, porque no ano seguinte passava a júnior e depois era mais difícil alguém vir-me buscar. Fiquei com aquilo na cabeça e decidi ir ao Benfica pedir para treinar com eles. Fiz uns treinos e o treinador disse-me: 'O máximo que a gente pode fazer é ires para o teu clube, jogas o jogo que falta, vou mandar um olheiro, eles vão-te avaliar e depois é mais fácil'. Voltei para o meu clube, mas não tinha treinado a semana toda e o mister diz-me: 'Não vais jogar este fim de semana'; 'Eh mister...'. E os meus colegas: 'Andaste de férias a semana toda agora vens aqui e vais jogar?'. Como já tínhamos ganho a Liga, ele ia pôr a jogar os jogadores que tinham sido menos utilizados.

    O que fez?
    Pensei: 'Não, não pode ser assim, vem cá um olheiro para me ver, tenho de jogar'. Fui falar com o mister: 'Mister, por favor, você não disse que um dia gostava de ser treinador do Real Madrid? Eu também tenho os meus sonhos, também quero ser um jogador desse nível. Deixe-me jogar só um bocadinho que vem cá um olheiro para me ver'. E ele: 'Não sei, vai depender do comportamento. Treina que eu já vou ver isso, treina, treina que a gente depois fala'. Como ele não podia fazer isso por mim e deixar o Álvaro de fora, disse: 'O Nani e o Álvaro Tuga têm 45 minutos porque vem cá um olheiro para os ver. Têm 45 minutos, aproveitem-nos. Se não aproveitarem o problema é vosso'. Vou para o jogo e como estava com aquilo na cabeça, de que estava lá o olheiro, estava todo nervoso, a jogar mal e a falhar tudo. De repente, o mister já devia estar farto de me ver a jogar mal e resolve tirar-me. Vi que ele tinha chamado um jogador para aquecer para entrar no meu lugar. Quando vejo aquilo, o meu colega já pronto para entrar, ganho a bola no meio campo, finto todos os jogadores, finto o guarda-redes, meto-o no chão e empurro a bola para dentro. Toda a gente a aplaudir, e eu a pensar, o olheiro está lá fora, viu isto de certeza.

    E estava?
    Quando chego lá fora, todo contente, os meus colegas vêm ter comigo: 'Eh grande lance, ele deve ter visto. Já estás no Benfica'. Fomos almoçar e o treinador: 'Não esteve lá nenhum olheiro a ver. Não esteve ninguém do Benfica, fui conferir as pessoas todas na bancada'. Nem queria acreditar, fiquei bem triste. Acabou a época e recebo uma carta do Sporting para eu e o Tuga irmos lá treinar. Fiquei feliz da vida, só que entretanto voltei a ir ao Benfica. Então treinava às terças no Benfica e às quartas e quintas no Sporting.

    Os clubes sabiam?
    Não sei, com certeza, as pessoas conhecem-se. Fiquei a treinar algum tempo assim e depois de ter acabado a época, o treinador do Sporting, o João Couto, que já me conhecia, dava aulas na minha escola, veio ter comigo e disse: 'Nani, infelizmente não vai dar para ficares, o plantel já está cheio. Há os miúdos da tua idade que vão subir para os juniores e há os juniores de 2.º ano que já estão lá. Temos muitos jogadores e não vai dar para ficares. O máximo que podemos fazer por ti é vires fazer a pré-época connosco e depois voltas para a tua equipa, mais forte, fazes uma excelente época e depois logo se vê'. Eu não quis ser mal educado, não quis estar a contradizer o que o mister estava a dizer e disse: 'Sim mister, pode ser, obrigado'. E fui-me embora.

    E o Benfica?
    Ainda tinha o Benfica, mas acabou a época, disseram que me iam contactar, mas não disseram nada. Até que um dia eu estava na rua, com uns amigos, e recebo a chamada do Sporting para saber se eu podia estar lá no dia tal às dez e meia. Disse: 'OK, vou estar lá'. Passado um dia recebo uma chamada do Benfica a dizer 'no dia tal', que era o mesmo do Sporting 'às dez e meia' e eu disse 'OK' (risos).

    Disse sim aos dois para o mesmo dia?
    Sim. Fiquei a pensar e a falar com o meu amigo Sabino que estava no Sporting e que me disse para eu ir para o Benfica porque no Sporting eles não me tinham dito nada. Só que eu queria estar com um amigo, queria estar no Sporting porque tinha gostado dos treinos lá, das condições e então fui para o Sporting. Fiz a pré-época com eles, fomos fazer um torneio a Gaia que me correu muito bem, saltei duas vezes do banco para ajudar a equipa. Ganhámos o torneio e eu marquei o penálti decisivo. Já estava entrosado com os meus colegas da equipa e eles já estavam habituados a mim, diziam: 'Eh, tu já ficaste'; 'Não, ainda não assinei nada, eles ainda não me disseram nada'; 'Mas vais assinar, estás a brincar,? Tens de ficar. A gente vai falar com eles'. Fiquei todo contente, alguns eram jogadores que eu já apreciava e que tinham muita qualidade. Passado um mês de ter estado a treinar com eles, tinha feito uma evolução enorme, estávamos a passar para o campo e o treinador abraça-me e diz: 'Sabia que tu ias ficar. Já estamos a falar com o Real Massamá, estamos só a tratar de uns pormenores. Podes ficar tranquilo'.

    Tinha que idade?
    16 anos. Ia ser júnior, só que eu faço anos em dezembro e a época já tinha começado.

    Viveu na Academia, em Alcochete?
    Não cheguei a viver lá, continuava a viver na Amadora, mas uma vez ou outra cheguei a ficar lá com um colega de quarto, cheguei a fazer algumas refeições, porque depois eles tiveram a sensibilidade de ver que as minhas condições não eram as melhores, que tinha algumas dificuldades na alimentação que era importante, mas fazia sempre aquele trajecto de autocarro.

    É no Sporting que começa a ganhar dinheiro com o futebol.
    Exatamente.

    Ainda recorda o valor do primeiro ordenado?
    Antes de ter ido para o Sporting, o Real queria assinar contrato e acho que ainda cheguei a receber um salário no Real Massamá. Julgo que foi 120 euros.

    Lembra-se do que fez a esse dinheiro?
    Devo ter comido umas gomas e uns chocolates (risos).

    Ordenado mais a sério foi no Sporting.
    Sim, eram uns 150 euros. Muitas das vezes partilhava com a minha tia, como estava a viver na casa dela, mas comprava uns ténis ou gastava no dia-a-dia com guloseimas. Eu era um miúdo muito de doces, de bolos. Eu não ligava muito a dinheiro, nunca liguei muito. Nunca tive. Se tivesse muito na mão não sabia o que fazer. Por isso, muitas das vezes dava à minha tia. Mas é lógico, passados uns anos começas a ter mais a noção das necessidades, do que é que tem que se comprar, do que é que tem que se ter e comecei a dar melhor uso ao dinheiro.

    A estreia na equipa sénior do Sporting, lembra-se?
    A minha estreia num jogo oficial foi, se não me engano, aos 45 minutos num jogo com a Académica. O treinador era o Peseiro.

    Estava muito nervoso, tremiam-lhe as pernas?
    Talvez estivesse um pouco ansioso de entrar em campo, não foi mau mas aquela ansiedade de querer fazer e mostrar estava lá porque foi tudo muito rápido.

    A transição de júnior para sénior foi fácil?
    Fui uma vez ou outra fazer uns treinos com os seniores. Fizemos jogos amigáveis, juniores contra seniores, mas nunca joguei pelos seniores sendo júnior. Fui direto para os seniores depois de ter feito dois anos de júnior. Quando fui treinar aos seniores na pré-época, já era sénior.

    Notou muita diferença? Os treinos e o balneário eram muito diferentes dos juniores?
    Sim, havia uma diferença enorme porque havia jogadores muito experientes. Sá Pinto, Liedson, Polga, Carlos Martins, Caneira, Ricardo, o guarda-redes...

    Fizeram-lhe alguma partida?
    Não me lembro. Havia muita brincadeira. Eu brincava muito com todos e eles gostavam de me pôr à prova. Eu tinha uma maneira de ser muito brincalhona, mas era muito jovem e fervia muito rápido, em pouca água, como se costuma dizer, e eles gostavam disso. Gostavam de me ver nervoso, de me picar e me baralhar a cabeça, mas eu depois percebi.

    Respondia-lhes? Ia à luta de igual para igual?
    Não respondia. Ficava chateado, às vezes não percebia as brincadeiras. Mas nunca deixava de estar ao pé deles, estava sempre lá. Podiam fazer-me uma brincadeira que não gostava, mas no minuto seguinte estava ali ao lado. Era isso que eles gostavam em mim, dava-me bem com toda a gente.

    ©FPF/Francisco Paraíso

    Nesta altura já se tinha cruzado com o Ronaldo. Houve logo empatia entre os dois?
    Naquela idade é mais um que está ali, até realmente conheceres e veres as habilidades. Naquele tempo, o Cristiano já era um jogador diferenciado no meio de todo o grupo. Apesar da maioria dos jogadores serem mais velhos, toda a gente tinha a noção de quem ele era ali no meio, por tudo o que fazia no campo. Só que eu não conhecia, já tinha ouvido falar. Quando cheguei tinha o meu amigo Sabino que conhecia o Cristiano, que já tinha estado na casa dele. Lembro-me de fazer um exercício com ele e de ele me dizer: 'Olha, isto não é para ganhar, isto é para fazer rápido'. Foi uma das coisas que me ficou marcada. Depois, esse meu amigo pediu-me para fazer o salto mortal para mostrar ao Cristiano e aos outros colegas, eu cheio de vergonha a não querer fazer, eles insistiram até que tive de fazer. E dali começou a haver uma pequena relação. Brincávamos no autocarro, fazíamos música e pedíamos uns aos outros para mostrar o que sabiam fazer. No dia em que o treinador teve de decidir se eu ficava ou não, fui ao balneário do treinador e ficaram todos à espera que eu voltasse com uma resposta. Foi quando o treinador me disse: 'Desculpa, não vai dar para ficares porque tenho o plantel cheio e porque também ainda não estás ao nível destes jogadores, com um físico diferente, uma corrida diferente'. Fui para o balneário e o Cristiano veio ter comigo: 'Então, como é que foi?'; 'O mister disse que não dá, que está cheio'; 'Epá, tem aqui gajos que não jogam nada, tu deves ser dos cinco melhores na equipa. Como é que é possível?!' (risos). Começou a mandar vir com os que estavam lá dentro, a mandar algumas bocas para alguns e isso marcou-me. Mais para a frente vim a encontrar-me com ele e viemos a jogar muitos anos juntos. Quando tu olhas para trás e vês que não é por acaso que já houve um encontro, que temos histórias para trás, é bonito.

    Entretanto ganha a Taça de Portugal pelo Sporting, já com Paulo Bento a treinador. Muito diferente do Peseiro?
    Sim, era diferente porque o Paulo Bento já tinha sido meu treinador nos juniores. Nos seniores fiquei seis meses com o Peseiro, a meio da época o Peseiro saiu e entrou o Paulo Bento. No segundo ano foi uma grande época, estivemos perto de ganhar o campeonato, fomos à final da Taça e conseguimos ganhar a Taça e foi aí que apareceu o interesse de todos os clubes.

    Tinha empresário nessa altura?
    Nessa altura tinha, trabalhava com o Jorge Mendes, mas antes já tinha tido.

    Quem?
    A primeira pessoa que me abordou foi o pai do Miguel Veloso. O senhor Veloso. Na altura ele veio ter comigo, falou também com a minha mãe e eu disse OK. É a primeira pessoa que me quer representar e ajudar a chegar aonde eu queria. Achei que ele era o empresário, mas afinal não era ele. Ele trabalhava com uma empresária, a Ana Almeida. Comecei a trabalhar com eles. Mas chegou uma altura em que não gostei do comportamento, só que como era muito amigo do Miguel Veloso… Até que quis sair porque muitas coisas não correram como era de esperar, como era prometido. Não só para mim, éramos muitos companheiros representados por ela e tínhamos todos as mesmas queixas.

    Que tipo de queixas?
    Comprometia-se com algo ou precisava de algo com urgência e ela :'Já te ligo'. E não ligava. E fazia isso com outros. Depois eram promessas de chuteiras, disto e daquilo e nós naquela altura precisávamos mesmo. Eu dei-lhes a minha palavra e quando me apareceu a oportunidade do Jorge eu disse-lhe: 'Jorge, não, estou a trabalhar com essas pessoas e dei a minha palavra'. Só que depois as coisas começaram a não correr bem e quando surgiu a oportunidade, quando as pessoas não cumprem, aí sim, fui ter com as pessoas e fizemos tudo a bem, sem nenhuma guerra.

    Na segunda época de sénior, em 2006/2007, ainda vivia com a sua tia?
    Não, assim que tive condições aluguei um apartamento e comecei a viver lá.

    Sozinho?
    Com um irmão, mas como não tínhamos todas as condições, vínhamos para a casa da minha tia outra vez, porque era lá perto. Era como se não tivéssemos saído ainda da casa dela. Foi no meu primeiro ano nos seniores.

    Já tinha carta de condução? Tinha carro?
    Não, ainda não. Depois do primeiro ano de sénior é que passei a ter outro salário e o Sporting arranjou uma casa mais perto, mas, como não tinha carro, quem me levava aos treinos era a Ana Almeida. Tinha de estar à espera dela e depois tinha de pagar as multas porque ela chegava atrasada. Chegava ao treino atrasado e tinha de levar com os meus colegas: 'Miúdo, vais pagar. Estás armado em estrela agora?'. Mal eles sabiam que eu tinha estado à espera dela. Ia no carro com a empresária e olhava para o lado para nem falar com ela de tanta azia que tinha (risos). Depois tratei da carta de condução e comprei um carro.

    Qual foi o seu primeiro carro?
    Foi um Mercedes C320

    Não teve nenhum acidente com um carro tão potente logo nas mãos?
    Um cheirinho (risos). Não me espetei com ele, mas no primeiro dia, tomei o gosto, comecei a andar um bocadinho mais rápido, perto de casa tinha uma curva e eu armado em Schumacher, o carro deslizou e eu bati no passeio (risos), mas nem olhei, não aconteceu nada, siga (risos).

    Como surge o Manchester United?
    Foi o Jorge Mendes. Havia muitos ruídos de clubes, do Chelsea, do Bayern, da Juventus, do Real Madrid e ele um dia chegou e perguntou-me qual era o clube para onde eu queria ir. E eu disse-lhe: 'Quero ir para um clube top. O que for melhor para mim é aquele que eu quero'; 'Acho que se fores para o Manchester United era o melhor que fazias'; 'Se é isso que tu achas, está bom'; 'É, porque tens outros portugueses que te podem ajudar. Tens o Carlos Queiroz, o Cristiano... O treinador quer apostar em ti'; 'OK, não falamos mais nisso'. Foi assim.

    Era um sonho que tinha, jogar no estrangeiro ou em algum campeonato em particular?
    Sim. Lembro-me de ver aquele jogo do Manchester com o Bayern de Munique, em que eles ganharam a final, eu estava com um amigo meu na rua, parámos num café para ver esse jogo e numa conversa de brincadeira, disse-lhe: 'Um dia vou jogar nessa equipa aí, no Manchester'. E quando era júnior estive em Manchester. Fomos fazer uma pré-época em Inglaterra, visitámos o museu do Manchester e passámos pelo balneário dos jogadores. Quando estávamos lá dentro, começamos a ver onde é que eles se sentavam e nós: 'Eish, espectáculo, um dia ainda me vou sentar aqui'. Nem passados dois anos e eu estava lá. Foi fantástico. Quem diria, nós a falar na brincadeira e aconteceu.

    Inicialmente era para viver num hotel em Manchester, mas acabou na casa do Cristiano.
    Sim, foi tudo muito rápido, como o Cristiano vivia sozinho surgiu a ideia de ficar lá e fazermos companhia uns aos outros, eu, o Cristiano e o Anderson que foi ao mesmo tempo do que eu. Ficámos juntos, fazíamos companhia uns aos outros e ajudámo-nos.

    Devia haver também muita coboiada. Três miúdos na flor da idade…
    …(risos). Sim, éramos divertidos. Éramos aventureiros e gostávamos de competir. Fazíamos muita competição na casa dele. Era ténis, ping-pong, piscina, mesmo no treino às vezes inventávamos um jogo com a bola para ver quem ganhava. Até nas conversas às vezes tínhamos competição.

    Normalmente quem ganhava?
    Aquilo era um dia eu e o Anderson contra o Ronaldo, no outro dia era o Ronaldo e o Anderson contra mim, noutro eu e o Ronaldo contra o Anderson, havia sempre um dia em que deixávamos alguém chateado (risos). Algum tinha de ficar na azia porque tinha de se concordar sempre com algum e essa é que era a nossa diversão. Mesmo nas viagens, quando íamos de avião, os nossos colegas às vezes mandavam-nos calar, já não nos podiam ouvir. Nós era dia e noite, não parávamos, estávamos sempre na picardia, sempre a falar alto e sempre em português (risos). Era um espectáculo.

    ©Getty /

    Como foi o primeiro impacto com o Sir Alex Ferguson?
    Foi espectacular, ele sabe como lidar com o jogador, seja ele mais velho ou mais novo, ele sabe como gerir a carreira profissional e o ser humano.

    Mas consta que era muito exigente.
    Exigente com a disciplina. Por exemplo se tu fores uma pessoa ciente das coisas corretas que tens de fazer, ele não te vai exigir tanto, só vai exigir dentro de campo. Agora se fora de campo tiveres um comportamento que não é adequado a um desportista, se não é exemplar, ele vai com certeza chamar-te ao seu gabinete e vai-te punir, vai-te dizer certas coisas.

    Alguma vez lhe aconteceu?
    Relacionado com a minha vida pessoal não, mas por exemplo, se tivesse a recuperar de uma lesão eu era muito exigente, tinha as minhas ideias de como é que tinha de ser e de com quem é que tinha de me tratar, então podia haver ali um conflito com outras pessoas e ele depois tinha de me chamar e dizer é assim, não é assado, tu não podes reagir assim. Ou então, no rendimento desportivo, podia uma vez ou outra chamar-me para dizer que tinha de dar mais, tinha de me focar no trabalho e esperar pela minha oportunidade. Isso foi mais no início, a partir do momento em que chegas a uma certa maturidade ele já nem comunica contigo sobre esses pontos, só toma decisões. Mas com ele posso dizer que ganhei uma experiência e uma maturidade únicas, porque foram fases da minha vida muito importantes. Eu precisava de crescer muito rápido, de aprender e lidar com aquela cultura e com a cultura do clube. Para mim foi muito bom ter o Sir Alex Ferguson. E o Carlos Queiroz que também foi exemplar nesse aspecto, falava a língua, foi fundamental para mim.

    As saídas à noite começam quando?
    Lembro-me de nos tempos em que vivia na Amadora ter saído com um amigo meu para uma matiné. Devia ter uns 16 anos. Foi a primeira vez que fui a uma discoteca para dançar. Era à tarde, ficava ao pé das Amoreiras, já não me lembro do nome.

    Nunca foi homem de noitadas?
    Não vou mentir. Gosto. Agora que evito, evito. Porque para se poder render ao mais alto nível, tens de deixar as noitadas de lado e saber o momento certo para desfrutar de uma boa noite. Basicamente é isso que faço.

    Levou alguma dura por causa de uma noitada ou por chegar tarde ao treino por isso?
    Não. Noitadas fazia no momento certo, amanhã é folga, OK, hoje posso esticar a corda. Ou em dias especiais, Natal, Ano Novo, aí sim. Aí ninguém liga em Inglaterra. No Ano Novo, até bêbados podemos chegar ao treino em Inglaterra que o treinador nem liga. Esse é aquele lado que ele sabe lidar com os jogadores e ter a percepção para dizer este dia é especial não posso exigir... Nós andamos aqui um ano inteiro a jogar sem parar, e se me aparece aqui um dia bêbado o Wes Brown, o que é que eu vou fazer? (risos). Era uma alegria, aquilo até era um momento de descontração, era um treino até diferente, de palhaçada.

    É em Inglaterra que de alguma forma o 'chip' da sua cabeça muda, no sentido de perceber a necessidade de trabalhar mais a parte física do corpo?
    Foi ainda no Sporting que desenvolvi uma capacidade física muito boa, porque eu era muito magrinho, muito lingrinhas no Real Massamá e quando cheguei ao Sporting, os métodos de treino, os preparadores físicos, o Carlos Bruno que era o treinador do ginásio, foram espectaculares. Eu bati recordes passados dois, três meses, já era dos jogadores mais fortes da equipa, devido à minha rápida evolução. Quando cheguei eles gozavam comigo. Fui fazer a barra com 20kgs e o braço esquerdo nem levantava eles começaram todos a rir, mesmo o Carlos Bruno dizia: 'Então, o Real Massamá não te dava comida?'. Enquanto os meus colegas carregavam 65kgs eu nem 20kgs levantava.

    Quando Ronaldo sai do Manchester sentiu que cresceu porque deixou de estar na sombra dele?
    Não. Nunca senti estar na sombra do Ronaldo, do Giggs ou do Rooney. E não havia sombras naquela altura. Nós tínhamos uma equipa fantástica. Muitas das vezes joguei com o Ronaldo a titular. A nossa equipa tinha dois ou três estilos de jogo e quando era para defrontar certas equipas era o Nani e Ronaldo, quando eram outras era o Ronaldo com o Rooney. Eu tive a sorte de, quando cheguei a Manchester, no meu primeiro ou segundo ano, fazer muitos jogos, fui dos jogadores mais utilizados na Champions League. Por isso não tenho razão de queixa. Agora, quando o Cristiano sai do Manchester criou-se uma ilusão. Sai Ronaldo, o Nani era um jogador que tinha um estilo muito semelhante a Ronaldo, havia muitas comparações, e queriam um substituto que fosse o n.º1, a cara do clube. E tinham-me a mim. Só que pegaram errado, não deviam ter dito o próximo Ronaldo, deviam ter dito temos o Nani. Menos bom ou melhor, com diferentes qualidades. Por acaso até me correu bem, nos dois primeiros anos após a saída do Ronaldo. Fiz épocas excelentes. Depois tive a infelicidade de ter tido algumas lesões e o rendimento caiu, veio a cobrança. Já não foram correspondidas as expectativas, que era talvez ter os mesmos números de Ronaldo, tantos golos. Quando eu era um jogador diferente, nunca fui de tantos golos, mais assistências.

    O próprio Ferguson foi um dos que disse que o Cristiano foi um problema para si por causa das comparações. Por isso pergunto se quando ele sai, e apesar de ser muito amigo dele, não foi um alívio para si.
    As pessoas fizeram confusão. Quando eu jogava com o Cristiano na equipa eu era um miúdo e eu não olhava para o ser melhor. Nós éramos mesmo amigos. Eu olhava assim. Não fazia tipo: 'No próximo fim de semana vou fazer mais golos do que ele, tenho de jogar melhor que ele'. Não. Eu apostava com ele: 'Hoje vais marcar dois', estava eu no banco. E havia prémio. Dizia: 'Vais marca dois. Se marcares dois como é que é?'. E ele: 'Então vá, se marcar dois ofereço-te isto'. Fazíamos coisas assim. Nós vivíamos juntos. Muitas das coisas eram criadas fora, não dentro. Muita da ilusão, que é isto e aquilo, foi criado fora. E se calhar às vezes mesmo na relação um do outro cria uma fricção ou aquele mal estar em certos momentos por coisas que se ouvem fora, por coisas que foram ditas por outras pessoas que nem sei quem são. Hoje, olhando para trás, vejo-me feliz no Manchester a fazer grandes golos, grandes jogadas. Eu não tive esse pensamento de competição ou de sombras, ou de ser o próximo, ou disto ou aquilo. Eu fui eu. Sempre fui eu, até hoje. Só que talvez outras pessoas quisessem que eu fosse o Cristiano Ronaldo, quando isso não pode acontecer, cada um tem de ser o seu nome, o seu estilo, por mais semelhanças que possam ter.

    Isso é o Nani a falar hoje. Mas na altura essas comparações deitavam-no abaixo?
    Irritava-me um bocadinho certas pessoas. O modo como falavam. Era vira o disco e toca o mesmo. Qual a razão? Nós somos crianças até um certo ponto, mas começamos a perceber as coisas passado um tempo e havia certas pessoas que faziam como se fosse para irritar. Mas não me afeta nada no meu dia a dia. Sempre fui distraído com o futebol. Eu chegava ao treino, não me lembrava de mais nada. Essa foi a minha vantagem até hoje.

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    Quando é chamado a primeira vez à seleção?
    A primeira vez foi no jogo com a Dinamarca, com Scolari. Antes estive nos sub-20 e sub-21.

    É um orgulho diferente representar a seleção?
    Com certeza. Tu nasces e cresces no teu país a jogar o desporto que move o mundo e o teu país, o teu país é representado por este desporto, é a paixão de Portugal, é um país que entende muito o futebol, é uma cultura o futebol….E quando chego a um certo ponto da minha carreira em que vejo que todos os portugueses gostavam da maneira como jogava e do meu comportamento no campo, quando chega a altura de representar Portugal, que já não é um clube, é o país inteiro, queres jogar por eles, retribuir. Torna-se uma paixão. Torna-se sentimental. Cada vez que íamos jogar fora era uma loucura, porque os portugueses que vivem lá fora têm saudades do país e as palavras que ouvimos não são as mesmas que ouves em Portugal, porque têm muitas saudades e é uma oportunidade única de chegar perto de Portugal. Quando chegavam junto de nós era como se estivessem em Portugal. Os abraços, autógrafos e choros eram comoventes. Falo por mim, cada vez que representei Portugal era uma oportunidade única de jogar pela minha família, pelos meus amigos e por todas aquelas pessoas que nos admiram e que não têm oportunidade de estar em Portugal ou mesmo aquelas que estão em Portugal e sonharam sempre que o país chegasse a um patamar que todo o mundo pudesse reconhecer.

    Como se dá o empréstimo ao Sporting? Era algo que desejava porque já não se sentia bem em Manchester?
    O Sporting foi a seguir ao Mundial de 2014, no Brasil, em que regresso a Manchester e há uma troca de treinador. Era o Louis van Gaal. No ano anterior já tínhamos trocado também, era o Moyes. Quando saiu o Ferguson, eu também queria sair, achava que era o momento certo, porque tinham acontecido coisas que não me tinham deixado contente.

    Por exemplo?
    Uma final da Champions que eu achava que devia ter jogado a titular, num ano em que estive destacado o ano inteiro, melhor jogador da equipa, tinha feito uma excelente época e quando chegou o momento decisivo, que era jogar a final da Champions, não pude jogar, não optou por mim, deixou-me no banco. Isso marcou-me muito, achava que devia experimentar um outro clube ter uma outra oportunidade, noutro campeonato talvez. Fixei isso na cabeça. Só que não era assim tão fácil, o Manchester não ia deixar-me ir para qualquer lado assim tão fácil. Infelizmente, tive uma lesão, embora já depois de ter assinado pelo Manchester porque sabia que não tinha hipótese de ir para outro clube qualquer. Apareceram-me mil e uma propostas, mas o clube achou que, renovando o meu contrato e dando-me um bom contrato, estava tudo resolvido. Eu disse: 'OK, já ganhei tudo neste clube, estou em casa, fica mais fácil, se vão reconhecer o meu valor, se vão respeitar-me e dar-me mais oportunidade, OK'. Fiquei joguei um jogo e o treinador, o Moyes, andou a elogiar-me: 'Ah se não fosse o Nani, sem o Nani isto não anda', etc, etc e passado dois, três jogos só me metia no banco. E quando era titular, tirava-me.

    Percebeu por que isso acontecia?
    Porque tinha preferência por outros. Metia miúdos que tinham começado a jogar. Não tinha lógica, mesmo os meus colegas diziam que não tinha cabimento. Do 100 passei para 0? Dás um contrato de cinco milhões e depois não usas o jogador, o que é que se passa? Atenção, quando falei cinco milhões é um modo de falar, não cheguei a esses valores. Passado um tempo, pensei, se me fizeram isso tenho mesmo de sair. Comecei a forçar, a forçar e o que aconteceu? Fiquei stressado e fiz uma grande lesão na perna que custou-me um bom tempo a recuperar. Quando recuperei ia para a Juventus, estava tudo acordado, a Juventus queria-me. O diretor disse que sim, o treinador disse que sim. E no último minuto, no último segundo, quando fecha o mercado, eles disseram: 'Não, já não queremos, não vamos deixar o Nani sair'.

    O que aconteceu depois?
    Perguntei porquê se estava tudo acertado e tinham aceitado. 'Não, vais ficar aqui, não estás para vender'. Chateei-me, discutimos. Depois pensei, já que fiquei aqui vamos fazer ao contrário. Falei com o diretor e disse-lhe: 'Fico aqui este ano, vou dar o meu melhor, mostraram que eu sou uma peça valiosa para vocês, muito obrigado. Fico chateado pelo modo como foi feito, deixaram ir até ao último segundo, mas aprecio a vossa atitude em querer manter-me porque isso significa que sou importante para o clube'. No ano a seguir é que houve uma brecha com o van Gaal, um treinador muito, como dizem, ditador, e numa conversa com ele, tranquila, disse que não tinha tempo nem idade para provas e testes e que estava a precisar de um novo ar, que já tinha acumulado muito stress. Foi exatamente o que aconteceu, houve uma oportunidade de negócio e vim para o Sporting.

    O van Gaal não colocou nenhum entrave ou era também vontade dele que saísse?
    Ele disse-me que contava comigo, que sabia das minhas qualidades, sabia que era uma mais-valia. Mas expliquei-lhe a minha situação. Recuperei e depois de alguns treinos ele começou a ver eu a meter a minha qualidade no treino e chamou-me: 'De certeza que queres mesmo ir? Vê lá, porque precisamos de ti'. Eu disse: 'Não, já está tomada a decisão, nós já tínhamos falado, não é?'. 'Sim, sim, era só para ver se tinhas mesmo a certeza'. E vim para o Sporting.

    ©Catarina Morais

    Parte II

    Como foi regressar ao Sporting passado tantos anos? Estava tudo na mesma, ou estava tudo diferente?
    É lógico que passados tantos anos encontrei alguma diferença. Mas eu foco-me sempre nas coisas positivas e foquei-me na época que fiz, fiz muitos golos.

    Gostou do Marco Silva enquanto treinador?
    Gostei. Cinco estrelas. Como treinador e como pessoa. É um treinador que ainda era muito jovem, estava a começar. A verdade é que todas as conversas que tivemos e se pensava no que ia acontecer, tudo aconteceu. Fico feliz por ele porque disse-lhe coisas que foram mesmo acontecer.

    Que coisas?
    Disse-lhe que ele era um treinador espetacular, que via muito potencial nele e que ele tinha de ir para Inglaterra que era ali que ia funcionar, porque um treinador como ele só ia ser respeitado e valorizado num campeonato como o inglês. Disse-lhe que ia desenvolver as suas capacidades e ganhar mais experiência ali. E que, quando chegasse, ia-me dar razão, ia perceber tudo aquilo que eu tentei transmitir quando cheguei ao Sporting. A diferença de mentalidade. Como é que se trabalha, a intensidade de trabalho, a mentalidade dos jogadores, a atitude dos jogadores, a agressividade dos jogadores. Foi muita coisa, muita coisa mesmo. Acredito que quando chegou a Inglaterra ele pôde presenciar o que lhe disse - e que está a desfrutar.

    Também notou essa diferença? Quando veio do Manchester para o Sporting de certa forma baixou o nível?
    Eu não digo baixar o nível. É diferente. É lógico que são clubes e culturas diferentes. São métodos de trabalho diferentes. Isso foi uma das coisas que se calhar fez confusão a certos jogadores, a certas pessoas. Quando vens de um clube como o Manchester e se queres tentar transmitir algo diferente, algo para a evoluir, para ajudar, podem interpretar-me de um modo... 'Pois, vieste de um nível diferente'. Eu digo, não é um nível diferente, é simplesmente diferentes mentalidades, diferentes métodos de trabalho que fazem a diferença quando estás a competir, como clube, como jogador, como pessoa.

    Está a reconhecer que há uma diferença de nível.
    Pois, mas quando se diz essa palavra, pensam logo: «Está-se a achar, acha-se que é melhor, que é mais do que os outros'. Mas, na realidade não é isso porque, no final, quando caímos na realidade e aceitamos, todos evoluímos. Mais tarde viemos todos confirmar que todos evoluímos.

    Como foi parar à Turquia a seguir?
    Devido a essa boa época no Sporting, houve interesse dos turcos que fizeram uma boa proposta, irrecusável. Eu achava que era uma oportunidade de experimentar também uma outra liga, um outro país. Foi interessante e gostei.

    O Sporting não tinha capacidade para ficar consigo ou não quis?
    O Sporting quis, na altura o Bruno de Carvalho antes de eu sair perguntou-me: 'Vê lá, tens a certeza que queres sair? Eu posso falar com o Manchester para ficares mais um ano'. Ele queria muito que eu ficasse. Mas disse-lhe que me tinha aparecido aquela oportunidade, era algo que eu queria fazer, agradeci-lhe muito e foi assim.

    Foi só pela proposta que lhe fizeram ou também porque percebeu que o Sporting não estava no seu melhor?
    Não, fui mesmo pela oportunidade. Sou uma pessoa que gosto de avaliar os projetos e os momentos e aquele era o momento, era o timing de saltar para um outro clube, uma outra aventura.

    O Bruno de Carvalho foi um bom presidente do Sporting?
    Na altura, quando estive lá, não tenho razão de queixa, foi cinco estrelas comigo, sempre se comportou bem comigo, sempre me respeitou muito e admirei o respeito que demonstrou por mim enquanto jogador. Isso é de louvar, o respeito entre as pessoas, pelo profissionalismo. Ele sabia que, ao contratar-me, eu era uma mais valia para o clube, que vinha para ajudar. Por isso só posso falar bem dele.

    ©Getty / Ian MacNicol

    Turquia. Era o que estava à espera?
    Quando cheguei lá fiquei surpreendido. Aquela multidão, aquela receção foi fantástica. Aquele povo todo ali no aeroporto... assustei-me um bocado porque eles são loucos no modo como celebram e como recebem os jogadores. Para entrar dentro do carro foi uma guerra e depois de estar lá dentro, eram pessoas em cima do carro, a bater, pensei que iam amolgar o carro todo, que ia ficar ali esmagado (risos). Mas foi bonito. Depois de sair dali, consegues perceber que foi um momento histórico. Tanto como no Sporting. A minha receção aqui no Sporting foi brutal. Acho que não houve um jogador que tivesse tido uma receção daquelas pelos adeptos do Sporting. Uma multidão no aeroporto, cânticos bonitos, que transmitem aquela energia positiva e confiança de que as coisas iam correr bem no clube - e que podíamos ganhar algum titulo. E na Turquia foi a mesma coisa.

    A adaptação foi fácil?
    A adaptação à cidade foi fantástica, era um bom clima, era uma cidade bonita. Os turcos se gostam de ti dizem 'king' e tratam-te como um rei. Os teus pais vão e não precisas de estar presente, só por saberem que são teus pais já não pagam nada. Eles têm um comportamento muito fora do normal que mexe com as pessoas.

    E desportivamente?
    É como em Portugal. Jogas no Estádio da Luz, Benfica-Sporting, e é dos melhores jogos do mundo, estádio cheio, as duas claques cantam, gritam, puxam pela equipa. Quando vais jogar a um clube com menos condições, já não é tão entusiasmante, mas não deixa de haver paixão. Na Turquia são assim. Os turcos se calhar são mais vibrantes nos jogos, mais impulsivos na maneira como falam e gritam, mas ficou marcado o Estádio do Fenerbahçe, aquilo cheio, nós a jogar em casa, não há coisa melhor, é incrível mesmo. Quem não está acostumado assusta-se. Tenho muito boas lembrança da Turquia

    Não ficou lá porquê?
    Foi uma outra oportunidade. Fiz uma excelente época na Turquia, fiz muitos jogos, deu seguimento para o Campeonato da Europa 2016. Faço o Europeu, correu-me muito bem, abriu o apetite de outros clubes, apareceram muitas propostas. E eu entusiasmei-me e quando apareceu a liga espanhola, o Valencia, achei que era uma boa opção ir experimentar a liga espanhola. Já tinha jogado em Portugal, Inglaterra, Turquia… A liga espanhola era a segunda liga mais forte do mundo, era interessante ir para lá.

    Encontrou o que estava à espera?
    Não foi exatamente o que estava à espera porque o clube vinha de uma situação complicada de há alguns anos, trocas de treinadores, estava um bocadinho instável, saída e entrada de jogadores novos, estava a tentar encontrar-se outra vez e eu naquele ano devido também se calhar a um acumular de muitos jogos, tinha muita fadiga nas minhas pernas, então ia tendo sempre pequenas lesões. Tive muitas lesões neste ano, nada muito grave, mas sempre no momento crucial parava uma semana ou duas. Não foi uma época estável por causa disso e juntamente com o clube e os problemas que a equipa tinha, estivemos muito mal na liga, não correu bem.

    O empréstimo à Lazio. Quem o propõe?
    O empréstimo à Lazio foi porque eu cansei-me de todo aquele ambiente, de ter tido muitas lesões naquele clube e achava que, como era ano de Mundial e apareceu essa proposta da Lazio, pensei: 'OK, vou sair deste ambiente um bocado e apanhar um ar novo'.

    Mas que ambiente era esse de que não gostava em Espanha?
    Não era em Espanha, era no clube naquele momento. O clube não estava a passar por um momento bom.

    Dos espanhóis em geral, gostou?
    Não tenho razão de queixa, acho que me trataram sempre muito bem. Aplaudiram-me muito, porque apesar de ter muitas lesões, era o jogador que tinha as melhores estatísticas, mais assistências, mais golos, cada vez que jogava era o melhor em campo, então os adeptos estavam contentes comigo e sabiam que havia outras coisas por trás, que era a instabilidade da equipa e do clube, que estava a tentar livrar-se alguns jogadores; mudaram de treinador umas quantas vezes e isso também não ajudou. A Lazio apareceu no início da época e achei que era uma oportunidade de ir experimentar outra liga, mais uma aventura. Não tinha nada a perder, era um ano de campeonato do mundo e fui para ver se jogava. Infelizmente, quando estava na minha melhor forma a fazer golos, as opções do treinador eram outras e tive essa dificuldade.

    ©Manuel Queimadelos Alonso / Getty Images

    Foi parar outra vez ao Sporting, numa altura conturbada. Como?
    Surgiu por amizades. Porque não era para vir para o Sporting, tinha outras propostas.

    De onde?
    De clubes que pagam muito dinheiro, clubes dos Emirados e da China, esses clubes. Mas eu já tinha tido antes e nunca tinha escolhido ir para esses locais pelo dinheiro. A mim sempre me moveu a paixão. É lógico que as condições contam muito, o contrato que a gente faz com um clube conta muito, temos de olhar para o futuro. Mas temos de olhar para aquilo também que foi a nossa vida e eu sempre joguei futebol pela paixão. O dom que tenho foi-me dado para fazer isso, então olho para o futebol em 1.º lugar, e depois olho para as questões financeiras porque, graças a Deus, tantos anos de futebol deram-me uma estabilidade para eu poder escolher assim. E foi isso.

    Veio por amizade a quem?
    Na altura até o FCP veio falar comigo. Falou-me o treinador, Sérgio Conceição, perguntou-me como era. Disse-lhe que gostava muito, o FCP é um grande clube, mas que já estava a falar com o Sporting e que provavelmente a minha decisão seria ir para o Sporting porque seria mais fácil para mim. É um clube pelo qual tenho muito carinho e era um clube que precisava de mim no momento. Precisava de jogadores com nome, com alguma experiência para que pudessem dar estabilidade ao clube novamente. Era uma fase complicada em que sabíamos que dificilmente havia jogadores a querer vir para o Sporting.

    Está arrependido?
    Eu não. Não, porque eu vim, fiz o meu trabalho e depois fui. Aquilo que queria fazer eu fiz e as coisas aconteceram perfeitas. Porque assim que assinei e vim para o Sporting, praticamente tudo estabilizou. Voltaram os jogadores que não queriam ficar mais e que tinham rescindido, acreditaram que era possível o Sporting fazer uma boa equipa, acreditaram que era possível, se calhar, ganhar o título.

    Mas nada disso aconteceu.
    Não, conseguimos ganhar dois títulos.

    Não foi o título mais ambicionado, o do campeonato. E foi um ano conturbado?
    Como assim conturbado? Isso já é normal no Sporting. Conturbado foi o que aconteceu antes, no ano anterior, que houve confusão e invasão. Desde que eu estive no Sporting não houve nenhum problema. A única coisa que aconteceu no Sporting quando eu estive lá foi só a vinda de outro presidente, o Varandas, e mudaram um treinador. De resto, nada mais. E chegou a altura em que saio do Sporting.

    É verdade que teve um desentendimento com Bruno Fernandes?
    Não. Eu ouvi essa história. Estava nos EUA e vi uma notícia 'Nani saiu do Sporting por ciúmes do Bruno Fernandes', ou assim, e comecei a rir-me.

    Nunca se deu mal com Bruno Fernandes?
    Nunca. Acho que se calhar era mais fácil perguntar, não a mim, mas a eles jogadores que estão lá. Se tivesse havido um problema com certeza alguém dizia. Os jogadores falam a verdade. Foi engraçado, porque eu e o Bruno falamos, damos força um ao outro, tenho aqui as mensagens. 'Espectáculo. Parabéns pela época que estás a fazer em Orlando. Estás a rebentar'. Isso no seguimento da minha saída. Havia jogos importantes no Benfica e tudo teve continuação, falei com alguns jogadores, Jovane, Bruno Fernandes, Fredy Montero, Diaby, aqueles com quem tinha mais contacto. Bas Dost, também cheguei a falar com ele. Não tive problemas com nenhum e sai como um exemplo, isso é que me deixa mais feliz. Porque tenho uma personalidade diferente dentro de campo. Quando entro dentro do clube sou diferente, não sou a pessoa que sou cá fora. Eu não brinco. Não me rio tanto quando se trata de coisas sérias. E se eu vejo que as coisas não estão a ir bem eu mudo a minha cara, sou muito sério, muito direto, sou rígido às vezes e há pessoas que não estão preparadas para receber uma mensagem forte. Mas fora, sou totalmente diferente, até pareço uma criança. Por isso é que às vezes não me levam tão a sério.

    ©Carlos Alberto Costa

    Não é verdade que disse ao Bruno Fernandes que 'pela qualidade que tem, tinha de chutar melhor do que estava a chutar em alguns jogos'?
    Isso já estão a pegar numa entrevista que eu dei. Mas ora veja lá isto: uma vez cheguei ao pé do Bruno Fernandes e estava a dar-lhe moral porque era um jogador que não estava a passar pelo seu melhor no Sporting. Sabíamos que ele tinha sido o melhor jogador no ano anterior e sabíamos que no seu melhor era uma mais valia para a equipa. E um dia cheguei ao pé dele- íamos jogar para a Taça com o Loures - sentei-me ao lado dele e disse: 'Mano, estou a perceber que estás um pouco stressado, as coisas não estão a correr bem. Vi hoje no treino, a bola está a escorregar. Mano, às vezes nós estamos focados em certas coisas e naquilo em que a gente deve realmente focar-se, não estamos. Depois, quando vamos bater na bola e tentamos fazer aquilo que queremos dentro de campo, não conseguimos. Então, se fosse a ti, pela experiência que tenho, já passei pelo que estás a passar, experimenta isto: quando estás dentro do campo e vais passar a bola focar-te só na bola. Quando vais chutar a bola, bate só na bola, tu nem precisas tentar fazer a técnica, porque tu já chutas bem naturalmente'. Ele ouvi-me e disse: 'Mano obrigado pelo que me estás a dizer, tens razão'. No dia a seguir foi o jogo e se vocês virem quando ele marca o golo, como é que a gente celebra o golo. A reação, a minha e a dele. 'Eu disse-te'. E ele abraça-me. Esse calhar foi o único problema que eu tive com ele (risos). Dá-me graça (risos). Não sei porque é que as pessoas inventam essas histórias. E a importância que as pessoas dão a este tipo de histórias quando sabem que não é verdade. Mas pronto, estamos aqui é para isso, para contar as histórias verdadeiras.

    Porque saiu do Sporting para os Orlando City?
    Eu saio do Sporting porque achei que era o timing certo para dar mais espaço aos jovens como Jovane, Raphinha. Mas não foi a causa principal. Porque eu até nem queria sair do Sporting, por mim ficava até final da época. E se calhar no final da época teria outros planos, que já estavam na minha cabeça. Mas comecei a ouvir boatos de que o Sporting não estava bem financeiramente, iria faltar dinheiro para pagar aos jogadores. Comecei a ouvir isso, mas nunca ninguém me falou nada. Passado um certo tempo, chegaram ao pé de mim e disseram: 'Estas pessoas vieram falar connosco, perguntar se podiam falar contigo, para saber se estarias interessado nisto e naquilo'. Eu respondi: 'Os meus planos não estão virados para aí neste momento, mas já ouvi uns boatos em relação às contabilidades do Sporting e se eu vou ser um problema para o Sporting daqui a um mês ou dois, eu não quero isso. Não quero ser um problema para o Sporting e não quero que o Sporting seja um problema para mim. Tenho de avaliar isso bem, se no final ficarmos todos contentes, eu tomo uma decisão'. Avaliei, vi que era uma boa oferta, que o projecto era aliciante, havia a oportunidade de ir conhecer a América melhor... Decidi que aceitava e tirava um peso também dos responsáveis do Sporting porque era muito dinheiro realmente que eles tinham para lidar nos próximos seis meses.

    O que lhe disse o presidente do Sporting?
    Explicou-me a situação e eu disse-lhe: 'Espero que fique bem claro que não é a minha prioridade sair agora. Eu entrei aqui com um objetivo, lutar até ao final da época pelos objetivos do Sporting e ajudar o Sporting a erguer-se'. Eles disseram: 'Sabemos de tudo isso, para nós como clube também nos custa, mas sabemos que és um jogador com quem não podemos falhar nesse aspeto'. E eu também percebi esse lado e foi a melhor decisão.

    Resumindo percebeu que mais cedo ou mais tarde ia haver ordenados em atraso.
    E isso não é bonito. Ninguém gosta.

    Foi essa a principal razão que o leva a ir para o EUA.
    Sim, também o projeto era aliciante. Também gostei do que me apresentaram.

    Mas disse que tinha outros projetos para o final da época?
    Eu tinha contrato com o Sporting e queria ficar até final da época. Se tivesse de sair era no final da época, porque é assim que se faz, não a meio da época. Eu tinha contrato com o Sporting de dois anos e mais um de opção. Não estava nos meus planos sair já naquela época.

    ©Orlando City

    Voltando à sua vida pessoal. Quando e como conhece a sua mulher, a Daniela?
    A Daniela conheci antes de ir para Manchester, aqui em Portugal. Já conhecia o irmão dela e uma vez fomos sair e encontramo-nos numa discoteca, fomos apresentados.

    O que ela fazia profissionalmente?
    Naquela altura não tinha conhecimento. Ela vivia em Londres com os pais. Cresceu lá. Depois, passados uns meses, fui para Manchester e lá começamos a conviver.

    Têm um filho, o Lucas.
    Sim, vai fazer seis anos agora em dezembro.

    Assistiu ao parto?
    Assisti. Tinha de assistir. Foi em Manchester. Lembro-me que quando tivemos de ir para o hospital às cinco da manhã, fomos a correr, pensamos que ia acontecer tudo naquele momento e, quando chegámos, tivemos de nos aguentar até às dez da noite. Passei lá o dia inteiro. Quando fui a casa só para trocar de roupa, ligaram-me a dizer que tinha de ir rápido porque ia acontecer (risos).

    É crente?
    Sempre fui. Desde pequenino. Sempre pedi nas minhas caminhadas, muitas das vezes sozinho na rua, muita coisa a Deus e ele dava-me, tudo aquilo que eu pedia ele dava-me.

    O que pedia?
    Às vezes pedia só um euro para comprar um bolo (risos). E aquela moeda aparecia ali. Era incrível (risos). Sempre sonhei, sempre pedi a Deus para que me acompanhasse, para que me protegesse. Mas era muito inocente. Acho que era natural.

    Se não fosse jogador de futebol tinha sido o quê?
    Talvez um servente, carpinteiro (risos). Estou a brincar (risos). Não sei. Tenho jeito para adaptar-me, tenho habilidade para qualquer coisa. Acho que só o facto de tentar fazer, perder tempo a praticar e a aprender, acontece com naturalidade. Talvez naquela idade se me dedicasse a outra coisa, podia ser outra coisa.

    Se pudesse escolher, o que escolhia?
    Se calhar, cantor. Quando eu era miúdo um dos meus irmãos era muito amigo do Boss AC e nós ouvíamos muito as músicas dele. Até hoje ele é um grande amigo da família. Ele ia lá a casa, eu era miudinho e era muito fã dele. Tornámo-nos amigos.

    ©Alberto Fernandes

    De onde apareceu o salto mortal para festejar os golos?
    Quando comecei a fazer capoeira na escola com os meus amigos. Muito rápido eu quis aprender o salto mortal porque via os meus primos e amigos a sair da escola e do nada metiam-se em cima de uma cadeira e, para trás, um mortal. Penduravam-se num muro e, para trás, um mortal. Eu via e perguntava: 'Como é que eles fazem isso? Parece que têm mola nos pés'. Interessei-me em aprender e enquanto não tivesse aprendido não parava. Cai, bati com as pernas, os joelhos, os dedos dos pés, cabeça... Já tive quedas perigosas. Mas quando somos crianças somos protegidos, né? E nada aconteceu, graças a Deus. Mas tive aventuras muito perigosas a tentar fazer os mortais, porque eu era muito destemido, queria sempre fazer o mais difícil.

    É a pessoa de maior sucesso da sua família. Sentiu o peso e a responsabilidade de ajudar a família?
    Como eu vejo as coisas é: os meus amigos chegados e a minha família são meus e eu sou deles. Lógico que é tudo feito com cabeça, controlado, tudo o que seja possível. Quando comecei a ganhar dinheiro a sério quis que os meus irmãos que cresceram comigo e que conhecia na altura tivessem uma casa onde pudessem viver e só se preocuparem em trabalhar para sustentar a sua própria casa e os seus filhos. Sempre que há possibilidades e que há necessidades, pode-se ajudar, mostrando que há que correr atrás das coisas também, que tudo vem com sacrifício.

    Então comprou uma casa para cada um dos seus irmãos...
    ...Sim, comprei. Senti necessidade de partilhar com eles tudo o que a vida me deu, porque antes de ser quem sou, eu era o mais novo e era o rei da família e não era ninguém. Eu podia chegar a casa de uma irmã minha a que horas fosse e, quando chegava, a casa era minha, tivesse namorado ou marido ou não, ele não contava, quem tinha moral era eu - e eu era pequenino. Chegava lá, tinha de comer a papinha dos filhos dela (risos). Comia e ia-me embora. Essas coisas para mim não têm preço. A ligação que eu tenho com os meus irmãos. O carinho que eles demonstravam por mim desde sempre, a paciência que tiveram. As nossas histórias, as nossas dificuldades, por tudo aquilo que passámos.

    O que foi mais difícil?
    O mais difícil? Nós éramos muitos e não tínhamos o que comer, o que vestir, tínhamos de repetir sempre. O sapato já não existia, às vezes andávamos com o sapato todo roto, meias a fazer língua de gato, como a gente dizia. Condições para tomar banho, não tínhamos. Chegámos a viver numa casa, éramos muitos, aquela casa tinha um quarto, que era da minha mãe e do marido dela, tinha uma casa de banho que não tinha sanita, tinha uma banheira só, não tinha torneiras, nem chuveiro. Tinha uma cozinha e uma sala. A sala e a cozinha eram túneis de ratazanas e nós dormíamos na sala, uns no sofá e outros no chão. Passámos por isso tudo, passámos por momentos difíceis, mas que eram já um hábito e lutávamos todos os dias para que não se notasse tanto, mas em certos momentos era difícil.

    Nunca sentiu quando era mais novo que ter de ajudar tanta gente era um fardo e uma responsabilidade muito grande?
    Senti, senti e ainda sinto. Só que agora eu vejo as coisas de uma maneira diferente. Sei como lidar e responder. Às vezes se tiver de dizer um não, digo. Porque as pessoas têm de perceber que se [o dinheiro] acabar daqui, acaba para todo o lado. Mas é assim, nós temos de saber viver com aquilo que é nosso e, como eu disse, são meus e eu sou deles e nós temos de saber lidar com a vida de cada um. Eu sei lidar com a minha, eles têm de saber lidar com a deles, mas estamos aí, se precisarem de ajuda estamos sempre uns para os outros. Graças a Deus hoje em dia todos na minha família têm condições para batalhar, para lutar, têm um teto, têm o seu trabalho, têm os seus negócios, as suas coisas. Há dias maus, mas sabemos que isso acontece a qualquer pessoa.

    Qual foi a situação mais complicada com que teve de lidar?
    Isso não interessa. O mais importante são as coisas boas que se fazem. As que nos fazem perder horas de sono ou que alguma vez nos causou sensações más, não são importantes. Nós temos de saber é olhar para frente e ser positivos. Esse é o meu lema. Não gosto de guardar rancores, não gosto de estar a tocar nas coisas negativas porque graças a Deus, porque por tudo aquilo que tenho, sou abençoado. Tenho de ser feliz, tenho de ser contente, para que continue a ser.

    ©Global Imagens / Fábio Poço

    Onde ganhou mais dinheiro?
    Eu digo que foi no futebol. Tudo o que tenho é o acumular de todos os lugares por onde passei. Tive sempre a preocupação de amealhar um bocadinho.

    Investiu o dinheiro onde?
    Nunca fui de me meter em negócios porque tive sempre o medo de perder. Uma coisinha aqui, outra ali, mas nada de outro mundo. Mas acredito que com o tempo e a experiência que já ganhei agora já consiga meter-me num negócio ou outro mais seguro. Mas não sou muito de negócios, nunca cometi o erro de alguns que se meteram em negócios e perderam metade das fortunas e o trabalho e o suor de uma vida.

    O que é o projeto 360?
    Foi algo que criei há alguns anos. Gostava de fazer sempre um torneio para os mais jovens, criar uma tarde diferente, divertida, com comida, com atividades, em que eu pudesse participar um bocado com eles. Depois, ao longo dos anos, fui desenvolvendo um pouco mais esse projeto. Isto na Amadora. Há pouco tempo tivemos a possibilidade de ir a Cabo Verde expandir por lá também porque sabemos que lá há muitas crianças que precisam. Fizemos uma coisa pequena mas teve um impacto muito grande no dia daquelas crianças. Gosto de sentir alegria nos outros.

    A ideia é criar uma escola de futebol em Cabo Verde?
    Eu tenho a ideia de criar uma escola de futebol já há muitos anos. Estou a ver ainda onde vai ser, onde há possibilidades e de que maneira porque não quero fazer e depois deixar as coisas acontecer sem um controlo. Quero fazer uma coisa como deve ser.

    O seu filho tem jeito para o futebol?
    Quem me conhece quando eu era da idade dele, costuma dizer que ele é igual a mim sem tirar nem pôr. Lembro-me que, quando era mais novo, também tinha o cabelo encaracolado, grande. E muitas vezes revejo-me nele em algumas atitudes, algumas brincadeiras ou sorrisos. Ele gosta de futebol, só que hoje me dia tem mais facilidades em poder ver ao vivo um basquetebol ou outro tipo de desporto - e ele gosta de fazer e eu não impeço. Ele tem que se divertir. Quando quer jogar futebol, joga, quando não quer, não joga. Não há que forçar.

    Ele torce por algum clube?
    Sim, pelo Sporting.

    É verdade que gosta de novelas?
    Para ser sincero neste momento já não ligo tanto, porque como estou a viver lá fora já não vejo muita televisão e foco-me mais no dia-a-dia. Mas gostava muito de seguir as novelas brasileiras, é verdade.

    Houve alguma que o tenha marcado mais?
    A 'Avenida Brasil' foi uma das que me marcou.

    Ouvi dizer que não gosta que o acordem.
    Se estiver muito cansado e tiver de me deitar, não me toquem porque senão vou acordar bem mal-disposto (risos).

    Qual foi a pior partida que lhe fizeram?
    O meu irmão fazia-me muitas. Quando eu dormia ele enrolava papelinhos, molhava e depois metia-me na orelha no nariz e eu pensava que eram mosquitos ou moscas e ficava horas e horas a gozar com a minha cara (risos).

    Não se lembra de nenhuma partida que tenha feito ou que lhe tenham feito no futebol?
    Lembro-me que o Gerard Piqué era muito brincalhão e um dia eu, o Evra e mais alguns companheiros decidimos pegar numa t-shirt dele e vestimos um dos bonecos da barreira com a t-shirt dele e começámos a chutar as bolas naquela t-shirt. Toda a gente, pum, pum, pum. Ele chega ao campo, vê aquilo e começa também a chutar e depois é que lhe dá um clique: 'De quem é essa t-shirt?' Quando deu conta que era a t-shirt dele começou a insultar toda a gente (risos), mas só depois de ter chutado umas três, quatro bolas na sua própria t-shirt. Lembro-me de uma outra que fizemos ao Anderson. O Anderson vestia-se para o treino, não interessava o dia, se estava a chover ou sol, ele ia de calção pantufa, óculos escuros e t-shirt. Chegava cheio de estilo ao balneário. E a malta um dia disse-lhe: se voltas a vir com essas pantufa para o treino vais ver. Ele voltou a vir com a pantufa. E fizemos um buraco à frente na pantufa, via-se bem que estava queimado. Ele quando viu aquilo, ficou todo lixado, começou a mandar vir com todos. Mas no dia a seguir voltou com a mesma pantufa, queimada (risos).

    Tem tatuagens?
    Tenho.

    Qual foi a primeira?
    É o nome de família, Almeida, da parte da minha mãe. A outra é na perna, é um desenho de uma foto minha com o meu filho de mão dada no Fenerbahçe.

    Pensa fazer mais?
    Sim (hesita). Talvez. Tenho de ganhar coragem outra vez porque dói.

    ©Catarina Morais

    Qual foi o momento mais marcante da sua carreira?
    Talvez quando mudo de Portugal para Manchester. Saio do meu país pela primeira vez, para ir viver sozinho. Fiquei um bocado na expectativa. Eu não sabia falar outra língua. Ter a noção de como é que era viver sonho num país em que não conheces a cultura, não conheces nada.

    O que gostou mais e menos de Inglaterra?
    Menos: o clima. Aquilo dia e noite chovia, muito frio. Mas ao longo dos anos acostumas-te. Só que depois vens a Portugal e está sol e perguntas-te: 'O que é que eu estou a fazer ali?' (risos). A coisa boa foi a experiência que tive.

    Ficou com algum hábito dos ingleses?
    O hábito de beber chá. Passei a beber chá com leite e virei uma pessoa que bebe chá com frequência. Basta estar frio.

    E dos outros países?
    Na Turquia também têm o hábito do chá mas do que gostei foi do baklava.

    Ainda continua a gostar muito de doces?
    Gosto, gosto muito. Mas já controlo.

    Cuida-se muito e tem feito vídeos sobre a sua preparação física. Inclusive até boxe tem feito nos EUA.
    Eu já tinha feito boxe uma vez ou outra em Portugal com os amigos e eu queria muito. Quando cheguei à Turquia fiz amizade com um rapaz que era professor de kickboxing e comecei a treinar diariamente com eles e estava a gostar dos resultados. Estava a ajudar-me muito na minha performance, na minha resistência. Passei a treinar sempre, ganhei-lhe o gosto e fiz um ano espectacular lá com ele a treinar. E quis sempre treinar. Agora quando cheguei nos EUA arranjei uma pessoa.

    Como surgiu a ideia de fazer vídeos com as suas dicas e momentos de treino?
    Eu não era muito disso, mas desde que comecei a trabalhar com uma equipa muito boa da Empower Sports, eles ensinaram-me como trabalhar a imagem e valorizar as coisas boas que fazemos, porque hoje em dia funciona assim. E depois tomas o gosto.

    Já pensou no pós-carreira, no que quer fazer quando tiver de pendurar as botas?
    Ainda não. Passa-me muita coisa pela cabeça. No final das contas acabo por dizer sempre a mim próprio: 'Tranquilo, quando chegar o momento focas-te naquilo que queres e vais e tentas e fazes. Se der, deu; se não der, vai para outro lado, vai apanhar sol'. Porque neste momento não posso desviar o meu foco daquilo que tenho de fazer e nós, jogadores de alta competição, de alto nível, sabemos que se queremos manter um nível, não podemos desviar o foco, apesar de haver muita a gente a dizer que temos de começar a preparar o futuro.

    Tem alguma meta definida para parar de jogar?
    Não. A minha meta é cada dia ser mais forte, trabalhar para poder estar sempre me forma e continuar a fazer o que sempre fiz. Continuar a ser atrativo no campo, para que as pessoas continuem a dizer que sou bom jogador, ainda rápido, ágil. Esse é o meu objetivo. É esse o meu foco e isso tira-nos muito tempo. Não há tempo para outras coisas.

    ©Alberto Fernandes

    Espera ainda voltar à seleção?
    Acho que há possibilidades. é uma decisão. Se o selecionador achar no momento que precisa de mim, que sou uma mais valia naquela altura, será possível. Neste momento têm havido outras opções, os jogadores que têm ido têm respondido da melhor maneira. São jogadores de talento, que estão a crescer, que com certeza vão ser o futuro da nessa seleção como eu já fui há uns anos. Levo isso com naturalidade.

    Nem se sente magoado?
    Não, porque já fiz muito pela seleção. Joguei muitos jogos. O meu nome está lá na lista dos mais internacionais. Marquei muitos golos. Dei muitas alegrias à seleção e ao povo. Se me perguntar: achas que ainda podes dar algo semelhante ou dar mais algum contributo?. Respondo: com certeza, porque estou a jogar, estou a jogar bem, estou em boa forma, estou numa idade em que ainda posso produzir o meu melhor futebol. Mas, depende sempre de decisões e nós temos de respeitar as decisões do momento. Mas isso não significa que as decisões do futuro não passem por mim.

    O facto de estar nos EUA e não num campeonato europeu pode prejudicá-lo?
    Não. Nós vimos que houve jogadores que jogaram em campeonatos mais distantes e continuaram a ser chamados. Não é por aí. O selecionador já mostrou que, quando precisa dos jogadores, chama-os. Nunca tive nenhum problema com Fernando Santos e foi sempre um treinador que mostrou admiração pela minha disponibilidade em todos os jogos, qual fosse a posição que ele precisasse. Ele sabe que pode contar comigo e como funciona a minha cabeça, por isso nunca teria problema em chamar-me se precisasse. Há tempo. Vou começar uma nova época em janeiro, tenho tempo para me preparar, dar o meu melhor e demonstrar se realmente mereço ser chamado ou não.

    Não pensa terminar a carreira nos Orlando City pois não?
    Eu aprendi uma coisa, eu não posso antecipar as coisas. À medida que os anos vão passando, as decisões vão começando a aparecer. Neste momento sinto-me feliz onde estou, gosto da qualidade de vida, do clube, de tudo o que está a acontecer à minha volta, por isso não posso dizer o dia de amanhã.

    Com quem fez maior amizade no futebol?
    No Sporting, eu, Yannick e Miguel Veloso, até hoje temos uma boa relação, falamos muito por telefone, estamos sempre a apoiar-nos uns aos outros. No futebol foram aqueles com quem, desde pequeno, sempre tive o melhor relacionamento, por termos crescido juntos. No estrangeiro, jogadores do estrangeiro, o equatoriano António Valencia e o Patrice Evra; jogámos muitos anos juntos e chorámos juntos, partilhámos momentos delicados e ganhámos o respeito uns dos outros e até hoje mantemos o contacto.

    Qual foi a maior extravagância que fez?
    Gastar dinheiro? As únicas coisas em que gastei dinheiro a sério foi comprar um carro.

    De que carro está a falar?
    O Ferrari 448. Mas acho que isso não é extravagância, é comprar um carro.

    Tem algum hóbi? Alguma coisa que goste muito de fazer para além do futebol?
    Gosto muito de jogar ténis, mas não tenho tempo. Gosto de jogar ping-pong mas também não tenho tempo.

    Quem mais admira no ténis?
    Sou muito fã do Nadal. Tive uma vez a oportunidade de presenciar uma final em Londres e pude tirar uma foto com ele, fiquei muito feliz.

    Alguma vez foi vítima de racismo?
    Graças a Deus, não. Às vezes uma palavrinha lá atrás, mas nem chega a atingir. Assim, cara a cara, não. Já sou muito viajado, convivi com várias culturas. E, quando convives com muitas culturas diferentes, aprendes a lidar e a estar no meio delas, por isso quando aparecem situações dessas tu ignoras, nem dás importância a esse tipo de pessoas, porque nós sabemos que em toda a parte do mundo há esse tipo de pessoas. Agora, se uma pessoa te confrontar diretamente, isso é diferente. Tudo o que é bocas indiretas, tento sempre desviar e olhar para quem importa.

    Qual é o seu maior medo?
    Tenho muitos medos, mas não são grandes. Eu sou um tipo de pessoa que posso ter medo, mas se aparecer o momento eu já não tenho medo, porque eu sei adaptar-me à situação. E quando me aparece alguma coisa que não estava à espera, a única coisa que me passa pela cabeça é como é que vou resolver. Aprendi isso. Quando eu era pequeno às vezes aleijava-me, eu era um mariquinhas, bastava ver sangue era gritos, desesperava, até que, tantas vezes que depois, se tornou um hábito. Chegou um ponto em que quando as coisas me aconteciam e eu estava sozinho, eu parava e pensava: 'Não, não há pânico. O que é que eu tenho de fazer?' E comecei a desenrascar-me sozinho e ganhei aquele sangue frio que é necessário.

    Quem foi o treinador que mais o marcou?
    Tive uns quantos. Eu não me esqueço das pessoas. Tive treinadores desde o Real Massamá que muito me ajudaram. E por isso gosto de falar o nome deles. Quando estava no Real Massamá tive uns quantos treinadores e todos eles tinham uma preocupação que era levar-me a casa, se eu já tinha comido; se sobrava roupa dos filhos, davam-me; se tinham uma Playstation ou videogame que já não usavam, davam-me. Eu era mais um filho para eles. Era rebelde e malcriado muitas vezes, e eles olhavam para mim como um filho e corrigiam-me como um filho. Punham-me de castigo, davam-me na cabeça. Esses treinadores marcaram-me muito. E, depois, quando vim para o Sporting, o João Couto e o Paulo Bento marcara-me muito. O Paulo Bento marcou-me porque estive com ele na liga principal e na seleção, temos muita história. Ele também foi uma das pessoas que foi muitas vezes levar-me a casa, pagou-me mil e uma vezes o táxi quando eu me atrasava e não apanhava o autocarro do clube no Campo Grande. Eu chegava e dizia: 'Mister tive de apanhar táxi'. E ele 'Quanto é que é?'. Pagava e depois dizia-me 'depois pagas um jantar'. Ele dizia na brincadeira, mas por dentro estava chateado porque eu não me podia atrasar. Muitas vezes ele veio falar comigo sobre comportamentos errados meus para o qual o tinham alertado.

    Que comportamento eram esses?
    Por exemplo, tirar as chuteiras de um colega e dizer que eram minhas porque me tinham emprestado. Ou seja, um colega emprestava-me, mas depois emprestava a outro e quando esse vinha buscar, eu não dava, dizia que a chuteira era minha (risos). Ficava com as chuteiras porque eram boas e não tinha outras e só as dava quando vinha mesmo o dono buscá-las.

    Quando é que dentro de si houve esse clique, essa mudança de atitude de comportamento?
    Quando as coisas começam a acontecer. Quando o Sporting faz o contrato comigo. Fui aos EUA, fazer uma visita a um núcleo leonino e eu senti-me privilegiado. Quando voltei e comecei a jogar, tudo mudou. Eu senti que havia algo diferente. Quando ganhámos o campeonato de juniores, com o mister Paulo Bento, e fui escolhido para fazer a pré-época, aí tudo mudou: cheguei à equipa principal. Aí cai tudo. Quando vês os teus colegas a irem embora porque chegaram ao final do contrato e não quiseram renovar ou fazer contrato profissional e tu és dos poucos que foste escolhido... . Isso aí mexe.

    Portugal
    Nani
    NomeLuís Carlos Almeida da Cunha
    Nascimento/Idade1986-11-17(37 anos)
    Nacionalidade
    Portugal
    Portugal
    Dupla Nacionalidade
    Cabo Verde
    Cabo Verde
    PosiçãoAvançado (Extremo Esquerdo) / Avançado (Extremo Direito)

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