Valdo: «É fácil ficar em casa para quem tem estabilidade financeira, mas quem não tem fica entre a espada e a parede»

O futebol parou por todo mundo devido ao surto de coronavírus e por todo o mundo há portugueses à espera de ultrapassar esta situação para voltarem a fazer o que mais gostam: jogar futebol.

Neste tempo em que o exigido é «ficar em casa», o zerozero foi conversar com vários portugueses espalhados pelos quatro cantos do Mundo para perceber como tem sido este período sem futebol e como têm acompanhado toda esta situação, lá fora e em Portugal. Sempre à distância, claro.

Da vizinha Espanha à longínqua Indonésia, o mote passa por ficar em casa e ler os relatos da rubrica: «O meu futebol em quarentena».

• Valdo Alhinho, médio do Hamrun Spartans, de Malta

zerozero (ZZ): Como tens ocupado o teu dia durante a quarentena?

Valdo Alhinho (VA): Não tem sido fácil porque a nossa rotina de treinos e exterior é completamente diferente. Quando estamos em casa passamos mais tempo a dormir ou sem fazer nada. Isto passou-se na primeira semana, depois percebi que tinha de ter rotinas diferentes. Organizei-me de forma a acordar todos os dias à mesma hora e fazer cárdio pela manhã, corrida na passadeira e depois à tarde almoçar, fazer a sesta e um treino mais muscular. E à noite desfrutar de algum filme com a família.

ZZ: Que indicações te deu o clube?

VA: Paramos muito cedo: 11 de março. Numa altura em que a pandemia era muito desconhecida em Malta. Tínhamos apenas dois casos. Seguíamos Itália aqui ao lado e lá já era grave. Paramos por precaução e isso tem-se refletido no evoluir da situação em Malta. Nas primeiras semanas houve acompanhamento através do clube. Acreditávamos que iria ser uma coisa rápida de 1-2 semanas. Entretanto com o tempo a passar, os treinadores foram adaptando-se à realidade e acabamos mesmo por fazer treinos virtuais. 

ZZ: Como é ficar tanto tempo em casa?

VA: A verdade é que nós jogadores estamos habituados ao balneário. Essa convivência com os colegas, rotina do treino… Tem custado bastante. Sinto a falta do balneário, das brincadeiras, dos colegas.

ZZ: Que conselhos deixas (livros, filmes, séries...)?

VA: A minha sugestão e o que procuro fazer, além das séries e filmes, é optar pelos antigos jogos de mesa. Que podem aproximar mais as pessoas. Num filme ou numa série as pessoas estão concentradas no que estão a ver e neste caso acho que esta é uma situação que pode ser benéfica para as pessoas darem valor à família, a quem está em casa e perceber que é possível puxar um sorriso da mãe ou do irmão. Deviam procurar isso. 

ZZ: Tens mantido contacto com os teus colegas e o que conversam?

VA: Contacto físico impossível. Estamos fechados, principalmente eu que tenho em casa uma pessoa de 74 anos. Tento ter o máximo de cuidado possível. Saio para compras e faço logo para bastante tempo. Mas felizmente com as redes sociais conseguimos contactar com todos. Até mesmo com treinadores e dirigentes.

ZZ: Como tens acompanhado a situação em Portugal?

VA: Com muita atenção. Grande parte da minha família está em Portugal. A minha mãe está em Portugal e preocupa-me sempre. Felizmente os números não são como em Espanha ou Itália, mas continua a crescer... Continua a haver mortes e mais infetados. Vejo que há pessoas que continuam sem respeitar, mas também entendo. É fácil ficar em casa para quem tem uma estabilidade financeira, mas para quem não tem e depende da renda mensal fica entre a espada e a parede. É uma questão entre ficar em casa e passar fome e dificuldades ou arriscar para poder ter o mínimo de condições para sobreviver. 

ZZ: Como está a situação em Malta?

VA: Felizmente também não está muito grave como Itália e Espanha. Malta acompanhou a situação de Itália e agiu muito mais rápido. Fechou fronteiras e tomou medidas importantes que muitos países demoraram a passar. Temos apenas 10 casos por dia e só há dois dias duas pessoas faleceram – 93 e 87 anos. Existem algumas restrições para a saída de casa, mas mais para as pessoas de idade. Ainda se vê pessoas na rua, mas está tudo fechado. As pessoas também não têm nada para fazer. O governo não é muito restrito, até porque as pessoas estão a respeitar.

ZZ: Como contas regressar à competição? Tem sido fácil manter a forma?

VA: É muito complicado, principalmente pela intensidade. O treino físico é fácil fazer em casa, mas o cárdio e a condição física vai ser impossível. Acreditamos que o campeonato não volte porque a pandemia continua a crescer. Mas caso volte terá de se dar um tempo para as equipas fazerem uma espécie de pré-época para adquirirem o mínimo de nível competitivo para, assim, podermos terminar o campeonato. Esta paragem pode vir a ser mais longa do que uma paragem normal, entre um campeonato e outro, portanto precisamos pelo menos de 2-3 semanas de preparação.

ZZ: Quando isto acabar, qual é a primeira coisa que queres fazer?

VA: Voltar ao balneário, poder abraçar os meus colegas e continuar as brincadeiras… Também quero ir almoçar a um bom restaurante com uma boa vista e estar com os meus amigos. E com os meus irmãos também, pois há um mês que não estou com eles. 

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