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    Entrevista à Tribuna Expresso

    ENTREVISTA TRIBUNA (18Mar2017) | Miguel Maia: «Sempre fui tranquilo, muito na minha, muito na paz»

    2020/04/05 13:53
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    Entrevista da autoria da jornalista Alexandra Simões de Abreu da Tribuna Expresso, originalmente publicada a 18 de março de 2017 e que pode ser vista na publicação original aqui.

    Aos 45 anos Miguel Maia não só continua a jogar voleibol como ganha títulos e ainda tem tempo para levar os filhos à escola e estudar. No 2º ano do curso superior de Gestão Desportiva, diz-se com capacidades tanto para ser treinador como dirigente. Já foi sondado para ser candidato à liderança da federação e já falou com a direção do Sporting sobre o futuro do voleibol em Alvalade, mas não desvenda mais nada. Confirma que João Brenha é o seu maior amigo e que chorou na segunda vez em que ficou em 4º lugar nos Jogos Olímpicos.

    É uma das maiores - senão a maior - referências do voleibol em Portugal. Há uma semana, com 45 anos, somou mais um título ao seu extenso palmarés, ao capitanear o Sporting de Espinho na conquista da Taça de Portugal. Mas foi na praia, ao lado de João Brenha, que Miguel Maia ganhou o estatuto de estrela, com a participação em três Jogos Olímpicos, que resultaram em dois 4º lugar (Atlanta’96 e Sidney’2000) e um 9º (Atenas’2004). Maia atribui os louros da sua longevidade à posição que ocupa em campo (distribuidor), à genética e ao seu trabalho e disciplina enquanto atleta.

    Esta Taça teve um significado diferente e/ou especial?

    «Sim porque já estava há oito anos sem ganhar uma Taça de Portugal; por ter 45 anos; por os meus filhos poderem ver-me a ganhar e depois pela maneira como ganhamos. Frente a uma equipa (Benfica) que é melhor do que nós, com um plantel melhor, que tem tido hegemonia nos últimos anos e por isso valorizou muito mais o nosso êxito. Para além do renascer do “tigre”. O Sp. Espinho é o clube com mais títulos a nível nacional, tem o melhor palmarés e andava arredado dos títulos há uns aninhos, já não ganhava o campeonato nacional há quatro anos e vimos as pessoas todas a correr atrás da equipa. Foi importante também para a cidade. Este foi o meu 34ª título como sénior em pavilhão, depois tenho mais oito campeonatos nacionais de praia, etc».

    Só ficou a faltar a medalha olímpica.

    «Sim».

    Esteve em três Jogos Olímpicos. Quais os mais marcantes?

    «Para mim Sidney foram os melhores, mas os mais marcantes foram os de Atlanta, porque foram os primeiros. Para mim aquilo tudo era um sonho».

    O que mais o fascinou e surpreendeu?

    «Ter milhões de pessoas a seguir aquilo, o mediatismo. Ser chamado para conferências de imprensa com dezenas e dezenas de pessoas a quererem entrevistar-nos e consoante fomos avançando na competição esse número aumentava e falavam mais de nós no mundo inteiro. Isso era impensável, não éramos jogadores de futebol. E na aldeia olímpica estávamos a ter aquele privilégio que todas as pessoas gostariam de ter, de passar ao lado do Michael Jordan, do Ronaldinho Gaúcho, do Sergey Bubka, entre outros. Todos os melhores do mundo de todas as modalidades, que só víamos na televisão, estavam ali e nós éramos como eles».

    Pedia para tirar fotografias e autógrafos?

    «Sim, claro. A nossa primeira olimpíada é aquela que é a oportunidade da nossa vida, vamos trocar os pins todos, tirar as fotografias todas, vamos visitar tudo, encontrar com toda a gente. Era deslumbrante».

    Qual foi o 4º lugar mais difícil de "engolir"?

    «O segundo, porque já tínhamos vivido aquilo quatro anos antes. Em Atlanta estivemos perto da final, de chegar a uma medalha de ouro ou de prata e acabamos por não ter nem a de bronze. E depois foram quatro aos a pensar nisso. Quatro anos volvidos, parece que o filme é o mesmo. Estivemos perto novamente da final».

    A estes anos de distância, consegue encontrar uma explicação?

    «São coisas do jogo. Já aconteceu ao contrário. Em outras competições com menos mediatismo conseguimos dar a volta para ganhar. Já estivemos a perder 14-6 e viramos para 6-14. Podemos ver as coisas de outra perspectiva, se tivéssemos ficado em 5ª ou em 9ª ficávamos mais contentes? Se calhar não. Não guardo como uma experiência negativa. Nem ficou marcado para a vida inteira. Já ganhei muitas coisas a seguir, muitos títulos. Faz parte da vida desportiva. Temos que estar preparados».

    Mas entretanto podiam ter encontrado uma justificação ou explicação mais concreta.

    «Não. Na primeira olimpíada penso que falhamos o acesso à final com um erro de arbitragem. Quando podíamos fazer o 13-8 e ficávamos perto da vitória, a árbitra marcou-nos uma falta que não era. Ficamos um bocado abalados e os americanos que estavam a jogar em casa acabaram por passar para a frente. Depois em Sidney houve um situação com a arbitragem mas relativamente à outra dupla e eles passaram-se da cabeça e arriscaram tudo. E arriscaram bem».

    O lado psicológico conta muito?

    «Sim, no voleibol de praia é preciso estar mais concentrado. As coisas são sempre dirigidas para um atleta e não para os dois. E o atleta tem estar preparado psicologicamente para aguentar essa pressão. Mas eu e o João demonstramos ao longo da nossa carreira que psicologicamente somos muito fortes. E não é por acaso que conseguimos estar em duas meias finais olímpicas, chegamos a uma meia final do campeonato do mundo, ganhamos duas etapas do circuito mundial, uma do campeonato da Europa, num estádio de Espinho completamente a abarrotar».

    Como era o Miguel em miúdo?

    «Sempre fui tranquilo, muito na minha, muito na paz».

    Começou a praticar voleibol com seis anos. Porque quis ou por influência familiar?

    «Nasci numa cidade virada para o voleibol, o meu pai era diretor de voleibol na Académica de Espinho, cujo pavilhão ficava a 200m de minha casa, ou seja, passava lá o meu tempo quase todo, por causa do meu pai e por ser um local de excelência para brincar. Os meus primos também jogavam voleibol. Por isso, digamos que foi perfeitamente normal e natural começar a praticar voleibol. A minha irmã também começou a treinar mas depois desistiu».

    ©SC Espinho
     

    Foi paixão à primeira vista?

    «Foi. Apesar de gostar também muito de jogar futebol. Tinha jeito para os dois mas o meu pai ajudou-me a inclinar mais para o voleibol porque é dentro de um pavilhão e no inverno as condições são melhores do que jogar futebol em campos com lama. Ele achou que era melhor continuar no voleibol e assim foi».

    Sempre foi apaixonado pelo Sporting. Isso nasce como?

    «Através do meu pai. É de familia. Desde que me lembro que sou sportinguista».

    E na escola, era bom aluno?

    «Não porque era obcecado por desporto, por brincadeira, tentava fazer os mínimos na escola. Sempre disse que queria ser desportista. Eu era um atleta baixo e sabia que não era das melhores opções para poder integrar grandes equipas ou ir para a seleção nacional, mas decidi correr atrás da minha vontade própria de querer continuar a jogar e de querer aparecer nas equipas. E consegui ir alcançando o meu espaço, numa primeira fase através da minha desenvoltura física, comecei a saltar mais e a tentar chegar onde os outros chegavam com a altura que tinham e a partir daí comecei a ter mais confiança e a adquirir o meu espaço».

    Requereu muito mais esforço da sua parte do que a outros?

    «Sim, obviamente. Lembro-me de muita gente da minha altura que acabou por deixar a modalidade facilmente e eu consegui atingir os mesmos níveis daqueles que já eram muito mais altos».

    Entretanto sai da Académica e vai para o Sporting de Espinho. Porquê?

    «Porque tanto eu como o João Brenha e outros quisemos fazer uma mudança e também porque a Académica não estava muito bem. Como o Sp. Espinho era na mesma cidade e era o clube de referência e o único que tinha uma equipa na I divisão, fomos atraídos por isso. Ficamos um ano. Fomos campeões nacionais e regionais de iniciados, e no ano a seguir o nosso espírito academista voltou a chamar-nos e regressamos. Fizemos na Académica o percurso até sénior. Fomos campeões nacionais da segunda divisão, da primeira divisão e aí saí, fui para o Sp. Espinho um ano e depois veio o convite do Sporting. Fui. Era o meu clube, tinha melhores condições e uma opção que até então não existia, poder ser profissional de voleibol».

    Esteve três anos no Sporting onde foi campeão nacional, ganhou duas taças e uma supertaça. Por que saiu?

    «Porque o Sporting teve alguns problemas na altura e voltei para Espinho para integrar um projeto da cidade de Espinho, no Sp. Espinho, onde quiserem fazer regressar todos os atletas de Espinho que estavam espalhados um pouco por todo o país, para formar uma boa equipa. Foi o que fizeram e fomos campeões nacionais durante seis anos seguidos. Ou seja fui campeão nacional nove anos seguidos, três no Sporting e mais seis no Sp. Espinho».

    ©FPV
     

    Como surge o voleibol de praia?

    «Em 1989/1990, numa conversa de amigos, com dois brasileiros que jogavam na Académica comigo. Contaram que no Brasil já faziam um campeonato do mundo, que se realizava uma vez por ano e iam lá os americanos, mostraram fotografias e deu-me uma coisa na cabeça: Porque não começar a organizar um torneio de voleibol de praia de duplas em Espinho? E comecei a fazer contactos».

    Mas antes disso já se jogava voleibol na praia em Espinho.

    «Sim, mas eram seis contra seis. Ou seja, transportamos para a praia o voleibol tradicional de pavilhão. E assim foi, fizemos esse primeiro torneio e tinha de escolher alguém e foi o João Brenha».

    Porquê ele?

    «Porque era meu amigo de infância. Viviamos a 100m um do outro, éramos do mesmo grupo, fazíamos tudo juntos. A escola era a mesma, ele só estava um ano à frente porque é mais velho».

    O João continua a ser o seu melhor amigo?

    «Sim, é aquela pessoa de quem nunca me vou desligar. Aquela pessoa que tem a mesma vivência que eu praticamente desde que nasceu. Desde o primeiro chuto na bola na rua, a primeira ida ao cinema, a primeira ida a uma discoteca, o jogarmos voleibol juntos, as primeiras idas à seleção…quase tudo que foi a primeira coisa estivemos juntos».

    São como irmãos.

    «Exatamente. Acordávamos, íamos para a praia com o mesmo grupo de amigos, ao meio dia e meia vinhamos os dois para cima para almoçar, a seguir desciamos outra vez para a praia juntos, jogávamos voleibol ou futebol na praia, vinhamos para casa e depois do jantar íamos juntos dar uma volta. Coisas que hoje em dia já quase não se vêem e nós fazíamos isso sempre».

    Qual a maior virtude e defeito do João?

    «O maior defeito é ser casmurro. Ele demora muito a mudar, por muito que as pessoas lhe mostrem que tem de ser assim, ele vai seguindo, seguindo a sua vontade e depois só lá muito à frente é que muda. A maior virtude, é ser amigo, é amigo das pessoas».

    Nunca se zangaram um com o outro?

    «Não. Desacordo aqui e ali a jogar, mas nada sério. Por isso é que jogamos sempre juntos. Não havia duplas que não trocassem de parceiros. Fomos a primeira dupla a atingir 100 etapas juntos».

    Como conseguem?

    «É a amizade, a cumplicidade, o respeito, o saber que juntos alcançamos sucesso e conseguimos atingir aquilo que se calhar nunca pensamos atingir. Havia mais fricção quando jogávamos à bola em equipas opostas, mas acabava o jogo e não se passava mais nada».

    Essa relação acabou ficou só na vida desportiva ou as vossas famílias convivem uma com a outra?

    «Convivemos. Estamos muitas vezes juntos. Ainda agora eles estiveram em nossa casa, no aniversário do meu filho mais novo, o Gonçalo, que fez um ano. Já passamos férias muitas vezes juntos. Vivemos numa cidade muito pequena, estamos quase todos os dias juntos, as mulheres encontram-se quase todos os dias, os meus filhos e as filhas do João encontram-se todos os dias na escola. Espinho é muito pequeno».

    A vossa relação poderá ser revivida pelos vosso filhos?

    «Não porque a vida é diferente. Nós brincávamos literalmente na rua horas a fio. Os miúdos hoje quase não têm descanso para nada. É a escola, depois é o inglês, é a música, é o voleibol, as explicações. Na nossa altura tíinhamos aulas de manhã e a tarde toda livre».

    ©Sporting CP
     

    Porque é que só vai jogar para um clube estrangeiro em 2005?

    «Achei que tinha de ser. O currículo que eu tinha e aquilo tinha feito pelo voleibol merecia que eu fosse para o estrangeiro. Durante muitos anos tive muitos convites para jogar no estrangeiro e abdiquei por causa da praia. Porque as épocas no estrangeiro começam a meio de agosto e eu acabava a praia em final de setembro início de outubro e os clubes não me deixavam começar tanto tempo mais tarde. Tive que fazer uma opção. Depois de jogar três olimpíadas achava que era o momento, que tinha de tentar jogar fora. Surgiu a oportunidade de um clube italiano e agarrei. Tive a possibilidade de renovar por mais dois anos, mas como continuávamos no projeto olímpico para Pequim, tive que regressar».

    Se não tivesse aparecido o voleibol de praia teria jogado mais no estrangeiro?

    «Sem dúvida. Teria jogado muitos mais anos no estrangeiro. Mas não me arrependo das opções que fiz. Gostava de ter duas vidas para ter feito as duas coisas, mas não me arrependo de nada».

    Da experiência em Itália o que guarda de mais importante?

    «O profissionalismo e a qualidade dos jogos. Aquilo que aqui fazemos seis a oito vezes por ano, que são os jogos mais complicados contra as equipas mais fortes e as finais, lá tínhamos todas as semanas. As equipas eram muito competitivas, eram jogos duros, com os media sempre em cima».

    Foi sozinho?

    «Não, levei a minha mulher e os meus dois filhos que já eram nascidos. A minha filha Ana fez um ano lá e o Guilherme tinha três anos. Adoraram a experiência».

    Os seus filhos praticam voleibol?

    «Sim, ambos. Eu queria que eles praticassem desporto. O meu filho até o levei primeiro ao futebol, mas ele não quis. Não gostava. Aliás, mesmo o voleibol, ao início, só ia porque a irmã e as amigas iam. Andava por andar. Só aos oito/nove anos é que lhe deu um clique e agora não quer outra coisa. Agora é uma obsessão de ambos».

    Quer seguir as suas pisadas?

    «Não é isso que eu lhe incuto. Quero que ele jogue voleibol que dê o máximo e que tenha um objetivo para tentar ser alguém na modalidade. Ele quer muito ser jogador, mas tem em mente que a parte principal é a escola».

    Depois do Miguel e do João nunca mais surgiu uma dupla com tanto sucesso. Sente alguma frustração por isso?

    «Eu e o João despertamos por causa da olimpíada e o mediatismo de uma olimpíada. Os resultados que fizemos marcaram toda a gente. Conseguimos juntar o país à volta da televisão para ver os nossos jogos; por ser uma modalidade com bola, normalmente essas não têm êxito nestas grandes competições; e as pessoas deram valor e realce. Mas não houve mais nada a seguir. E é muito difícil alguém conseguir alcançar aquilo que nós conseguimos».

    Por que razão não houve mais nada a seguir?

    «O que fizemos devia ter sido um despertar para toda a gente seguir o voleibol de praia, porque os outros países a partir das primeiras olimpíadas prepararam-se para fazer novos atletas. Fizeram pavilhões com areia, climatizados, para poderem treinar o ano inteiro, levavam os atletas para os EUA e para o Brasil para treinar e competir. E nós andamos a falar num pavilhão climatizado desde 1996 e ainda não existe».

    E não existe porquê?

    «Será que existe algum pavilhão com areia para futebol de praia em Portugal? Se calhar não e Portugal foi campeão do mundo. Temos estas coisas extraordinárias e ninguém se lembra onde é que o futebol e o voleibol de praia treinam e em que condições».

    Isso acontece porque não há dinheiro ou por uma atitude de deixa andar?

    «Um bocadinho de tudo. Um deixa andar e uma não vontade de gastar dinheiro. Se calhar até existe dinheiro para investir e não se gasta. Mas que se devia gastar, devia. A federação de voleibol nunca teve tanta projeção a nível mundial como teve com o voleibol de praia, connosco. E o voleibol é a única modalidade olímpica com bola, em areia».

    E há gente nova em número suficiente para daí podermos voltar a ter dois atletas como vocês?

    «Para ser como nós têm de trabalhar muito. Vai haver mais algum Ronaldo ou Figo ou Eusébio? É preciso treinarem na quantidade para aparecer a qualidade».

    Mas já houve mais gente interessada no voleibol ou não?

    «Acho que não. Toda a gente que acaba a época de pavilhão passa para o voleibol de praia e existem torneios para os miúdos mais novos, coisa que não existia no nosso tempo. Eu comecei com 21 anos na praia e até aí não sabíamos quais eram as regras do voleibol de praia, nem onde é que eram os torneios ou as redes para treinar. Os miúdos hoje já têm quatro e cinco campos de areia na praia para treinar todos os dias, têm treinadores, monitores, sabem as regras, têm acesso às televisões para verem jogos do circuito mundial, têm tudo à mercê para poderem singrar. Agora, têm só aquele espaço de quatro meses para treinar. Falta o tal pavilhão climatizado com dois, três, quatro campos para poderem treinar o ano inteiro. A partir do momento em que façam esse trabalho, podem pensar em fazer torneios durante o ano todo. Porque se se reina durante oito meses e depois não há torneios, vão dar um passo atrás, porque ao lado têm jogos de pavilhão todos os fins de semana. Ou seja, pensando isto seriamente, com um pavilhão, treinos e competições torna-se mais fácil e atrativo».

    Há matéria prima, portanto.

    «Há. Muito mais do que na nossa altura. Eu e o João na nossa "Academia de Voleibol Maia/Brenha" temos 200 miúdos a treinar no verão quase todos os dias. Se houver continuidade para o inverno, de certeza que vai haver mais interessados. E se houver torneios, ainda mais interessados haverá».

    Mas não aconselha que façam o mesmo que vocês, as duas modalidades ao mesmo tempo.

    «Não. Se houver a possibilidade de enveredar por uma das variantes há que seguir o seu caminho. Eu e o João durante as 15/20 anos fizemos duas pré-épocas por ano. Era um massacre muito grande. Não havia férias, nem descanso».

    O desporto de alta competição roubou-lhe muitas coisas boas da juventude?

    «Sem dúvida, mas voltava a fazer tudo outra vez igual. E no fundo divertimo-nos sempre da maneira que podiamos. Organizando bem as coisas dá para fazer tudo».

    Há uma altura mínima para se ser jogador de voleibol profissional?

    «Não há altura mínima, mas hoje em dia ajuda muito ter mais de 1,95m. Eu sou muito baixo».

    Qual foi o jogo mais marcante para si?

    «Não sei responder. A vitória do Espinho na Top Teams Cup, é a única prova europeia de uma equipa portuguesa e é marcante, ninguém estava à espera; as etapas do circuito mundial que eu e o João ganhamos são feitos inéditos que nos levam para o principal patamar do mundo do voleibol de praia; o primeiro título da Académica de Espinho em seniores quando ainda tínhamos idade de juniores foi deslumbrante porque conseguimos arrastar toda a cidade para o pavilhão, a cidade parou, tínhamos vindo da II divisão, não éramos candidatos ao título, havia o Benfica, o FC Porto, Sporting, a Grunding, e acabamos por ser nós os campeões nacionais; há muitos momentos, não gosto de particularizar ou achar que um dos títulos vale mais do que o outro. Todos são importantes, fazem parte do meu currículo e trabalhei para eles da mesma maneira».

    Depois de falhar Pequim com o João, ainda fez parte do ciclo olímpico para Londres, com o Pedro Rosas. Quando o João decide parar, foi duro para si?

    «Sim. Eu já sentia o desânimo do João por causa das lesões. Ele teve alguns períodos bastante complicados, muito tempo de fora, muito tempo de recuperação. Quando uma pessoa tem uma lesão e passa muito tempo de fora a recuperar para voltar à competição, sabe que isso faz parte da competição. Mas quando isso acontece uma, duas, três vezes e ter que passar pelo mesmo calvário, tratamento de manhã, tratamento à tarde, não treinar, dias a fio…ele chegou a um ponto que achava que já não dava mais. Somos pessoas conscientes, sabemos que há alturas para tudo. Eu ainda jogo, ganhei recentemente a Taça de Portugal, mas sei que não sou o mesmo atleta de há 10 anos. Não consigo fazer as mesmas coisas e recuperar de um treino para o outro ou de um jogo para o outro da mesma maneira que fazia há uns anos».

    Quando decidiu continuar com o Pedro Rosas, sabia que não ia ser a mesma coisa?

    «Sabia. Sabia eu, sabia o meu parceiro e sabia toda a gente. Não há milagres. Eu e o João jogávamos praticamente de olhos fechados. Joguei porque ainda estava inserido no projeto olímpico e porque me sentia em condições. Eu e o Pedro ainda chegamos a fazer um 5º lugar numa etapa do mundial. Mas sabia que as coisas não seriam iguais».

    ©SL Benfica

    Voltou a estudar. Porquê e para quê?

    «Isso foi sempre uma vontade da minha mãe. Quando fui para o Sporting tinha o 10º ano e Só acabei o 12º quando voltei a Espinho. E entretanto, há dois anos apareceu este curso de Gestão do Desporto, no Instituto Superior da Maia, um amigo meu ia fazer e como tenho gosto por esta área, resolvi inscrever-me. Estou no 2º ano».

    Está a fazer o curso com que objetivo?

    «De colher mais informação para juntar àquela que já colhi enquanto atleta pelas organizações por onde passei. É outro tipo de ensinamento, mais organizacional. A nossa Academia tem um torneio gigantesco, que é o maior torneio para jovens em Portugal. O ano passado tivemos 3000 participantes de equipas do México, Brasil, Angola, Letónia, Holanda, Bélgica, só de Espanha tivemos mais de 100 equipas. E vai ajudar-me a organizar da melhor maneira esse torneio».

    De onde surge a ideia desse torneio?

    «Foi uma ideia que tive. Vi lá fora e achava que o nosso nome e o nosso percurso desportivo deveria ficar marcado cá dentro. Quando chamo o João para uma reunião com outras pessoas, nem ele sabia para aquilo que ia. Estaria a pensar que íamos fazer um torneio de quatro equipas como já existe. Mas não. Tivemos logo 56 equipas no primeiro ano. Conseguimos ir buscar equipas carenciadas a todos os lados. Conseguimos proporcionar momentos marcar a muitas crianças de Bragança, do Alentejo, dos Açores, do Algarve. Tivemos miúdos que viram o mar pela primeira vez, ao virem ao nosso torneio. São coisas que ficam marcadas para sempre».

    Tendo em conta o vosso percurso, estava à espera de mais apoio do Estado?

    «Obviamente que queremos sempre mais. Mas sou uma pessoa consciente, sei onde estou, sou de uma modalidade de voleibol, não sou de futebol, não estamos ligados a nenhuma agência com uma máquina de marketing atrás. Mas sou grato a todos os apoios e sei que as pessoas nos acarinham muito, não nos podemos queixar».

    O voleibol em Portugal está de boa saúde?

    «Está como as outras modalidades. O basquetebol não está melhor que o voleibol, o hóquei patins está porque tem Benfica, FC Porto e Sporting, mas o hóquei em patins em si não existe no mundo, só em Portugal e um bocadinho em Espanha. Os três clubes grandes é que comandam a qualidade ou a projeção que a modalidade pode ter».

    Tem pena que o Sporting não tenha investido no voleibol como o Benfica fez?

    «Claro que sim e o Benfica também deve ter pena do Sporting não investir porque o Benfica tem mais a ganhar do que estando sozinho».

    Já sondado pelo Sporting para ajudar a desenvolver a secção no Sporting?

    «Já falei com várias pessoas da direção do Sporting, mas não há nada mais do que isso. Sei que é uma bandeira desta direção para este novo mandato fazer regressar o voleibol, mas só isso».

    Aceitava fazer parte desse projeto?

    «Sou um profissional de voleibol, por isso estou disposto a tudo. Tudo o que seja para acrescentar algo ao voleibol, à minha carreira, nomeadamente num clube grande, obviamente que é bom. Mas não posso dizer que o meu objetivo é esse. Tenho de respeitar o clube onde estou, e estou muito bem, acabei de ganhar uma Taça de Portugal. Agora o voleibol português ia ganhar e o desporto em Portugal ia ganhar com a vinda do Sporting ou do FC Porto para a modalidade».

    ©Sporting CP

    O que é preciso fazer já para que o voleibol cresça?

    «É preciso ir para as escolas, atrair mais jovens, nomeadamente no masculino. Hoje em dia há uma carência muito grande no masculino».

    Porquê?

    «Por causa do futsal. Havia muitos miúdos que não tinham capacidade ou qualidade no futebol de 11 e agora já podem jogar no futsal. Esta modalidade tirou muitos atletas masculinos não só ao voleibol como ao basquetebol, andebol ou hóquei em patins. Já não é a mesma fartura que existia antigamente na formação. até porque hoje em dia paga-se para praticar desporto e antigamente não. Para além disso os pais querem que os filhos sejam quase todos futebolistas».

    No voleibol, ao nível da formação, os pais também pagam para o filhos mudarem de clube. Isso faz sentido?

    «Sou contra isso. Os pais pagam tudo. Pagam o equipamento, a mensalidade e as deslocações dos filhos aos jogos. Querem trocar de clube e ainda têm de pagar. Sou contra. Os clubes que formam miúdos que não pagam, como aconteceu comigo que não pagava nada e ainda recebia o equipamento e as viagens eram feitas no autocarro do clube ou da autarquia, se houvesse uma transferência e recebessem, achava normal, mas só nesses casos. Se eu colocar a minha filha a aprender inglês no colégio e no final do ano não gostar, eu pego nela e levo para outro lado, não tenho que pagar a transferência para sair de um lado para o outro. Porque é que no desporto se faz isso?»

    Pensa candidatar-se à liderança da federação?

    «Já houve essa possibilidade. Tenho competência, tenho ambição e tenho comigo um dever de poder ajudar a modalidade que me deu tudo. Por isso estou aberto sempre a tudo o que seja para acrescentar ao voleibol. Estou aberto a qualquer cargo. Já me falaram para ser candidato à presidência da federação, mas não é o momento, temos um bom presidente, que tem feito um bom trabalho. Mas é uma situação que no futuro poderá ser equacionada».

    A que se deve a sua longevidade no desporto de alta competição?

    «À posição que ocupo em campo, de distribuidor, pela genética e a sorte que tive em não ter muitas lesões».

    Já disse que não tem prazo de validade. Mas não tem um limite?

    «Não tenho objetivo nenhum traçado. Tanto posso deixar de jogar já, como daqui a uns anos. Tenho um curso de treinador de nivel 1,2 e 3».

    Gostava de ser treinador ou dirigente?
    «Não consigo precisar neste momento. Gosto de estar envolvido em projetos. Modéstia à parte acho que tenho apetência para as duas coisas. Pela minha vivência desportiva acho que consigo ajudar na organização de uma equipa, de um evento. Gosto de estar a coordenar, a organizar. Tenho vontade de fazer, tenho a iniciativa, não espero por nada. Mas também tenho o meu percurso desportivo, a convivência com muitos treinadores, com muito países, com muitos jogos, e por isso posso ensinar como treinador».

    Alguma vez chorou de alegria ou tristeza no voleibol?

    «Chorei na segunda medalha que perdemos nos JO».



    Portugal
    Miguel Maia
    NomeLuís Miguel Barbosa Maia
    Nascimento/Idade1971-04-23(53 anos)
    Nacionalidade
    Portugal
    Portugal
    PosiçãoDistribuidor

    Fotografias(14)

    Taça de Portugal: Sporting x Benfica

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