De pé direito, de pé esquerdo, com a cabeça, com o peito… fosse o que fosse. A melhor maneira para descrever Diego Forlán talvez seja dizer que foi um goleador, embora não o tenha sido sempre. Foi, isso sim, um batalhador durante toda a carreira, quer nos períodos de seca, quer perto do fim da carreira, quando ainda voltou ao Uruguai para conquistar o campeonato pelo seu Penãrol.
Para a história ficam as passagens por Espanha, ao serviço de um Villarreal entusiasmante e de um Atlético de Madrid mesmo à sua imagem, mas também aquele Mundial de 2010, na África do Sul, em que brilhou a alto nível, um ano antes de chegar ao topo da América do Sul ao serviço do Uruguai, país com o qual venceu uma Copa América. Forlán era um batalhador. Não desistiu, porque as circunstâncias obrigaram a que assim fosse e mesmo nos piores momentos foi capaz de olhar para o lado positivo e voltar sempre mais forte. Lenda no Uruguai, onde é um dos mais internacionais da história, Forlán é um ídolo e exemplo para muitos. Pelos golos e pela história de perseverança que tem associada. A carreira terminou em glória, pois Forlán foi mesmo um dos melhores avançados do Mundo a certa altura, mas esteve em risco de nem sequer começar.
O futebol no sangue de Forlán e a ajuda de... Maradona
Filho de antigos internacionais uruguaios, Forlán demorou até desenvolver apetência e amor pelo futebol. O pai é Pablo Forlán, internacional uruguaio 17 vezes, o avô era Juan Carlos Corazzo, antigo internacional uruguaio e selecionador do Uruguai quatro vezes. Uma herança pesada para Forlán, que, em pequeno, gostava mais de ténis do que de futebol.
Em 1991, a vida de Forlán mudou por completo. A irmã, Alejandra, teve um acidente de viação que vitimou o namorado e a deixou paralisada. Com contas para pagar, a família Forlán acabou por ser ajudada por um tal de Diego Maradona. A lenda do futebol argentino tinha uma relação de amizade com o pai de Forlán e acabou por ter influência direta na vida do filho de Pablo. O objetivo passava por seguir as pisadas da família, mas Diego Forlán ainda tinha muito para aprender.
Apesar de mostrar alguma apetência futebolística nas camadas jovens do Peñarol e do Danubio, acreditava-se que Forlán precisava de aprender muito para conseguir atingir o topo do futebol, por isso a família utilizou os seus contactos para procurar um novo destino para o jovem Diego. Depois de alguns meses de testes no Nancy, de França, Forlán acabou por ser dispensado. Era apenas o primeiro grande teste para Diego Forlán, o batalhador, que apesar da adversidade não regressou ao Uruguai.
Ainda na América do Sul, Diego encontrou espaço no Independiente, da Argentina, por onde já tinha passado o avô. A experiência não podia ter corrido melhor. Aos 18 anos, Forlán fazia parte da equipa principal da formação de Avellaneda e com o tempo começou a mostrar capacidades dignas de um verdadeiro goleador. Depois de duas épocas bastantes regulares na frente de ataque do Independiente, tinha chegado a hora de mostrar o seu talento no futebol europeu. O falhanço no Nancy não fez tremer Forlán, que admitiu ter ido para a Europa «demasiado cedo». Depois de 91 jogos e 41 golos pelo Independiente, o uruguaio foi disputado pelo Middlesbrough e Manchester United, mas acabaram por ser os Red Devils a ganharem a corrida. Anos depois de falhar em França, Forlán era jogador de um dos mais históricos clubes do futebol mundial, que, no inverno de 2002, não hesitou em pagar mais de 7 milhões de euros pelo uruguaio de 22 anos. Uma vez mais, a aprendizagem ia ser bastante dura… e demorada.
Lições duras culminaram na saída
«Sempre estiveste habituado a jogar a um nível e depois vais para uma das maiores ligas do mundo, onde a velocidade é muito maior, com os melhores jogadores do mundo e mesmo assim esperam que te destaques nos cinco minutos que jogas… eventualmente vais adaptar-te, mas vai acontecer muito devagar». As palavras são de Forlán, que sabe bem do que fala. O uruguaio chegou a Manchester a meio da temporada, num clube com van Nistelrooy e Solskjaer e a adaptação foi mesmo demorada. Tão demorada que Forlán, mais do que habituado a fazer golos na Argentina, acabou a metade da primeira época que fez em Manchester sem qualquer golo na conta pessoal.
Tal como tinha acontecido na fase de formação, Forlán mostrou precisar de tempo para se adaptar e para aprender coisas novas. A velocidade e técnica do futebol europeu eram diferentes e Forlán bateu de frente com a realidade, num clube habituado a ganhar, com jogadores de topo mundial e com uma concorrência ameaçadora. A dúvida voltou a pairar no ar. Depois de, tão novo, ter falhado no Nancy, será que Forlán não tinha sido feito para o futebol europeu?
É certo que Forlán acabou a época com 47 jogos no currículo, mas as 15 vezes que foi titular mostravam que Ferguson não confiava propriamente no uruguaio, que, ainda assim, aguentou mais uma época em Old Trafford, num ano de mudança em Manchester com a chegada de Cristiano Ronaldo. Para Forlán, a época começou como as anteriores e o uruguaio começou a temer pela carreira. Mais vezes suplente do que titular, o avançado fez apenas oito golos naquela que viria a ser a última época em Manchester. A chegada de Rooney, em 2004, fechou as portas de Old Trafford para o uruguaio, que decidiu tentar nova aventura europeia. Desta vez em Espanha, onde a adaptação se esperava mais fácil, não só pela língua mas também porque, apesar de muitas vezes suplente, já tinha alguma experiência europeia. Numa carreira ainda bem longe da ascensão, o uruguaio aproveitou a boleia do Submarino Amarelo para conseguir a afirmação europeia que há muito lutava por conquistar.
A Europa ficou, finalmente, a saber quem era Diego Forlán
Atendendo ao que tinha mostrado na Europa, especialmente em Manchester, onde não conseguiu ser regular apesar dos bons momentos – destaca-se o golo da vitória no importante dérbi com o Liverpool que o fez tirar a camisola, como tanto gostava de fazer (a regra do amarelo só foi imposta em 2003) –, Forlán excedeu claramente as expectativas quando chegou a Espanha. É certo que jogar no Villarreal não era o mesmo que jogar em Manchester, mas aquela entusiasmante equipa que brilhava no El Madrigal passou a ter como principal figura Diego Forlán.
As explicações do próprio para os 24 golos que fez na época de estreia em Espanha são simples: «Cheguei e joguei logo. 90 minutos hoje. Cinco dias de descanso. 90 minutos outra vez. Isso tornou tudo mais fácil para mim. Em Manchester não tinha espaço». De desvalorizado em Inglaterra a vencedor do prémio Pichichi e da Bota de Ouro, Forlán não tardou a ganhar a admiração dos adeptos do Villarreal e daqueles que viam os jogos do uruguaio de olhos azuis, cabelo longo, loiro e que marcava golos de todas as maneiras, ultrapassando Eto’o na reta final para o título de melhor marcador do campeonato espanhol. Em poucos meses tudo mudou.
Se, aos 28 anos, a história de Forlán parecia estar perto do fim, a verdade é que em Madrid ganhou mesmo um novo começo. Como foi comprovado ao longo dos anos, o uruguaio foi melhorando com a idade, com o tempo e com o espaço para crescer. Demorou para aprender o que precisava de fazer um avançado nos palcos europeus, mas quando chegou à capital de Madrid era já um jogador crescido. Os anos de ouro ainda estavam para chegar.
Espírito guerreiro nos melhores anos da carreira
Feliz em Espanha, onde pôde mostrar todo o seu futebol, Forlán continuou a brilhar e não acusou a pressão de saltar para um clube com maiores aspirações e com uma massa adepta mais exigente. O peso do crescimento dos colchoneros estava, acima de tudo, nas costas do uruguaio, que logo na primeira época ajudou o clube a regressar à Liga dos Campeões, com 25 golos em 56 jogos.
A camisola continuava vestida, ao contrário do que acontecia sempre que marcava em Manchester, mas a frequência dos golos de Forlán era maior do que nunca. Na época seguinte, o uruguaio voltou a ser o melhor marcador da Europa, com 36 golos marcados, mas o nível da equipa, ao contrário do de Forlán, não estava a subir. As dificuldades de aprendizagem ao longo da carreira, no entanto, fizeram do uruguaio um excelente professor. Apesar do negativo nono lugar alcançado pelo Atlético Madrid na época 2009/10, Agüero estava a conseguir afirmar-se, muito por influência de um uruguaio que ia ter a melhor fase da época mesmo na África do Sul e que, um mês antes, se estava a preparar para a grande prova da sua vida. Em Hamburgo, na final da Liga Europa, começou a consagração de Forlán, que bisou, as duas vezes a passe de Agüero, e devolveu o Atlético de Madrid aos títulos. Um dos momentos mais altos da carreira de um uruguaio que queria retribuir todo o carinho que recebia no seu país.
Esse foi um dos últimos grande momentos de Diego Forlán, que viria a deixar a Europa depois de uma experiência falhada em Itália, ao serviço do Inter. Seguiram-se etapas mais exóticas na carreira – Internacional, Cerezo Osaka, Mumbai City e Kitchee - , já numa fase descendente, que, ainda assim, serviram para aprender ainda mais (tirou um curso de treinador) e para cumprir um desejo de infância. Em 2016, Forlán regressou ao Uruguai, jogou no seu primeiro clube, o Penãrol, e sagrou-se campeão já com 37 anos. Nunca tarde, sempre na hora certa, mesmo ao estilo de Diego Forlán, o batalhador.