Beto apela à paragem na Turquia: «Isto vai mudar a história do desporto»

Num campeonato onde Portugal é o terceiro país mais representado - 13 na principal divisão -, vários têm sido os portugueses que entram em campo. O zerozero foi conversar com um deles. Beto, internacional português, guarda-redes e capitão do Goztepe, colega de equipa de André Castro, defrontou, na sexta-feira, o Kasimpasa, onde jogam Quaresma e Jorge Fernandes, mas preferia não o ter feito. Em declarações exclusivas ao nosso jornal, o guardião contou como têm sido vividos estes dias na Turquia e explicou que os jogadores têm reunido com uma vontade em comum: suspender o campeonato turco.

«A indicação que nós temos e aquilo que eu tentei fazer este fim de semana foi contactar os capitães das equipas para saber que tipo de posição os jogadores iam tomar. Sente-se muita preocupação por parte dos jogadores. No dia do jogo [sexta-feira] contactei o Emre, capitão do Fenerbahçe, que tem contacto mais direto com o governo e com o presidente da Turquia e a indicação que me deu a mim é que pelo menos o jogo de ontem [sexta-feira] e o jogo de terça-feira, contra o Rizespor, iriam ser efetuados, sem público, mas que iriam ser efetuados. Depois de terça-feira não se sabe, não temos informação nenhuma daquilo que pode vir a acontecer», começou por contar o internacional português, visivelmente preocupado, tal como os restantes jogadores.

«O que tento transmitir aqui é do conhecimento que tenho. Tenho família em Portugal, Suíça, França, Alemanha, gente conhecida em Espanha e obviamente que para já a situação aqui não é alarmante, mas o que tento transmitir é que de um momento para o outro, dada a falta de controlo, isto pode alastrar-se e expandir de uma maneira caótica. Há que prevenir e temos de prevenir. Os jogadores estão preocupados, existe contacto físico nos centros de estágio, preocupa muito. Tenho tido acesso a muita informação e preocupo-me».

©FPF/Francisco Paraíso

A preocupação é comum a todos e apesar dos esforços tem sido difícil escondê-la. Nas redes sociais, alguns jogadores pedem o encerramento do campeonato, até porque jogar futebol nesta altura não é assim tão fácil.

«[Ver o caso de outros colegas de profissão não preocupa?] Preocupa. Ontem, os jogadores mais experientes e o treinador tentaram transmitir uma mensagem de foco no trabalho, mas inconscientemente a maior parte dos jogadores preocupa-se. Isto é sério, não é hora de deixar ver o que vai acontecer, é hora de atuar, a minha preocupação é essa. Forçar para que as pessoas estejam nos seus lares, em ambientes controlados, com pouco contacto social. Hoje, o Obi Mikel colocou no instagram dele [pode ler aqui] a mostrar que estava contra, o Falcao também apoiou essa opinião e essa é a opinião geral dos jogadores. A preocupação é realmente muita», reforça o guarda-redes, que explica como estava o ambiente em Istambul no jogo de quinta-feira.

«Havia movimento fora do estádio. Os adeptos da minha equipa deslocaram-se até Istambul, os únicos cinco casos são em Istambul, e os nossos adeptos viajaram e ficaram da parte de fora a cantar as músicas e a apoiar o mais alto possível para que nós pudessemos ouvir dentro do estádio. Para mim, na minha opinião, isto não é futebol, acho que os grandes protagonistas são jogadores, treinadores, mas também são os adeptos. São eles que dão a real beleza ao estádio e ao ambiente. O que idealizo do futebol não é um estádio vazio», disse ao nosso site.

«As únicas medidas tomadas foram fechar negócios. Também foram fechados espaços públicos em Istambul, este sábado também cancelaram voos vindos da Alemanha, Bélgica, Suíça, Dinamarca, Noruega, Itália e Espanha. Essa foi uma das medidas tomadas pelo governo. Temos poucos casos, mas é incontrolável. Em Istambul são 22 milhões de habitantes, duas vezes o meu país, por isso acho que dos cinco casos...», atirou.

Com tantos portugueses a jogar na Turquia, o contacto tem sido constante, mas as dúvidas mantêm-se neste tempo de incerteza, até pela família que está longe, mas com a qual Beto tem falado todos os dias.

«Falamos, óbvio. A grande pergunta é "o que vai acontecer"? O que vai acontecer connosco e com as nossas famílias? Uma coisa é certa, independentemente de haver menos casos na Turquia - isto alastra-se a uma velocidade incrível e se calhar amanhã falamos e em vez de cinco casos já são 500 - a grande preocupação é o que vai acontecer. Nós não estamos no nosso país, no nosso ambiente, com os nossos serviços hospitalares. Se acontecer alguma coisa? Há preocupação, há muita gente com filhos, algumas das mulheres de alguns colegas estão grávidas, nas últimas semanas de dar à luz e há apreensão e preocupação. Perguntamos o que vai acontecer, o que temos de fazer. Tenho a certeza que isto vai mudar a história do desporto e a Turquia não pode fugir à regra, vai ter de parar também», assegurou.

Internacional português pediu cautelas

«Contacto com os meus familiares diariamente, ligo a muitos médicos também. Há muita informação, mas prefiro ir à fonte e faço muitas ligações a médicos para tentar perceber o que posso transmitir à minha família a nível de medidas e o que tento dizer é que mais vale sacrificar 15 dias de trabalho do que alastrar. Se isto não se pára a tempo terá dimensões catastróficas, na minha opinião. A mensagem que tento passar é que para já está tudo bem, mas é preciso fazer com que continue bem. Temos de tomar as medidas que aconselham, que é ficar em casa e sair só em caso de necessidade».

A nível pessoal, Beto vive com a esposa e a filha. O desejo passava por viajar para Sevilha, onde o casal tem casa e família, mas a situação em Espanha obriga a uma cautela máxima.

«Tenho falado muito com a minha esposa, ela está imensamente preocupada. Temos uma menina pequenina. Obviamente que ela quer ir para casa, em Sevilha, onde estamos a fazer a nossa casa e quando acontece alguma coisa queremos estar perto dos que confiamos, daqueles que sabemos que vão lá estar para qualquer coisa, mas o que é certo é que neste momento Espanha está pior do que a Turquia. Tudo o que está a acontecer é imprevisível, muito cru, se os próprios médicos não sabem o que devem fazer em algumas situações quanto mais nós que somos leigos nesta informação. Tento informar-me, aconselhar-me, atuar e consciencializar as pessoas para que tomem as medidas, mas há que haver responsabilidade e consciência individual de cada um», pediu.

Para finalizar, lembramos o pedido de John Obi Mikel. O médio do Trabzonspor não quer jogar futebol desta forma. Beto subscreve a mensagem por completo.

«Parava já. Por mim já tinha parado a partir do momento em que se colocou o alarme mundial. Acho que a primeira medida a ser tomada é ficar em casa, em isolamento total das pessoas, contacto, sair só o obrigatório. São duas semanas? O que for, não importa. Amo o futebol, mas amo muito mais a minha saúde, da minha família e a de qualquer pessoa. Nada é mais importante do que a saúde. Para mim já tinha parado, não tinha jogado ontem, mas sou empregado de um clube e tenho de acatar as ordens do meu patrão», finalizou.

Uma entrevista que fugiu um pouco aos temas habituais do futebol, que ficaram prometidos para um futuro próximo. Terminamos o artigo tal como Beto se despediu da nossa chamada: «Cuidem-se».

Custa ficar longe da família, custa. Custa ficar longe dos amigos, custa. Custa ficar em casa longe do que nos faz viver. Mas o que custa agora custará menos quando pensarmos que estamos a prezar pela longevidade de todos. Sigam as normas e vamos lutar para travar este perigo. pic.twitter.com/ebrlFVMRb0

— Beto Pimparel (@BetoPimparel) March 14, 2020