Em Sintra, a Taça preparou-se com um presidente/adepto infiltrado... em Guimarães

O tempo passa depressa. Quando Dinis Delgado decidiu fundar o Sintra Football dificilmente sonharia que, apenas 12 anos depois, iria estar a jogar a terceira eliminatória da Taça de Portugal, logo diante do Vitória SC, uma das equipas com maior tradição em Portugal, mas a verdade é que é isso que vai acontecer.

Em casa emprestada, como desde o início, o Sintra Football dá mais um passo inacreditável numa história também ela recheada de momentos inacreditáveis e inesquecíveis. O dia 19 de outubro vai ficar na memória daqueles que pertencem ao clube desde as suas fundações e daqueles que chegaram há pouco tempo, mas já perceberam o que é o Sintra Football. O zerozero falou com Dinis Delgado, presidente e fundador do clube, e também com Filipe Leão,  jogador mais experiente de um grupo que, tal como o Sintra Football, é jovem e tem ainda muitos sonhos pela frente. 

«É um clube que eu também não conhecia, só de nome. Sabia que era um clube recente, formado pelo Dinis, o nosso presidente e é um clube que não conhecia de todo. Neste momento posso dizer que já conheço bem. Vou ser sincero. Nas últimas duas épocas fiquei um bocado triste, não sentia tanta vontade de continuar a jogar e desde que vim para o Sintra ganhei essa vontade, essa felicidade que não senti nos últimos dois anos anteriores. É um clube que nos dá muito colinho, que as pessoas respeitam muito os jogadores, estão sempre em cima dos acontecimentos, a ver o que necessitamos. Às vezes não é o dinheiro que conta, basta um abraço para o jogador se sentir bem. Isto é o Sintra», começou por nos dizer o antigo guarda-redes de Estoril Praia, Estrela da Amadora e Sintrense.

Na reportagem que fizemos com Dinis Delgado, o presidente também falou em colinho. Afinal, o que é isso do colinho? Filipe Leão dá exemplos.

«Vejo o presidente a dar abraços a jogadores. Isto não se vê noutros clubes. Quem diz presidente, diz o treinador, o roupeiro, que nos ajuda a pôr água na mesa, sempre com palavra de conforto, a perguntar se está tudo bem. Estão sempre nisto e o jogador gosta, sente-se acarinhado. É um clube familiar e sentimos isso. Tentam dar-nos tudo o que conseguem. Carregadores para o telemóvel dentro dos balneários, tentam dar os possíveis e os impossíveis», explicou ao nosso site.

«Alguns jogadores trabalham, muitas vezes levam o almoço nuns tupperwares que arranjam para quem não tem tempo de almoçar, vai para o trabalho e levam para comer no caminho. Preocupam-se com pequenos pormenores que fazem muita diferença. De manhã chegamos temos o nosso pequeno almoço, temos equipamentos nos lugares. É um clube que veio das distritais e está habituado a isso. Chegamos e sentimos que estamos em casa», completou.

Filipe Leão chegou esta época, mas a adaptação não podia estar a correr melhor ©Club Sintra Football

«No sábado vou estar com uma bandeira de 4 metros por 5»

Já deu para perceber que no Sintra há lugar a muitas histórias especiais, mas o capítulo que aí vem é diferente. No Municipal de Oeiras, o «bebé» de Dinis Delgado vai receber o histórico Vitória SC. Filipe Leão destaca a evolução, já o presidente deixou um aviso para o jogo de sábado.

«Há poucos anos estava a jogar no INATEL e agora vai disputar a Taça de Portugal com o Vitória SC. As pessoas que estão aqui não imaginavam isto, mas é um prémio justo pelo trabalho», disse o guarda-redes, que nas bancadas terá um adepto muito especial.

Dinis Delgado está habituado a dar tudo pelo clube e a ser, também, o primeiro adepto do Sintra Football. No sábado não será diferente: «Nunca vi um jogo do Sintra numa tribuna presidencial, normalmente costumo estar no som, nas substituições, a dar motivação, mas no sábado, pelo menos durante dez minutos, vou estar com uma bandeira de 4 metros por 5. É o que me apetece fazer, fui eu que fundei o clube. Lembro-me de estar na bancada com uma tocha na mão quando o Sintra entrava em campo e depois a malta dizia que não podia estar assim porque, um dia, quando chegasse à primeira distrital, o lugar era no camarote. E eu dizia: "mas porquê? Eu sou o adepto número um, ninguém gosta mais disto do que eu, por que é que não posso passar lá para fora esta energia, porque não posso ser eu próprio?», questiona.

Semanas antes da partida, o presidente do Sintra Football já testou os adeptos adversários, isto depois de ter sido convidado para assistir à partida da Liga Europa entre o Vitória SC e o Eintracht Frankfurt. Que clube é este? A pergunta veio... do próprio presidente.

Dinis Delgado já pregou umas partidas aos adeptos vitorianos ©Club Sintra Football

«Chegámos um bocadinho antes [a Guimarães], estacionámos e qual era a nossa brincadeira? Eu e dois vice-presidentes andávamos pela rua, punhamos pronuncia do norte e iamos perguntar que equipa é aquela que vai jogar com o Vitória SC na Taça. As respostas eram do género: "Epá, essa é a equipa B do Belenenses, é o antigo Sintrense que mudou de nome e agora é SAD", outros diziam que não faziam ideia, que era uma equipa nova, outros diziam que era um maluco lá em baixo. No final acabámos por ir jantar a um sítio com pessoal da claque, a olharem para nós e acabámos por dizer que eramos da direção do clube. Eles a olharem para nós enquanto bebíamos a nossa cervejinha. Acabou por ser um convívio giro. Todos sabem quem é o Coimbrões, o Alverca, mas depois aparece um Sintra Football. Isto é um conto de fadas que a gente está a viver», diz, orgulhoso.

Os últimos dias têm sido atarefados, mas em Oeiras não vai faltar nada para receber o Vitória SC e os seus adeptos. Filipe Leão só tem elogios para as condições que encontrou no Sintra Football e para o grupo, que, garante, está recheado de valores e muita amizade.

«Quando vim para cá pensei que ia ser um entrave. Estamos no Estádio Municipal de Oeiras e eles até nos arranjaram uma sala nuns contentores, nem parecem contentores, parece mesmo uma sala e é onde comemos, temos a nossa televisão, a nossa playstation. Temos tudo. Temos um balneário só nosso, grande, pusemos lá rouparia, arrumos. Temos tudo, parece mesmo que estamos na nossa casa. Aquilo é do Oeiras mas nem parece, parece que estamos no nosso estádio».

«O grupo acolheu-me bem. Cheguei aqui com 35 anos e encontro miúdos com 20-22 anos, quase da idade do meu filho, mas senti-me muito bem, receberam-me com carinho. São miúdos trabalhadores, brincalhões, mas é uma boa família. É um grupo jovem, mas já sinto muita maturidade. Quando vim para cá pensei "vou levar boladas, vêm da distrital". Não conhecia, com todo o respeito pela distrital, mas agora vi que há valor. Eu cheguei ao clube e vi que os miúdos têm muita qualidade, é um grupo muito amigo. O Sintra fez bem em ter a base do ano passado, há amizade lá dentro e isso faz a diferença dentro de campo. Temos aqui muitos miúdos capazes de chegar a outros patamares», garante.

«Que venha o Benfica, mas agora na Luz»

O Vitória SC já passou duas vezes pela carreira de Filipe Leão. O guarda-redes ganhou uma vez, perdeu outra e agora deixa conselhos aos colegas de equipa, até porque pode muito bem «haver Taça».

©Club Sintra Football

«Eu digo para desfrutar do jogo, mas com cabeça, não é na brincadeira. É a primeira vez de muitos. Por acaso é a terceira vez que os encontro para a Taça, ganhei uma vez e perdi outra. Desfrutei, com respeito pelo Vitória SC, com concentração. Vamos agarrar-nos às probabilidades. São miúdos de 22 anos e às vezes basta estes jogos para ser o empurrão na carreira. Esse é um dos conselhos que lhes dou. Espero que venham muitos adeptos de Guimarães, que venham muitos de cá para nos apoiarem e vamos esperar que haja Taça. Acho que pode haver. Ser sintético é uma contrariedade para eles e um mau dia deles pode ser um excelente dia nosso. É agarrarmo-nos a esses fatores. A pressão está do lado deles», garante.

Para finalizar ambas as entrevistas, perguntámos o mesmo a presidente e guarda-redes. No final do jogo, se o zerozero lhes ligasse, o que gostariam de ter para contar? Filipe Leão quer estar sem palavras e receber os parabéns, já Dinis Delgado tem um sentimento ligeiramente diferente.

«Gostava de dizer que o sonho se mantém vivo. Que venha o Benfica, mas agora na Luz. Organizar isto tudo dá muito trabalho [risos]».