Hachioji, arredores de Tóquio. Uma pequena cidade à parte da capital, uma espécie de fronteira entre a selva urbana e a natureza. Para leste, ali a 40 quilómetros que se fazem bem de comboio, o néon da metrópole. Logo a oeste, lagos e montanhas, o cume branco do Monte Fuji a dominar a paisagem. No meio, Shoya Nakajima, um miúdo que aos seis anos já não vivia sem futebol.
Jogar com os colegas na escola primária não chegava, a família fez-lhe a vontade e inscreveu-o no Matsugaya FC, um pequeno clube para os miúdos da zona. Hiroshi Komatsu, treinador de então do pequeno Shoya, recordava ao portal japonês Junior Soccer «uma criança tímida, que se escondia atrás da mãe quando um adulto falava com ele».
«Nessa altura não tinha habilidades extraordinárias em comparação com outras crianças, mas quando perdia desatava logo a chorar. Nisso era diferente». Um para um, dois para dois, cinco para cinco. Não fazia diferença, Nakajima «odiava perder» em qualquer contexto. «Também jogava com crianças mais velhas e com adultos. E se havia alguma coisa que não conseguia fazer, praticava muito e dominava essa técnica uma semana depois».
«Chegámos ao estádio, todos nós vestidos com uma camisola da seleção jovem, e por alguma razão o Shoya tinha uma bola com ele», recordava Fumiya Hayakawa, então colega de Nakajima, à revista japonesa Number. «Porque é que estás a segurar uma bola?, perguntei-lhe... e de repente ele desata a fintar os outros espectadores, nos sítios por onde caminhavam. E fazia isso extremamente bem... [risos]».
«É um episódio que mostra que o Nakajima adora o futebol. Como o Tsubasa». Yuta Saito é quem nos direciona para os episódios acima e é quem o diz, recordando a célebre personagem de manga e anime. Fundador do site FutePor, dedica todo o tempo possível a divulgar no Japão, através deste meio, o futebol português. Viveu no Porto, voltou a casa, levou consigo a ligação emocional ao nosso país e ao nosso desporto, que junta ao conhecimento profundo do futebol do país do Sol Nascente. Conversa com o zerozero, ajuda-nos a perceber com mais detalhe quem é Shoya Nakajima além do drible rápido e do sorriso rasgado.
O agora dragão já não tem seis anos, nem 12. Tem 25. Mantém a paixão pelo futebol, pela bola, pela finta, e podemos agora falar dos grandes golos que já fez entretanto, dando o exemplo deste aqui acima pelo Portimonense. Foi depois desse golo, aliás, que o zerozero fez questão de conversar com o craque japonês em exclusivo (recorde aqui). O primeiro golo com a camisola do FC Porto foi menos vistoso, mas aconteceu. Aconteceu por fim, contra o Santa Clara, e tirou um peso de cima dos ombros do japonês.
Nakajima tem conquistado espaço no plantel e parece estar por fim a agradar a Conceição enquanto 10, nas costas do ponta-de-lança. Mas também não podemos ignorar o que ainda pode ser corrigido, com os tais 25 anos... e não só na ótica de Conceição. Para Yuta Saito, diga-se desde já, Shoya Nakajima está «no clube ideal» para aprimorar o seu futebol.
«Uma das suas fraquezas no ponto de vista ofensivo é que ele tende a querer ter demasiado a bola. No FC Porto tem de aproveitar os companheiros como o Alex Telles, para criar mais oportunidades. Tem de melhorar a tomada de decisão e continuar a potenciar ao máximo os pontos fortes. Do ponto de vista defensivo, tem de melhorar um pouco o posicionamento e também a tomada de decisão. Se superar estas fraquezas, penso que pode chegar a clubes maiores, com a qualidade que tem a driblar e a marcar golos».
Apesar do protagonismo que começa a conquistar, Nakajima parece continuar a ter uma lista de afazeres, caixinhas nas quais dar check: para Yuta Saito, se o fizer não só sairá valorizado no clube como terá um papel de maior destaque na seleção japonesa.
«O Nakajima é agora um dos jogadores mais importantes na seleção, joga no lado esquerdo. [No Japão] espera-se que seja um craque da seleção como antigamente eram Keisuke Honda e Shinji Kagawa. Acho que é hora de ele superar as fraquezas que descrevi e de se tornar um jogador com um nível mais alto a nível mundial», vinca Yuta Saito.
Há outra conclusão a que chegamos em conversa com Saito-san: Shoya Nakajima não é o jogador-sensação no Japão. E isto porque atravessamos uma fase que entusiasma qualquer fã japonês do desporto-rei, com jogadores nipónicos nos clubes de elite da Europa. Acima de todos no hype esteve, nos primeiros meses, o merengue Takefusa Kubo (emprestado ao Mallorca). Agora os holofotes e a atenção nos canais televisivos voltaram-se para o mais recente reforço do Liverpool: Takumi Minamino.
Já antes, porém, o FC Porto era o clube português «mais conhecido» no Japão, segundo nos explica Saito, que apresenta dois motivos: «Primeiro, porque é o antigo clube de José Mourinho. Ele é um dos treinadores mais famosos no Japão, há muitos fãs dele. Segundo, porque é o antigo clube do Hulk, que jogava na J-League - no Tokyo Verdy, antiga equipa do Nakajima». Com a Liga portuguesa a ser «reconhecida no Japão como uma fonte de talentos para as maiores Ligas, como Espanha, Inglaterra ou Itália», espera-se agora no Japão que Nakajima venha a chegar à crème de la crème da Europa depois do Dragão.
Não podíamos deixar passar a oportunidade de perguntar a quem acompanha de perto o futebol japonês, e a J-League em particular, quem poderão ser os próximos craques a chegar à Europa... e, quem sabe, mais algum jogador interessante para clubes portugueses?
Mais à mão de semear no imediato poderão estar outros nomes que dão cartas na J-League: Tatsuya Hasegawa (Kawasaki Frontale), Teruhito Nakagawa (Yokohama Marinos), Kyogo Furuhashi (Vissel Kobe) e Naoki Maeda (Nagoya Grampus) são nomes nacionais que se destacam pela «qualidade individual», mesmo sem serem presenças habituais na seleção. A principal recomendação de Saito, no entanto, é um gaijin, ou estrangeiro: o tailandês Chanathip Songkrasin (Consadole Sapporo). Destaca-se pelo drible veloz, pela capacidade de marcar golos. Faz lembrar alguém?
Ficam as sugestões, para já é Nakajima quem se mostra debaixo dos holofotes deste lado do mundo... e já festeja golos.
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