A última época foi de festa nesta cidade do distrito da Guarda. Conquista do campeonato distrital, presença na final da Taça da AF Guarda, perdida apenas nos penáltis, e a subida de divisão ao Campeonato de Portugal em cima da mesa. O natural, depois de vencer o campeonato distrital e subir aos nacionais, não? Devia ser, mas não o é. A dúvida paira na cabeça dos responsáveis de clubes que, como o SC Mêda, têm de fazer contas a cada deslocação, a cada refeição, a cada excesso.
Em Lamego, no distrito de Viseu, o Sporting local, com mais recursos económicos - «um orçamento três vezes superior ao do SC Mêda» - humanos e materiais, optou por permanecer nos campeonatos distritais, mas não foi assim na Mêda. Conquistado o campeonato, a subida foi tema de debate no clube, como contou ao zerozero João Pimenta, jogador da equipa sénior e treinador dos juniores do SC Mêda.
«O clube perguntou aos jogadores que faziam parte do plantel, mas as pessoas que estão de fora também influenciaram um pouco a decisão. Perguntavam: "Então ficámos em primeiro lugar e vamos competir no mesmo campeonato? Porque é que não vamos para cima? É uma montra para o futuro, para as empresas, para a terra"».
Decisão tomada. O Mêda foi representar o distrito da Guarda no Campeonato de Portugal, mas as dificuldades foram notórias desde início e o lado consciente começou a pesar naqueles que antes puseram os sentimentos à frente da lógica.
«As mesmas pessoas que apoiaram a subida, se calhar, quando os resultados começaram a não aparecer foram as primeiras pessoas a pôr em causa a subida. Numa primeira fase fizeram força, depois do campeonato começar, ao fim de um mês, foram as primeiras a dizer que foi um erro tremedo ir para o Campeonato de Portugal», concluiu o ex-jogador de Sporting da Covilhã, Naval e Portimonense, que acrescenta: «Acredito que também haja uma pressão grande por parte da AF da Guarda, porque se não subíssemos a AF Guarda não ficava representada no Campeonato de Portugal, tinham de ir repescar uma equipa à AF Aveiro ou à AF Porto, que têm maior número de equipas».
Para grande parte dos jogadores do SC Mêda, que não pensam em fazer do futebol a principal profissão, a oportunidade de subir ao Campeonato de Portugal era difícil de rejeitar, «acontece uma ou duas vezes», como admitiu João Pimenta, mas as questões orçamentais impossibilitam o equilíbrio de forças e as comparações são inevitáveis.
«Não dá para comparar com um clube da zona do Porto ou da zona de Aveiro. Até comparo com equipas próximas, como o Penalva do Castelo ou o Lusitano, que têm orçamentos ao nível do Campeonato Nacional e nós temos ao nível de uma distrital. Já estive na Série C e na Série A e, na minha opinião, a Série B é a mais competitiva. Os clubes têm jogadores com qualidade e a nível populacional conseguem um maior recrutamento de atletas, se calhar a baixo custo», explica.
Apesar de nacional, grande parte das equipas do Campeonato de Portugal são formadas por atletas da região. Quando assim não é, a questão financeira volta uma vez mais à mesa e, aí, o SC Mêda, como tantos outros, não consegue aliciar os jogadores a deslocarem-se para o interior do país.
«Quando um jogador quer vir para a Mêda exige valores, porque vai sair de casa, vai para o interior, exige valores ou condições que o clube não consegue disponibilizar - casa, alimentação, etc. Isso tem de ser tudo contado até ao último cêntimo», reforça.
Desengane-se aquele que, ao ler os parágrafos anteriores, pensa que o dinheiro impede os lutadores de sonhar. Se «o amor move montanhas», o amor pelo futebol e pela terra que os viu nascer é capaz de mover isso e muito mais. Muitas vezes, toda a luta, todo o sacrifício, não tem reflexo nas tabelas classificativas ou fichas de jogo que consulta no final do dia de domingo no zerozero, mas o orgulho vai para lá dos três pontos.
«Vemos equipas que trazem dez pessoas a acompanhar a equipa - treinador, adjunto, treinador de guarda-redes, diretor, etc -, na nossa andam três ou quatro, que também andam noutros escalões», conta o experiente jogador.
Poucas pessoas? Talvez sim, mas quem vai à cidade de Mêda sai, certamente, com boa impressão. O que tem e o que pode, o clube dá: «Em termos de infraestruturas o clube está bem. O estádio tem qualidade suficiente para o campeonato nacional. Os balneários, se calhar, são melhores do que os de alguns clubes. O nosso balneário é o nosso... é a nossa cara, é aquilo que podemos dar», admite, com orgulho, mas consciente: « Podemos dar isso, a vontade e a garra, mas só isso não chega...».
Toda a vontade e todo o sacríficio resumido em apenas um ponto. Com um plantel curto (na receção ao Amarante estiveram apenas 15 jogadores) e jovem, o SC Mêda não venceu qualquer um dos 22 jogos que disputou na Série B do Campeonato de Portugal, tendo apenas empatado (1x1) na receção ao Coimbrões.
Matematicamente, a manutenção é possível, mas uma miragem. Apesar disso, na Mêda ninguém quer «participar por participar» e há objetivos traçados para orgulhar jogadores, dirigentes, adeptos e população da cidade, que aguarda ansiosa pela primeira vitória do seu Sporting.
«Sabíamos que a manutenção ia ser quase impossível, mas tínhamos uma barreira de pontos que queríamos alcançar e depois pensar mais alto. Não conseguimos atingir os objetivos iniciais, mas continuamos com objetivos de terminar o campeonato com uma vitória em casa, uma ou duas, e conseguir chegar aos 12 pontos. Com os jogos que faltam, com a escassez de plantel, esse tipo de objetivos tem de estar presente. Não queremos participar por participar», atira.
Conhecedores da realidade do futebol no interior do país, fomos mais além. Os limites do Campeonato de Portugal e do futebol sénior foram ultrapassados e voltamos atrás no tempo. Quantos dos que nos leem não passaram por aqui: a formação. Equipamento para lavar em casa, treinos à chuva, campos impraticáveis, água fria... felicidade. Nostalgia. Lembra-se, portanto, das dificuldades por que passou? Elas continuam e a formação no interior do país permanece um poço sem perspetivas de futuro, ignorada por muitos, esquecida pela maioria. João Pimenta sabe do que falamos, ele que é treinador da equipa de juniores do SC Mêda.
«Nós temos escolinhas, infantis, iniciados e juniores. Metade do plantel de juniores é composto por juvenis, o que depois, em competição, cria muitas dificuldades», começa por contar, referindo-se às enormes diferenças fisicas entre um jogador de 16 e outro de 18 anos, mas as dificuldades não ficam por aqui.
«As equipas são esquecidas, não são apoiadas. Na formação, os clubes que sobem, no ano a seguir descem outra vez. Formam uma equipa que é muito forte na distrital, mas depois, em comparação com as outras equipas dos outros distritos são muito inferiores. Não há competitividade».
Já percebeu, portanto, que por trás de apenas um ponto há muita história. História essa que não se passa apenas na Mêda, ou em Lamego. Por todo o país, são inúmeros os casos de equipas a sobreviverem por amor, mesmo sem que muitos não saibam que elas existem. Por fim, o que pode ser feito? João Pimenta deixa uma ideia, que, lamenta, «é praticamente impossível».
«Acho que havia de existir uma ligação maior do órgão máximo do distrito, a AF Guarda, para promover um campeonato mais competitivo. Podiam criar a equipa representante do distrito da Guarda, fazer uma seleção distrital para competir, ter melhores resultados e potenciar muitos mais jogadores. Aqui, no distrito da Guarda, havendo ligação entre os clubes, a rivalidade ficava nos seniores, mas na formação tem de se potenciar o que há no distrito para, em vez de um dia termos um ou dois jogadores na Primeira Liga, haver vinte ou trinta».
Aguardamos por esse dia, caro João.