*Isaque Peixoto
Dia 8 de março, dia Internacional da Mulher. O zerozero decidiu mostrar que o sucesso futebolístico chega também por obra de mulheres e no nosso país vizinho há um excelente exemplo disso. Veja a história.
O fenómeno de Leganés: É mais uma temporada no escalão principal, a segunda desde a sua fundação, e até eliminou o “todo-poderoso” Real Madrid nos quartos-de-final da Taça do Rei. Nascido na metrópole de Madrid, em 1928, podia até ser “mais um” no meio dos monstros de Madrid, mas não o é, de todo. Tal como Rayo Vallecano e Getafe, por exemplo, o Leganés é, à semelhança dos dois, um clube que não vive à sombra de nenhuma equipa. Tudo se deve à mentalidade regionalista e bairrista de Espanha que contribui para um bom espetáculo dentro e fora dos relvados.
Mas não é isso que interessa. Surgiu-nos a curiosidade de investigar como e onde provém este sucesso tão recente. Um trabalho realizado por uma mulher que está a dar frutos, uma autêntica estória que vai ficar para a história do clube. Palavra chave? Algo que os portugueses estão bem habituados, devido ao nosso passado recente: Austeridade. Já vamos conhecer as razões.
Graças à “mãe” (como é apelidada pelos adeptos), deu-se a reviravolta na coisa: Rúben Fernandéz (ex-presidente) passou o clube para Felipe Moreno Romero na temporada 2008/2009, empresário e marido de Victoria, que por sua vez, nomeou a mulher ao cargo de presidente. Ambos colocaram de lado o seu cargo de gerência no negócio de imobiliário que compartilhavam e aventuraram-se num projecto que era um autêntico “buraco sem fim”. No entanto, foi criado ali um “negócio de família”: cercou-se de pessoas que confiava, tudo pessoal próximo (desde do filho à própria irmã), uma estratégia que pelos vistos resultou na perfeição. Mas não ficamos por aqui: Foi ela quem tem promovido ao longo da sua estadia uma política de comunicação para recuperar a massa associativa na cidade, que já aparentava ter “desistido” do clube. Um clube que até passou por lá Samuel Eto’o, imagine só.
Apesar de um projeto bem-sucedido, nada surgiu da noite para o dia. Foi no terceiro escalão que a equipa madrilena permaneceu durante 5 anos após a sua entrada, apesar de presenciar uma consistência na parte superior da tabela classificativa durante essas temporadas. Foi um processo demorado, que a médio prazo deu frutos de um grande esforço interno. Em 2010/11 surge pela primeira vez nos play-off de promoção para a Liga Adelante, onde foi logo eliminado na 1ª fase no encontro frente ao Badalona (perdeu 1x2 na primeira mão e venceu 1x0 na segunda). Foi o inicio da pressão para rumar à segunda liga: O “projeto” começou a ter pernas para andar e os patamares de exigência foram aumentando gradualmente. Dois anos depois, na temporada 2012/13, após o grande sucesso na fase regular ao ocupar a 2ª posição da serie “G1”, foi novamente na primeira fase dos play-offs que ditou a eliminação do Leganés, desta vez pelo Lleida Esportiu, pela margem mínima (3x2), no total das duas mãos.
A sorte não estava no lado dos Pepineros e morava a ansiedade de voltar ao segundo escalão, coisa que já não acontecia desde 2004: precisamente quando os problemas financeiros começaram a surgir. Mas a persistência era a alma da conquista desportiva, e foi no ano seguinte (2013/2014) que, finalmente, o Leganés voltou aos campeonatos profissionais com uma vitória na fase final dos play-offs por 2x1 (1x0 na primeira mão e 1x1 na segunda), frente ao CE L´Hospitalet.
O clube cumpre a sua temporada consecutiva na primeira divisão, as únicas presenças na sua biografia: A primeira envolveu bastante sofrimento para a manutenção (17º lugar a quatro pontos da descida); a segunda e atual, um pouco o oposto. A formação orientada por Asier Garitano conta com 33 pontos à jornada 27 e está tudo pronto para voltar a fazer história na cidade de Leganés, deixando cerca de 190 mil pessoas orgulhosas do seu clube. É destes momentos de superação que o futebol precisa, e este, não é caso único de certeza.
No nosso país vizinho, clubes com problemas financeiros é o “pão nosso”, podendo até destacar vários casos nesta última década: La Corunha, Bétis, Málaga, Racing Santander, Zaragoza, Mallorca e Levante. Poucos exemplos face à quantidade que existe num oásis dominado pelo Real Madrid e Barcelona. Alguns dos referidos recuperaram, outros ainda têm dificuldades, mas nenhum era um autêntico "desconhecido" no mundo do futebol como o Leganés.
«Quando chegamos à segunda divisão, tudo começou a ser diferente. Vamos para o futebol profissional e por consequência começamos a gerar mais dinheiro. Mas aí é que temos de gerir e não deitar o esforço fora. Se isso tudo compensa pessoalmente? É uma resposta difícil. É preciso muita dedicação e por muito tempo. Deixar de lado muitas coisas da vida em função do clube. Mas os acontecimentos nestes últimos anos compensaram todo o esforço, uma vez que crescemos e os frutos surgiram, com a promoção para a segunda e primeira divisão», realçou Maria Pavón, em entrevista ao El País.
Contudo, tudo isto foi fruto de uma palavra que os portugueses não querem ouvir: austeridade. Mas foi essa a fonte de todo este êxito desportivo e financeiro, de acordo com as palavras proferidas pela presidente do clube.
«O segredo foi a austeridade. Baixar todos os custos e fazer o que estava a falhar. Mas, acima de tudo, não gastar mais do que é necessário, nem um cêntimo. É muito difícil fazer um clube que não gera quase nada de renda sobreviver se não existir injeção de dinheiro», referiu.
«O Futebol é um mundo muito complicado de comandar, tudo é imprevisível. Nunca se sabe o que o que pode acontecer no futuro. Também é preciso sorte, principalmente nos negócios com os jogadores e treinadores. Mas também é preciso ter olho e saber escolher. Em todo o caso, o meu objetivo não é ganhar dinheiro com o futebol», acrescentou.
Maria Pavón é a única mulher que atualmente comanda um clube no principal escalão de Espanha, sendo uma demonstração de superação e sucesso. Segundo a mesma «é comum ver mulheres por todas as partes hoje em dia», e que «não existe qualquer descriminação em ser mulher e liderar um clube. É preciso ter em conta que durante anos o futebol tem sido um mundo muito masculino. Felizmente, isto está a mudar», terminou.
Uma prova viva que a evolução dos tempos traz coisas novas, para melhor, e este caso é um bom exemplo disso.