O treinador português de 32 anos emigrou para Myanmar depois de duas experiências em clubes históricos em Portugal – Olhanense e Académica. Para trás, no início da carreira, ficaram aventuras em clubes de topo do futebol europeu, nomeadamente na formação da Lazio e da Juventus, e que foram fundamentais para definir o seu modelo.
«Foram anos de aprendizagem contínua, onde formulei os meus modelos de treino e de jogo que me são úteis para enfrentar os problemas que encontro nos dias de hoje. Passei alguns sacrifícios, mas foram fundamentais para prosseguir a minha formação como treinador de futebol», explica Fabiano Flora, em conversa com o zerozero.
O choque cultural foi «enorme». Religião, alimentação, estilo de vida… Estas foram apenas algumas questões que Fabiano teve de ultrapassar num país que foi durante muitos anos reprimido e orientado pelas forças militares, algo que tem vindo a ser alterado desde a entrada de Aung San Suu Kyi, prémio Nobel da Paz em 1991, para o governo.
«Grande parte da população vive nos limiares da pobreza. É impossível passar indiferente a determinadas situações. Fiz o que qualquer um fazia [n.d.r. comprou material escolar para 89 crianças carenciadas], sobretudo quando se trata de crianças órfãs. Felizmente muitos dos monges [budistas], através das suas ações diárias, conseguem ajudar os mais necessitados. No entanto a solidariedade nunca é suficiente para com os demais», confidencia o treinador viseense, que ficou desde logo encantado com a beleza dos templos budistas.
«Os templos são surreais...Parecem saídos de um livro de história. Vive-se um sentimento de paz indescritível. Monges budistas que rezam, o som suave dos imensos sinos que estão colocados no cume desses templos, e o perfume de incenso... Bem… São experiências que se devem viver de perto», assinala.
Num país tão rico em termos culturais, importa perceber também qual o espaço que o futebol ocupa na vida de um ponto no globo que conta com mais de 50 milhões de habitantes.
«É um país que adora futebol. Seguem de perto todas as equipas da Premier League. Algumas referências do futebol português? Ronaldo e Mourinho são os mais mencionados. Seguem a Champions League e conhecem perfeitamente as nossas equipas principais. Têm imenso respeito pelo trabalho que nós treinadores portugueses realizamos. Somos um país muito bem cotado em termos desportivos não só no Myanmar, mas em toda a Ásia», destaca Fabiano, que não esconde o orgulho das suas raízes.
«Sinto imenso orgulho de ser português, sobretudo fora de portas. É um motivo de grande satisfação, mas ao mesmo tempo de grande responsabilidade. Esperam sempre muito de nós e temos de estar à altura para corresponder às exigências que nos são criadas», considera.
O Zeyar Shwe May foi o primeiro clube de Fabiano no Myanmar. Começou por ser adjunto de Stefan Hansson, tendo assumido os destinos da equipa como treinador principal no ano seguinte. Realizou uma temporada acima das expectativas e chegou a preencher a manchete do maior jornal desportivo do país [ver foto] depois de adiar a festa do título ao Yadanarbon FC.
«Profissionalmente, é sempre bom irmos além dos objetivos que foram traçados pelo clube. Aquando da minha chegada o clube encontrava-se nos lugares de despromoção à segunda liga. Foi gratificante, mas ao mesmo tempo tenho noção das dificuldades passadas. De qualquer forma já passou, estou satisfeito e pronto para o próximo projeto. No futebol não há muito tempo para euforias…», reconhece.
«Renovar? Sim houve e há interesse, claramente. O plano da próxima época já foi delineado e entregue por mim ao Southern. No entanto, surgiram outras propostas não só em Myanmar e neste momento estou a avaliar todos os prós e contras. Espero resolver o meu futuro em breve», revela ao zerozero.
Já se imaginou a comer morcegos fritos? Pois bem, caso visite Myanmar pode provar esta iguaria. Esta e muitas outras…
«Situações engraçadas acontecem todos os dias. É muito fácil esboçar um sorriso com aquilo que vemos diariamente… O trânsito é uma confusão inacreditável e ainda hoje não percebo muito bem como funcionam os sinais de trânsito. E também é comum vermos 3/4 e até cinco pessoas numa mota», descreve.
E o sonho, Fabiano… Regressar a Portugal é um objetivo?
«O nosso futebol... Cada vez dá-me mais pena! Um sistema que só irá terminar após o governo local tomar medidas drásticas, tal como aconteceu em Itália há uns anos atrás. Até lá, vai-se vivendo num clima de tensão e de insultos constantes entre clubes, dirigentes e próprios jogadores. É triste! Se gostaria um dia de representar um grande clube, claramente sim. O meu sonho passa por trabalhar cada vez mais e não perder a paixão que se encontra dentro de mim», remata.