Comecemos pelo fim... Se Futre, o pequeno génio, craque da bola, já começara a sua história em Alvalade, também a estrela mediática, Paulo «o sócio» Futre disparou para a ribalta precisamente no Sporting, após uma famosa conferência de imprensa em que preconizou a contratação do «melhor jogador chinês da atualidade», o responsável por uma verdadeira ponte aérea de charters carregados de chineses, que todas as semanas voariam para Lisboa, provenientes das principais cidades da República Popular da China.
O vídeo com a proposta de Futre - e detalhes da sua carreira - tornou-se viral, apaixonou os portugueses, fazendo com que o «chinês» e os «charters» entrassem para o anedotário nacional. Com um jogo de cintura notável, Futre sorriu e aproveitou a situação, cavalgando a onda e ganhando uma presença no espaço mediático sem paralelo no país. Apresentador de programas televisivos, presença em telenovelas e vídeos musicais, rosto das campanhas publicitárias mais variadas; ao ponto de Futre, «o Sócio», tornar-se num caso único de popularidade em Portugal, a primeira superstar a sê-lo, bem depois de ter pendurado as chuteiras...
Após as gaffes na conferência de imprensa de apoio a Dias Ferreira, sucederam-se os comentários no youtube e facebook, o twitter enchia-se de piadas, muitos desdenhavam, vaticinando que a fama de Futre era coisa passageira, apontando a dedo as incoerências de discurso e os pontapés na gramática, mas passaram meses, um ano, dois... e Futre continuou nas rádios, na televisão, nos jornais e na internet, tornando-se um caso raro de unanimidade nacional, capaz de na mesma noite aparecer numa gala do Benfica, antes de num estúdio de televisão vincar a sua mais profunda e devedora amizade por Pinto da Costa, rematada com a sua jura de amor eterno ao Sporting.Ao perigo da sobrexposição, Futre respondeu com mais presença no pequeno ecrã, mais «sócios» e mais amigos. Ninguém mais do que o próprio brincou com a sua imagem, usando e abusando dela, para se tornar cada vez mais presente e incontornável.
A mais ninguém se perdoaria tal cenário. Mas mais ninguém é Paulo Futre. E a verdade, é que bem antes de ser uma estrela mediática no nosso país, Paulo Futre era o melhor jogador português do seu tempo, bandeira da seleção, herdeiro de Eusébio, estrela maior na vizinha Espanha, trotamundos com provas dadas em Itália e França, e mais importante que tudo, símbolo e herói de Sporting, Benfica e Porto.
Do Montijo para Lisboa
Nascido no Montijo, desde cedo o pequeno Paulo Jorge revelou um jeito incomum para a bola. Na escola, em casa, nas ruas do seu bairro, Futre foi fintando primeiro os amigos, depois o destino até chegar ao Sporting, que aproveitou o desinteresse benfiquista.
Em Alvalade, pela mão de Aurélio Pereira, Futre cresceu como jogador, mas também como homem, aprendendo a controlar o seu génio, sendo chamado por diversas vezes à tábua, pelas suas faltas, erros e dificuldade a lidar com disciplina. Pereira tornou-se nas palavras do próprio Futre o primeiro pai da sua carreira, sendo o segundo Jorge Nuno Pinto da Costa.No Sporting brilhou em todos escalões desde os infantis em 1978 até à conquista do Campeonato Nacional de juniores em 1982-83, queimando etapas e tornando-se internacional em todos os escalões. Josef Venglos lançou-o na equipa A, tinha ele apenas 17 anos, a mesma idade com que se estreou na seleção nacional numa vitória em Alvalade por 5x0 sobre a Finlândia.
A sua fama crescia a olhos vistos e era considerado o «Menino de Ouro» dos verde-e-brancos, preocupando a estrutura leonina, que pensava em o emprestar à Académica. Preocupado, Futre tenta negociar um aumento, mas o Sporting recusa abrir os cordões à bolsa, é então que entra em cena o FC Porto, que no seio de uma guerra Sporting x Porto, vinga-se do desvio de Jaime Pacheco e António Sousa para Alvalade, levando o jovem prodígio para a «Invicta».
João Rocha, alertado para eminente saída de Futre, resolveu abrir os cordões à bolsa, mas para segurar Rui Jordão, a quem Pinto da Costa lançara uma proposta milionária.
Porto, Saltillo, Viena
De dragão ao peito festejou o bicampeonato, demonstrando a tudo e a todos em Alvalade, o erro colossal que João Rocha cometera, ao não segurar a sua joia, que a norte brilhava - e de que maneira! - de azul-e-branco.
Na ressaca do bicampeonato é convocado por José Torres para o mundial do México, onde todos esperavam - imprensa estrangeira incluída - que fosse uma das grandes revelações da prova.
No meio da confusão de Saltillo, Torres foi apostando pouco no jovem, que acabou por sair de terras mexicanas cabisbaixo, sem glória, eliminado prematuramente e sem ter deixado a sua marca. No pós-Saltillo acabou afastado da seleção, castigado como os restantes "rebeldes" da aventura no México.
De regresso à Invicta, tornou-se fundamental na caminhada do FC Porto até ao topo da Europa, com a conquista da Taça dos Campeões Europeus, onde uma exibição maravilhosa - coroada com uma jogada de génio - indicou o caminho dos azuis-e-brancos para a vitória final.
El Portugués e o regresso a Portugal
Em Madrid Futre tornou-se mais do que um ídolo da torcida colchonera, tornou-se um ícone, «el Portugués», herói que juntamente com o Presidente Gil y Gil, desafiava o poder da Casa Blanca, o velho e o odiado rival do Atlético de Madrid.
Seis anos de rojiblanco valeram um fraco pecúlio. Apesar dos muitos golos e exibições magistrais, no meio de tanta polémica e fintas de outro mundo, a passagem de Futre por Madrid saldou-se pela conquista de duas Taças do Rei. Era chegada a hora de voltar a terras lusas...
Sondado pelo Sporting, anunciava com pompa e circunstância que se saíra do Sporting por dinheiro, agora voltava por amor. Sousa Cintra rejubilava, mas o Benfica estava atento e num negócio que envolveu a RTP -e deu brado -, a águia desviou o herói de Alvalade para a Luz, onde por coincidência do destino voltou a conquistar apenas a Taça de Portugal.
A volta ao mundo
O Benfica vivia tempos conturbados, sem dinheiro, perdia jogadores para o rival Sporting. Descontente, Futre partiu para Marselha, onde não teria palavras muito simpáticas para o Benfica e o presidente Jorge de Brito.
Sem jogar, na curva descendente da carreira e vitima de várias lesões, lançou-se à aventura em Inglaterra, onde não foi feliz no West Ham, regressando novamente a Madrid, para terminar a carreira no longínquo Japão com a camisola do Yokohama Flugels. Penduradas as chuteiras, voltou a Madrid para ajudar o Atlético - como dirigente - a fugir das agruras da Segunda Divisão, onde entretanto tinha caído.
Regressado à Primeira Divisão, acabou por sair da estrutura colchonera, dedicou-se aos negócios em Espanha e Portugal, até que o convite de Dias Ferreira o resgatou de novo para a ribalta...