Luís Filipe Vieira viveu 20 anos consecutivos de ligação direta ao Sport Lisboa e Benfica. 18 deles como presidente do clube, o que resulta na passagem mais longa pelo cargo. Foi também o dirigente mais titulado, com 22 troféus e duas finais europeias no futebol!
Ainda assim, tendo em conta estes dados e o facto de ter sido seis vezes eleito pelos sócios, o percurso acabou com uma saída pela porta pequena. Assombrado pelo potencial não atingido e, acima de tudo o resto, pelos polémicos processos judiciais em que se envolveu, Vieira deixou cair um legado que provavelmente seria bem maior. Esta é a sua história.
Nasceu a 22 de junho de 1949 no Bairro das Furnas, em Lisboa. Filho de um pedreiro e de uma operária de fábrica, começou desde cedo a mostrar um olho para o negócio. Desde o pequeno rapaz que parecia ter um dom para encontrar moedas no chão até àquele que, ainda antes de chegar à marca dos 30, ganhou a alcunha de «Kadhafi dos pneus», pela forma como ascendeu na área e dominou o mercado sem dar qualquer hipótese à concorrência.
Os pneus foram a primeira peça do veículo que levou Vieira ao mundo do desporto. Antes de dar esse passo tão importante na sua vida, ainda levou a carreira de empresário a outros caminhos, como, por exemplo, quando fundou a Obriverca.
Essa empresa de construção civil permitiu-lhe construir um nome cada vez mais notável a nível nacional, aumentando o volume de negócios e expandindo, eventualmente, até ao ramo imobiliário, via Grupo Inland. Se por essa altura já era sócio de FC Porto, Sporting e Benfica, como se viria a saber mais tarde, foi por outro caminho que começou a ligação ao futebol...
Começou essa aventura ribatejana quando o clube disputava a zona sul da II Divisão B. Aos dias de hoje, depreenda-se desse nome que falamos do terceiro escalão do futebol nacional. Manteve-se sempre nos lugares cimeiros dessa competição, da qual era notoriamente difícil sair, até ver o Alverca garantir a promoção em 1994/95.
Sob a liderança de Vieira, o clube viveu duas temporadas difíceis na II Liga antes de conseguir, à terceira tentativa, um terceiro posto que valeu uma promoção que poucos anos antes seria impensável. O Alverca estava finalmente entre a elite do futebol português!
Ninguém ficou indiferente ao empresário que, na primeira vez que se ligou ao futebol, levou um clube desde o terceiro até ao primeiro escalão. Uma dessas pessoas era Pinto da Costa que até já tinha feito vários negócios com o Alverca neste período, mas essa relação de amizade acabou por azedar de uma forma que levou o dirigente até ao maior rival dos dragões...
Em 2000 foi reeleito, mas apenas um ano depois suspendeu a sua presidência e deixou o clube ribatejano para se juntar ao Benfica como um assessor da SAD, um cargo externo que servia apenas no papel, enquanto na prática geria o futebol dos encarnados, como um diretor desportivo faz. Para infelicidade dos adeptos do Alverca, seguiu o mesmo caminho um avançado adolescente chamado Pedro Mantorras.
Quem abriu a porta da Luz foi Manuel Vilarinho, então presidente das águias, e não demorou muito para que essa boa relação se traduzisse em passagem de testemunho.
Foi em 2003, apenas dois anos depois de ter chegado, que Luís Filipe Vieira foi a eleições contra Jaime Antunes e Guerra Madaleno, acabando eleito presidente do Benfica com um recorde de 87 por cento dos votos!
A esses dados felizes acrescenta-se a vida no novo Estádio da Luz, que por ter sido inaugurado poucos dias antes da eleição de Vieira foi estreado oficialmente e vivido para os seus três primeiros anos de glória com o dirigente, que também acabou por viver dias menos felizes.
O pior dos dias, sem qualquer dúvida, foi o da trágica morte de Miki Fehér, que deixou marcas em Vieira, por ter sido um dos principais responsáveis pela contratação do húngaro. Bruno Baião, promissor jogador dos juniores do Benfica, também faleceu nesse ano.
O ano de 2006 foi um dos mais importantes para Vieira à frente do Benfica.
O presidente pode não ter conseguido revalidar o título nacional, ou sequer acrescentar qualquer outro, tendo a chegada aos quartos de final da Liga dos Campeões, eliminando o campeão Liverpool, como principal bandeira desportiva. Ainda assim, foi o ano em que conseguiu garantir a oportunidade de dar asas ao seu projeto, pois foi reeleito com uns esmagadores 95,6 por cento dos votos.
Essa reeleição fazia parte dos planos iniciais de Luís Filipe Vieira, que já tinha dito que os dois primeiros mandatos seriam de reconstrução, credibilização e modernização do clube. Essas não foram palavras vazias, como ficou evidente, ainda em 2006, com a inauguração do Caixa Futebol Campus (mais tarde apenas Benfica Campus). Um megalómano centro de treinos e de formação que colocava o Benfica ao nível dos rivais, ou até mesmo acima, tendo em conta as dimensões e o estado da arte das infraestruturas.
Mantendo a palavra «dimensão» como tema, destacamos também, como destacou o clube durante anos, o recorde Guiness de «maior clube de futebol do mundo». Essa distinção foi atribuída em função do número inigualável de sócios que o clube atingiu, ainda que esses 160 mil tenham ficado bem longe dos 300 mil que Vieira disse que queria e que se demitia caso não fossem atingidos.
Os títulos não estavam à altura do «colosso europeu, para não dizer mundial» em que Vieira prometeu transformar o Benfica, mas os primeiros passos nesse sentido foram dados no terceiro mandato.
Se o despedimento de Fernando Santos ao fim de uma jornada, seguido de Camacho e depois Quique Flores, foi prova de más decisões desportivas, então a chegada de Jorge Jesus à Luz em 2009/10 é o oposto. Logo nessa primeira época, o controverso treinador sagrou-se campeão e ainda somou uma Taça da Liga com um impressionante 3-0 sobre o FC Porto na final.
O plano parecia correr bem, até que o sentimento mudou nas edições seguintes da Primeira Liga, vencidas pelos azuis e brancos de forma... dolorosa para os encarnados.
Em 2010/11 não houve como apanhar o FC Porto, que acabou invicto, com um 5-0 sobre as águias pelo meio, e ainda levantou a Liga Europa. Em 2011/12 foi novamente o rival e o Benfica ficou-se uma vez mais pela Taça da Liga (seis nas primeiras oito edições!). Em 2012/13 ainda pior, com o cruel ajoelhar de JJ na penúltima jornada, depois de um golo tardio dar a liderança ao FC Porto.
Pela altura desse infame ajoelhar já se vivia o quarto mandato de Luís Filipe Vieira, o primeiro em que houve algum tipo de contestação, antes e principalmente depois de recolher 83 por cento dos votos nas eleições de outubro de 2012. Pedia-se a saída de Jesus, depois de uma terceira temporada sem qualquer consolação, mas Vieira tomou uma das suas mais acertadas decisões e manteve o técnico.
No ano seguinte, título de campeão revalidado e mais uma Taça da Liga no museu, com um demolidor 6-2 na final, e o ambiente era positivo mesmo que a ambição europeia tenha voltado a falhar. Pedia-se o tão aguardado tricampeonato, que levou um duro golpe quando, num dos acontecimentos mais polémicos do futebol português no século XXI, Jorge Jesus fez uma surpreendente mudança para o Sporting, tornando-se, aos olhos dos adeptos encarnados, «Jorge Judas».
Luís Filipe Vieira, forçado a reagir, escolhe Rui Vitória e depois de começar mal a luta pela título frente ao rival lisboeta, sorri por último. Com mais dois pontos que o Sporting, o Benfica consegue esse tricampeonato da recuperação e no ano seguinte, ainda com Vitória a fazer justiça ao seu nome, alcança um inédito tetracampeonato!
Pelo meio desses e de outros títulos domésticos, em outubro de 2016, Vieira volta a ser eleito com números demolidores (95 por cento), mas o Tetra acabou por ser o auge dessa longa presidência...
Depois de ultrapassada a marca dos quatro campeonatos consecutivos, faltava a seguinte, que o só o FC Porto ostentava. O pentacampeonato era uma oportunidade imperdível e uma obrigação aos olhos de todos os benfiquistas, mas os dragões não deixaram.
Esse foi o sétimo título de campeão nacional na presidência de Luís Filipe Vieira. Foi, também, o último.
É durante a passagem de Bruno Lage pelo comando do Benfica que se vive o início do fim do reinado de Luís Filipe Vieira, que começa a perder apoio de forma progressiva.
Ainda nesse ano, o dirigente das águias protagoniza um infeliz episódio em que agarra violentamente um adepto depois deste questionar a transparência de certas ações do clube, entre negócios ou casos mais polémicos. Vieira recusa-se a pedir desculpa pelo sucedido.
Depois 2020, um ano rico em acontecimentos. Primeiro a pandemia, depois o despedimento de Lage, no momento em que o futebol regressa, e por fim uma surpreendente contratação de Jorge Jesus, que volta ao clube com forte apoio no mercado de transferências. Pelo meio, a CMVM chumba a OPA do Benfica por considerar que seria a própria SAD a financiá-la e beneficiaria principalmente José António dos Santos (o «Rei dos Frangos»), maior acionista privado da SAD encarnada e amigo de Luís Filipe Vieira.
Essa campanha de 2020/21 termina sem títulos, o que não acontecia desde 2012/13. Com Jesus, a equipa caiu na qualificação para a Liga dos Campeões, perdeu a Supertaça, a final da Taça e ficou novamente em terceiro na Liga, levando os adeptos ao desespero. É no verão seguinte que tudo cai.
Em junho, Vieira foi alvo de um processo civil por parte de Jorge Mattamouros, advogado e adepto do Benfica que tinha como objetivo afastar Vieira da presidência por ser causa de uma «crise institucional profunda». Esse processo seria retirado mais tarde, porque a sete de julho, sem qualquer aviso prévio, Luís FIlipe Vieira foi detido no âmbito da operação Cartão Vermelho. O presidente (e José António dos Santos) foi acusado de burla qualificada, abuso de confiança, fraude fiscal, branqueamento de capitais e falsificação.
Foi retirado do clube dois dias depois da detenção, passando o testemunho ao então vice-presidente Rui Costa, que seria oficialmente eleito em outubro desse mesmo ano. Nessas eleições, Vieira deixou uma das suas mais infames frases, quase em jeito de despedida: «democracia a mais faz mal ao Benfica».
Foi a presidência mais longa na história do Benfica, tendo durado 18 anos ininterruptos. Foi também a mais titulada, com sete campeonatos, três Taças de Portugal, sete Taças da Liga e cinco Supertaças, fora duas finais europeias. Deixa, ainda assim, um sabor amargo na boca de qualquer benfiquista, tanto pelo seu lado polémico, inevitavelmente associado ao clube em si, como pelo potencial que o Benfica não conseguiu atingir.