Lendas nascem, estreiam-se, atingem o pico e penduram as botas. Kazu fica.
Mudam as estações, mudam as décadas, muda o clima e o desporto. Kazu persiste.
Caem mitos... Kazu é o responsável!
Dono da mais extensa das carreiras profissionais, Kazuyoshi Miura - mais conhecido no futebol como King Kazu - personificou a máxima de que a idade é apenas um número e manteve-se no futebol ao mais alto nível até bem para lá dos 50 anos.
Jogou em quatro continentes, foi ícone do futebol japonês e da seleção samurai blue, que acabou por representar também no futsal. Viveu uma carreira rica, na qual facilmente cola o adjetivo de «épica». Passou por Portugal, também, quando rumou a Oliveira de Azeméis para disputar a II Liga... aos 55 anos.
Se acha que a carreira deste jogador começou como a das restantes lendas do futebol nipónico, com boas prestações no futebol universitário do Japão, então desengane-se. Kazu está mais próximo de Pelé do que de Nakata, já que tudo começou no Santos.
Rumou solitariamente ao Brasil, país do futebol, com apenas 15 anos, em 1982. O sonho da bola levou-o inicialmente ao futsal do Juventus da Mooca, antes de receber o convite do Peixe. Estreou-se profissionalmente em abril de 1986, ainda um adolescente.
Passou pelo Palmeiras por empréstimo e chegou a representar o verdão numa digressão pelo seu país natal, sob o selo de primeiro asiático a atuar no clube e, mais tarde, também no nordeste brasileiro, quando rumou ao CRB. Passou também pelo XV de Jaú, onde se tornou o primeiro japonês a marcar em solo brasileiro, e pelo Coritiba, onde vendeu o estadual de 1989.
Aquilo que viveu no futebol sul-americano, onde tudo começou, concluiu-se num círculo perfeito. Regressou ao Santos em 1990 e viveu uma boa campanha, com golos e assistências, que acabou por levá-lo pela primeira vez à seleção japonesa.
Se rumou ao Brasil como um miúdo, completamente desconhecido até para o mais talentoso dos olheiros da década de 80, o mesmo não se pode dizer do regresso ao Japão em 1991.
Foi no Genoa que jogou por uma só temporada, tornando-se no primeiro japonês a experienciar o calcio italiano - cinco anos antes do tal Hidetoshi Nakata que, embora uma década mais jovem, se reformou quase duas décadas antes do compatriota.
Foi no Tokyo Verdy que viveu a grande fatia do seu auge, no qual brilhou na J-League e na seleção japonesa. Foi também o único clube em que atingiu os três dígitos em golos, chegando aos 20 em várias temporadas.
Essa passagem foi concluída com um convite para o regresso à Europa. Um contrato definitivo com os croatas do Dínamo Zagreb, que acabou por representar apenas durante meia temporada, sendo, ainda assim, campeão nacional.
Kazu Miura só se tornou num nome lendário a nível mundial quando a carreira se recusou a terminar, apesar da idade avançada, mas no Japão já era King Kazu desde a década de 90, na qual brilhou intensamente com a camisola da seleção.
Depois da estreia em 1990, o atacante não demorou a fixar-se nos habituais convocados e foi em 1992, ano em que marcou o seu primeiro golo com a camisola azul, que celebrou o seu primeiro título internacional. Venceu a Taça Asiática e foi até eleito o melhor jogador da prova.
Quatro anos depois, a seleção foi atrás da vingança que prometeu. Garantiu a qualificação para o Campeonato do Mundo de 1998 e King Kazu terminou o apuramento com 10 golos no seu registo, mas, para surpresa de uma nação inteira, o selecionador Takeshi Okada não convocou uma das suas principais figuras.
Milhões de adeptos revoltaram-se com a decisão, mas esta já estava tomada. O escolhido foi o jovem Shinji Ono e Kazu, aos 31 anos, perdia a sua última chance de jogar um Mundial, já que se retirou da seleção dois anos depois e assim falhou a edição disputada em solo japonês.
Reformou-se do futebol internacional com o impressionante registo de 55 golos em 91 jogos. Apesar de estar rodeado de grandes lendas no histórico deste país (nomes como Nakamura, Kagawa, Nakata, Honda ou Okazaki), King Kazu só foi superado em golos por um: Kunishige Kamamoto.
Voltaria a vestir a camisola da seleção, mas não da forma que o leitor imagina. Em 2012, já com 45 anos de idade, que foi convocado para o Campeonato do Mundo... de Futsal. Nessa prova, disputada na Tailândia, tornou-se o jogador mais velho de sempre a disputar Mundiais da modalidade.
Fora da seleção, mas manteve-se nos maiores palcos do futebol japonês durante mais alguns anos, entre o Kyoto Sanga e o Vissel Kobe.
Rumou depois ao Yokohama, descendo um degrau para jogar no segundo escalão do futebol nipónico. Rumou à Austrália onde se sagrou campeão nacional no Sydney FC, por empréstimo, e depois regressou ao seu clube a tempo de conquistar mais um título e a consequente promoção de volta à J-League - tudo isto aos 39 anos.
Se para muitos era boa oportunidade para pendurar as botas, no final de 2006, Kazu decidiu continuar durante muito mais tempo.
Manteve-se no Yokohama FC durante mais temporadas, com minutos reduzidos. Foi só em 2022, na sua 37ª temporada como profissional, que deixou o clube, rumando por empréstimo ao Suzuka Point Getters, emblema do quarto escalão que tem o irmão de Kazu, Yasutoshi Miura, como treinador.
Depois de um ano nesse projeto, para o qual contribuiu com dois golos, King Kazu aceitou um convite para voltar à Europa aos 55 anos de idade. O destino? União Desportiva Oliveirense.