De «pior avançado do Mundo» a lenda do Benfica. Jonas não foi sempre unânime no Brasil, não conseguiu convencer tudo e todos em Espanha, com a camisola do Valência, mas deixou uma marca muito forte no Estádio da Luz, desde logo a do golo e a da genialidade. Nas próximas linhas, tentaremos explicar o fenómeno que foi este internacional brasileiro em Portugal. Um avançado praticamente dispensado, inscrito depois da hora, que não custou uma exorbitância, bem pelo contrário, e que fez história de águia ao peito, com quatro campeonatos e momentos que ficarão para sempre no coração de todos os adeptos do Benfica.
Natural de Bebedouro, cidade pertencente ao estado de São Paulo, Jonas deu os primeiros passos no desporto-rei com as cores do Guarani. No Brinco de Ouro, o avançado nem precisou de um grande percurso na formação para assumir um lugar na equipa aos 20 anos e para chegar à marca dos 13 golos. Uma oportunidade de ouro que ficou no coração do jogador.
«Eles fizeram algo que não é normal. Não é qualquer clube que proporciona uma oportunidade logo aos 20 anos. Foi assim comigo lá. Eu não tinha passado pelos primeiros escalões de formação, mas eles acreditaram no meu potencial e hoje estou onde estou», afirmou o dianteiro, uns anos mais tarde, quando teve a oportunidade de regressar à velha casa já como jogador do Grémio.
Na verdade, parecendo isto quase impensável à luz do que se conhece, Jonas não existiu para o futebol ao mais alto nível até cumprir as duas primeiras dezenas de anos. Os anos que seriam de aprendizagem e de crescimento foram passados a estudar, a ajudar o irmão na farmácia e a conectar o pé a uma bola, mas num pavilhão, sem grandes responsabilidades.
Não que tenha falhado propriamente, mas o avançado acabou por sair ao fim de apenas dois anos, com uma marca mais modesta em relação ao ano de estreia - nove tentos em quase meia centena de partidas. Teria sido demasiado grande o salto? Ou talvez tal tenha acontecido por causa de uma lesão grave, que o tirou da competição desde fevereiro de 2006, quando estava a começar a marcar golos, até agosto, altura em que a época já ia a meio.
Apareceu o Grémio de Porto Alegre na carreira de Jonas, então em 2008. Uma responsabilidade grande, tendo em conta o estatuto do clube, que talvez tenha feito com que o avançado continuasse sem ser muito feliz. A solução encontrada passou por um empréstimo à Portuguesa, no começo de uma relação quase cósmica com o nosso país. Foi nesse emblema de toque e origem lusa que Jonas se reencontrou com o golo para nunca mais se voltar a perder.
Era mesmo o impulso que o Pistolas precisava. De regresso à máquina tricolor, o avançado começou a provar que podia ser mesmo um caso sério, pelo menos no Brasileirão. Longe de ser unânime, a verdade é que Jonas passou a marca dos 20 golos, a mais alta, com distância, desde que se tinha estreado no futebol profissional.
No meio da crítica, entre uma popularidade indesejada, Jonas superou-se e quase que duplicou o número de golos de um ano para o outro. Foram mais de 40 faturados em 2010, mais de 20 marcados no Brasileirão, num registo superior ao de, por exemplo, Neymar, que já encantava e que já começava a ameaçar Seleção Brasileira. A qualidade na definição já não podia enganar ninguém.
Como muitos dos seus compatriotas, era o tempo de avançar para uma aventura no futebol europeu. O Valência chegou-se à frente, pagando 1,25 milhões de euros (uma cláusula irrisória que fez o presidente do Grêmio na altura criticar o anterior), e Jonas, juntamente com Soldado, chegava ao Mestalla para tentar esquecer as saídas dos dois Davides, o Silva e o Villa. A responsabilidade era, à partida, muita.
Depois da oportunidade no velho Continente, chegou também a oportunidade de uma vida, a de representar a Seleção canarinha. Numa altura em que Mano Meneses procurava uma reconstrução do elenco, não faltaram oportunidades a Jonas, mas apenas em amigáveis. O primeiro jogo oficial aconteceu só já em 2016, ano que marcou a única oportunidade numa fase final de uma grande competição. O Brasil disse adeus à Copa América e Jonas foi obrigado a dizer adeus à Seleção. Era o tempo de Tite e de novos protagonistas, como Gabriel Jesus ou Gabriel Barbosa.
Menos indiscutível no quarto ano de Valência, Jonas chegou mais fragilizado ao verão de 2014, especialmente depois de ter marcado apenas dois golos em toda a segunda fase da época anterior e ter participado numa das campanhas mais inconsistentes em relação a outros anos positivos com Emery ao comando. Ao Mestalla chegava Nuno Espírito Santo para reconstruir e os planos do clube não passavam por continuar a ter o internacional brasileiro nas suas fileiras.
Assim, Jonas foi sendo, aos poucos, empurrado para fora do clube. Não tanto pelo novo treinador, que, segundo o próprio avançado, não teve um voto direto na matéria, mas mais pela direção, que queria novas caras e um novo projeto e que não encontrava no Pistolas a possível diferença ofensiva e a mesma qualidade de reforços da estirpe de Rodrigo Moreno ou de Negredo.
Sem clube e já depois do final do mercado, numa altura em que poucos ainda olhavam para oportunidades de negócio, Jonas assistiu a uma das maiores jogadas de mestre da história recente do futebol português. O Benfica tinha perdido Cardozo e Rodrigo, contava apenas com Lima como uma solução segura e de qualidade/estatuto, quando se decidiu pela contratação do dispensado mais famoso de Espanha. Jonas ia trabalhar com Jorge Jesus e partir para anos inolvidables.
De águia ao peito, o avançado demorou pouco até assumir uma posição de titular indiscutível. A fraca concorrência de elementos como Derley ou Jara e as maiores dificuldades do Benfica no ataque ao bicampeonato fizeram com que o Pistolas desde cedo mostrasse todo o talento, qualidade técnica e poder finalizador. Um hat-trick, seis bis, golos em quase todas as partidas, um entendimento que chegou a ser irrepreensível com Lima e, no final, o título.
Pelo meio, uma luta muito particular com Lima e com Jackson pelo título de melhor marcador. Uma disputa muito competitiva, que deu colorido à última jornada do campeonato, e que deu ao colombiano do FC Porto a primeira de três Botas de Prata. Mas o que Jonas fez contra o Marítimo, com dois golos, mais um (mal) anulado e uma grande atuação serviram para conquistar ainda mais o Estádio da Luz. Jonas era adorado como, quiçá, nunca tinha sido na sua vida de futebolista.
Chegou, então, o verão quente de 2015. O Sporting roubou Jorge Jesus ao grande rival e a solução do Benfica passou por Rui Vitória. Para deixar tudo mais a ferver, houve Supertaça logo em agosto, a primeira de três derrotas dos encarnados em poucos meses contra o vizinho rival. No final, entre festejos da melhor equipa em campo, o primeiro dos momentos mais polémicos de Jonas de águia ao peito, e logo com o antigo treinador ao barulho. Um chega para lá bem intenso, uma troca de olhares mais azeda e a certeza que algo não tinha ficado muito bem resolvido entre todas as partes.
O certo é que, mesmo com um decréscimo evidente na qualidade de jogo e mesmo com um rival que foi quase sempre muito forte, o Benfica lá conseguiu chegar na liderança ao final do campeonato e assegurar o primeiro tri em muitas décadas. E se Rui Vitória calou todos os críticos, então bem pode agradecer a Jonas, capaz de construir uma pequena sociedade de grande nível com Gaitán, Pizzi e Mitroglou, capaz de chegar à marca dos 36 golos, capaz de fazer a diferença como muito poucos. Em duas épocas, o Pistolas já era um autêntico ídolo, levado ao colo pelo Terceiro Anel.
Mas a carreira do Pistolas teria de ter sempre um senão. E, na Luz, não foi exceção. Acusado de não aparecer tanto nos jogos de elevado grau de dificuldade, o avançado demorou mais de 600 minutos até fazer o gosto ao pé diante dos grandes rivais. Talvez por isso ainda recorde o festejo de revolta ao Zenit, num golo que acabou por fazer a diferença e por ajudar a águia a voar até aos quartos da Champions.
Entre tantos e tantos golos e uma lesão que lhe retirou ainda mais da linha da frente, mas que não o impediu de ser muito importante no ataque ao tetracampeonato, um momento num clássico contra o FC Porto para a posteridade: na Luz, já depois de ter deixado a sua equipa em vantagem, Jonas acabou por se envolver com Nuno Espírito Santos (sim, esse mesmo, o protagonista secundário de toda aquela história de Valência), empurrando o treinador do FC Porto, que... pura e simplesmente não caiu, mantendo-se firme e hirto, sem ceder ao gesto do avançado. No final, uma frase curiosa do comandante azul e branco que acabou por atirar a polémica para debaixo do tapete: «Tenho 1,90 e 105kg. Não é fácil derrubarem-me...»
Conquistado o inédito Tetra, era tempo de buscar o Penta. Com o mesmo Rui Vitória no banco, o Benfica contou com o melhor Jonas da carreira, pelo menos no que toca à concretização. Aos 36 golos de 2015/2016, o avançado brasileiro respondeu com 37 tentos em 2017/2018. Influência redobrada na manobra ofensiva da equipa, num ano menos fulgurante de Pizzi, mais golos para todos os gostos, ainda por cima decisivos, e uma lesão na reta final da época que deixou o campeão fragilizado na luta pelo título com o FC Porto. Também sem Krovinovic, a águia não conseguiu lidar com a irreverência azul e branca e Herrera acabou por confirmar em plena Luz aquilo que pareceu em quase toda a época uma certeza: este Benfica já era demasiado curto para o valor da concorrência.
Quando chegou a altura de partir para uma quinta temporada, Jonas já não era o mesmo atleta fulgurante de outros anos. As lesões de 2017 e 2018 foram o início de uma autêntica tormenta, com problemas numa zona sensível como as costas que retiraram poder de fogo e consistência ao internacional brasileiro. Mesmo assim, lá ia marcando os seus golos e sendo decisivo para um Benfica de Rui Vitória convencia cada vez menos.
A chegada de Bruno Lage acabou por revolucionar o conjunto da Luz. Mais futebol, mais espetáculo, muitos mais golos, mas faltava uma peça, entre a explosão de Rafa e a revelação João Félix. Faltava Jonas, que aparecia sempre de forma intermitente, jogando em várias ocasiões condicionado e entrando em poucos minutos para ser, ainda assim, decisivo num par de ocasiões. O Jonas protagonista já fazia parte do passado, mas como o avançado era sempre capaz de oferecer rendimento, pensava-se que a ligação poderia ainda durar mais algum tempo. Foi sol de pouca dura, afinal...
Mas o final, pelo menos o verdadeiro, ficou guardado para o verão seguinte. Arranjou-se um jogo particular para celebrar a carreira de uma lenda viva do Benfica. Jonas jogou os primeiros 10 minutos da partida com o Anderlecht, ainda ameaçou o golo, antes de ser ovacionado por um Estádio da Luz rendido. E, pela última vez, pôde-se ouvir a uma só voz a música do golo: «Jonas, Jonas, Jonas».