"Més que un club" [Mais que um clube] não é apenas um mote, é um modo de vida e uma afirmação cultural.
O Barça representa a nação catalã, no seu todo e na soma das suas partes, com todas as suas idiossincrasias, tragédias e glórias. Falar do Barça é falar de muito mais que futebol; é falar da história da Catalunha e de Espanha, e do tumultuoso século passado. O século XX espanhol foi uma enorme montanha-russa, e o Barcelona, a Catalunha e as suas gentes reservaram um lugar fronteiro nessa viagem desde muito cedo...
Joan Gamper, um suíço emigrado na Cidade Condal, ex-jogador do Basileia e um dos fundadores do FC Zurique, colocou um anúncio no jornal «Los Deportes» em Outubro de 1899 com o intuito de criar um clube. Apareceram 11 jogadores na reunião que teve lugar no Gimnasio Solé a 29 de Novembro e assim nascia o FC Barcelona.O azul e o grená foram escolhidos como cores, baseadas na do Basel, enquanto o emblema incluía a Cruz de São Jorge (padroeiro da Catalunha) e a bandeira nacional catalã. Rapidamente, o Barça transformou-se num dos clubes mais populares do país. A chegada à final da Taça do Rei em 1902, as vitórias na Taça Macaia e no Campeonato da Catalunha, ajudaram a cimentar esse prestígio. Em 1910 conquistou a primeira Taça do Rei e a primeira Taça dos Pirenéus.
O catalanismo deu mais um passo no Barça quando em 1914 o clube substitui o castelhano pelo catalão como língua oficial. Nos anos 20, o FC Barcelona atingiu os vinte mil sócios, mudando-se entretanto para o novíssimo Estádio de Les Corts, onde pela primeira vez a política entrou na história do clube...
Como forma de protesto à ditadura de Primo de Rivera, a 24 de Junho de 1925, os adeptos do Barcelona apuparam o hino nacional espanhol, tendo de seguida aplaudido vivamente o «God Save the King» interpretado pela banda da Royal Navy que se encontrava na cidade. O ditador ordenou que Les Corts fosse encerrado por seis meses e obrigou Gamper a demitir-se da presidência e a exilar-se.
Doente e deprimido, Gamper foi autorizado a regressar a Espanha, mas terminantemente proibido de ter qualquer ligação ao clube que tinha fundado e tanto amava. A 30 de Julho de 1930, em sequência de uma longa depressão Gamper resolve pôr termo à sua vida.
Em 1936 o Presidente Josep Sunyol foi capturado na frente de guerra - na Serra de Guadarrama, por tropas franquistas. Foi fuzilado juntamente com os outros companheiros de viagem, sem direito a um julgamento.
Com a conquista da Catalunha pelos nacionalistas, todos os símbolos de identidade nacional catalã foram proibidos. O Barcelona teve de mudar o nome do catalão «Futbol Club Barcelona», para o castelhano «Barcelona Club de Fútbol»; o emblema também sofreu alterações, e a bandeira da Catalunha foi substituída pela da Espanha. A língua foi banida da sociedade e do clube.
Quando em 1943 o Real e o Barça se encontraram para a Meia-final da Taça em Madrid, alguns momentos antes de começar a partida, o diretor da polícia política visitou o balneário do Barcelona, juntamente com a equipa de arbitragem e lembrou aos jogadores barcelonistas a “generosidade" do regime que "perdoara” a falta de patriotismo do clube catalão durante o conflito. A dica foi facilmente entendida e o Real Madrid ganhou por um claro e escandaloso 11-1.O orgulho catalão ficou ferido, mas seria nos anos 50 que Franco daria o golpe mais violento no barcelonismo ao ter papel decisivo no processo que desviou di Stéfano de Barcelona para Madrid. um processo que marcou definitivamente a rivalidade entre barcelonistas e madridistas.
Ainda em 1951 os adeptos do Barcelona confrontaram o governo central, recusando-se a entrar nos eléctricos e comboios no final de um jogo contra o Racing Santader. Debaixo de uma chuva diluvial, milhares de adeptos culés, caminharam a pé até casa, mostrando solidariedade com os grevistas. Estas ações, debaixo de um regime ditatorial, se por um lado causaram a perseguição do regime, provocaram por outro lado a admiração e o suporte das franjas progressistas não só da Catalunha, mas de toda a Espanha.
Com a chegada do húngaro Kubala (1951) o Barcelona conquista o Campeonato além da segunda Taça Latina em 1952 (a primeira tinha sido conquistada contra o Sporting em 1949).
Com Kubala o Barça conquista as suas duas primeiras dobradinhas da história (1951-52 e 1952-53). Sob o comando do treinador Helénio Herrera, com o magistral Luís Suarez e os húngaros Kocsis e Czibor conquista mais uma dobradinha e duas Taças das Cidades com Feiras.
Em 1961 tornam-se o primeiro clube a bater o Real Madrid numa competição europeia, mas na final deram início à sua maldição europeia perdendo para o Benfica por 2x3, naquela que ficou conhecida como a "final dos postes", onde os avançados do Barça viram a bola ser devolvida três vezes pelos malfadados postes quadrados de Berna.Os anos 60 continuaram na sombra do Real, com a excepção de uma vitória na final da Taça frente aos rivais em pleno Estádio Bernabéu e perante o próprio Franco.
Em 1973 chegou Cruijff a Barcelona para comandar uma equipa que ficaria na história por vencer o Real em Madrid por 0x5 e acabar com o longo jejum, conquistando a liga 14 anos depois do último sucesso blaugrana.
Com o fim da ditadura franquista em 1975, a consequente transição democrática, o advento das autonomias e a restauração da Generalitat da Catalunha (1), o clube, símbolo do nacionalismo catalão durante a longa noite franquista, voltou então a ter a denominação original em catalão e voltou a exibir a Senyera (2) no escudo, em detrimento da bandeira de Espanha.
Josep Lluíz Núñez tornou-se presidente do clube em 1978 e no ano seguinte o Barça ganha em Basileia a sua primeira Taça das Taças (conquistaria ainda mais três). É sobre a impulsão de cariz nacionalista e Núñez que se inicia o processo de investimento em La Masia (a famosa escola do clube, que tantos frutos daria no futuro).
Tentando tornar o clube cada vez mais competitivo, Núñez contrata Diego Armando Maradona em 1982. Mas a ligação é curta e pouco profícua e o argentino segue para Nápoles onde encantaria Itália e o Mundo.1986 vê o Barcelona chegar à sua segunda final da Taça dos Campeões. A jogar em "casa" em Sevilha contra o Steaua, um clube de um país que nunca tinha vencido nenhuma competição europeia o Barça era claro favorito. Mas o 0-0 arrastou o jogo para as grandes penalidades e o Barcelona viu-se derrotado às mãos do guarda-redes Duckadam que defendeu tudo que havia para defender. Foi só em 1988 com o regresso de Cruijff, agora como treinador que o Barcelona começou a acabar com a maldição.
Nos anos seguintes surgiu o Dream Team, uma equipa de sonho que combinava jogadores locais como Guardiola ou Bakero, com estrelas como Ronald Koeman, Laudrup, Romário ou Stoichkov. Conquista então o primeiro tetracampeonato entre 1991 e 1994, e em 1992 em Wembley, um livre directo de Ronal Koeman derrotava a Sampdória e o Barça conquistava a sua primeira Taça dos Campeões.
Dois anos depois nova final da Taça dos Campeões, mas uma derrota humilhante às mãos do AC Milan por 0-4 em Atenas pôs fim ao Dream Team de Cruijff.
Vieram então novos jogadores como Figo, Luís Enrique, Ronaldo e Rivaldo que conduziram os blaugrana a novas vitórias, mas a célebre “fuga” de Figo para Madrid e a saída de Ronaldo e Rivaldo levou ao fim desse período e o clube passou por épocas de indecisão.
Com a chegada de Laporta à presidência em 2003 o Barça volta a sonhar com o topo de Europa que atinge em 2006 em Paris numa equipa onde pontificavam Ronaldinho Gaúcho e Deco, entre outros.
Em 2008 a contratação de Guardiola para treinador, capitalizou o investimento em La Masia para resultados nunca antes imaginados. O Barcelona conquista a Liga e a Liga dos campeões nesse ano, e pelo meio vai a Madrid esmagar o rival com um espantoso 2-6.Ao conquistar também a Taça do Rei, Supertaça de Espanha, Supertaça de Europa e Campeonato do Mundo de Clubes o Barça torna-se o primeiro clube do mundo a ganhar seis troféus referentes à mesma época. A quarta Liga dos Campeões chegou em 2011. Em três épocas os blaugrana conquistaram três Ligas Espanholas e duas Champions, apaixonando a crítica e conquistando o mundo.
Adversários, rivais, todos soçobraram à força catalã, muitos deles resignados a perderem não só com a melhor equipa do mundo, mas quiçá com a melhor equipa de sempre...
Liderado por Messi, secundado por Xavi, Iniesta, Piqué, Puyol, Pedro, o Barça de Guardiola rapidamente torna-se o paradigma do futebol de ataque, conquistando vitórias, elogios e entrando para a lenda como uma das melhores equipas da história. Ao leme do clube foram passando novos treinadores como Tito Vilanova, Tata Martino, Luis Enrique, Ernesto Valverde, e os troféus continuaram a chegar ao Nou Camp, com destaque para mais uma Liga dos Campeões em 2015.
O recorde 180 golos marcados num ano, em 2015, aliado à Supertaça Europeia e Mundial de clubes que foi ainda conquistado, apontou para um ano tão espetacular como inesquecível no emblema catalão, que ainda se sagrou campeão espanhol em 2015/16, mas marcaria o final de uma era dourada no clube.
A época de 2016/17 ainda trouxe a mais espetacular reviravolta na história contemporânea da Liga dos Campeões, com o Barcelona a bater o Paris SG por 6x1 depois de perder a primeira mão por 4x0, e a época seguinte voltou a terminar em título, mas quando voltou a chegar a instabilidade social na Catalunha - com o referendo de 2017 -, também o clube entrou num momento de enorme turbulência.
A gestão de Bartomeu já tinha sido alvo de enormes críticas, mas as maiores ficaram guardadas para depois de Laporta ter sido novamente eleito presidente do Barcelona, pois foi só aí que o lado mais profundo do icebergue foi revelado. Os gastos do Barcelona multiplicaram-se com as transferências de Coutinho, Dembelé e Griezmann (todas acima dos 100 milhões de euros) e os salários atingiram valores superiores aos do rendimento do clube, o que, aliado ao impacto económico do Covid-19, deixou o clube em maus lençóis.
Jogadores reduziram os seus salários - mais do que uma vez, até - mas nada disso impediu que Lionel Messi, a maior figura do clube, abandonasse o clube a custo zero. O argentino até chegou a novo acordo, mas obstáculos financeiros impostos pela La Liga impediram que o caamento se consumasse, e Messi rumou a Paris.
O regresso de Laporta foi uma última aposta no reerguer do clube, mas acabou por ser apenas um holofote a revelar o quão negra estava a situação antes da sua chegada. Chegou Koeman, depois de Valverde e Setién, e depois de uma primeira época em que venceu a Copa del Rey, o técnico holandês foi a cara de um 2021 que viu o clube apostar na prata da casa e em jogadores a custo zero. É, afinal, uma escola que não para de produzir estrelas promissoras, e por isso o futuro apresenta-se risonho para este que é «mais que um clube».