Poucos podiam imaginar que a chegada de Fred Beardsley e Morris Bates às oficinas Dial Square no Royal Woolwich Arsenal no sul de Londres, em Outubro de 1886, seria tão significativo para o futuro do futebol inglês. Mas a verdade, é que estes dois homens provenientes de Nottingham, onde jogavam futebol num clube local, o Forest, provocaram tal expectativa entre os novos colegas que desejavam jogar futebol, que um deles, o escocês David Danskin fundou um clube a que se juntaram mais 15 colegas da oficina.
Após a primeira reunião, esse grupo formado por operários fabris resolveu batizar a nova equipa como Dial Square FC, em honra do local de trabalho. Mas no dia de Natal, após novo encontro dos sócios fundadores, resolveu-se alterar o nome, dado que este não lhes parecia ser suficientemente viril para um clube desportivo e resolveram rebatiza-lo como Royal Arsenal, uma combinação que homenageava tanto a fábrica onde trabalhavam (Woolwich Arsenal) como o bairro de Royal Oak, no sul de Londres, onde o arsenal estava localizado. O vermelho era a cor eleita porque Beardsley e Bates, depois de apelarem aos antigos colegas de Nottingham, conseguiram reunir 15 kits de equipamento do Forest.
De casa às costas: os primeiros anos
Ainda como Dial Square, o clube disputou o primeiro jogo a 11 de dezembro do mesmo ano, defrontando e vencendo o Eastern Wanderers por 6x0, num descampado em Isle of Dogs, perto do East End londrino. Para não andar com a casa às costas, o clube fixou-se em Plumstead Common, jogando no Sportsman Ground e mais tarde (1888) mudaram para o adjacente Manor Ground, que em pouco tempo se revelou ser um campo sem condições suficientes para um clube crescimento.
Nesse mesmo ano, o Woolwich Arsenal aderiu à Football League, associação destinada a profissionais. Começou por jogar na II Divisão, mas em 1904 tornou-se no primeiro clube do sul de Inglaterra a subir à I Divisão. Apesar do crescimento desportivo, do aumento de adeptos, as dificuldades económicas agudizavam-se e levaram o Woolwich Arsenal a ficar muito perto da insolvência. Sir Henry Norris, um empresário e magnata, apaixonado por futebol e que era chairman do Fulham, tornou-se o principal acionista do clube em crise, tratando de revolucionar o clube e devolver-lhe saúde financeira.
A localização em Woolwich era considerada o principal handicap do clube e Norris começou a procurar um local para a edificação do novo estádio, de preferência na margem norte do rio, onde acreditava que o clube podia encontrar novos adeptos, com mais poder de compra, ajudando assim o clube a crescer em dimensão e prestígio. Seria na ladeira que desce de Hampstead em direção ao Tamisa, que Norris encontraria Highbury.
A 6 de setembro de 1912 Arsenal mudou-se de armas e bagagens para a margem norte do Tamisa, onde se tornou vizinho e rival do Tottenham Hotspurs. Nascia a histórica ligação entre o clube e Highbury Park, que era propriedade do Saint John's College of Divinity, que exigiu que durante os 21 anos do contrato de aluguer, os gunners estavam impedidos de jogar na Sexta-Feira Santa e no dia de Natal.
A rivalidade com os spurs
Arsenal Football Club está disponível para receber candidaturas para o posto de MANAGER DA EQUIPA. O candidato tem de se experiente e possuir as mais altas qualificações para o posto, assim como capacidade e caráter. Cavalheiros que só tenham capacidade de construir boas equipas à custa de elevadas e exorbitantes transferências abstenham-se de apresentar candidatura.
Herbert Chapman, bicampeão em título no humilde Huddersfield Town, leu o anúncio e não hesitou em mudar-se para a capital. O resto é história. Com o famoso sistema WM, que criou para melhor aproveitar uma mudança na regra do fora de jogo, Chapman conduziu o Arsenal à supremacia do futebol inglês, marcando inclusive uma era na história do jogo. A defesa do Arsenal estava tão bem organizada, que por aqueles dias, quando um comboio a vapor que transportava adeptos de um adversário do Arsenal apitava sempre que dava entrada na estação de Charing Cross, para avisar que mesmo antes de apearem do comboio, já se encontravam em offside.
Durante nove épocas - Chapman faleceria a 6 de janeiro de 1934, vitima de pneumonia - o Arsenal que até aí não tinha conquistado nenhum título oficial, tornou-se numa equipa de referência em Inglaterra, conquistando três ligas, a campanha da terceira já seria terminada pelo sucessor, uma FA Cup e três Charity Shields.
Clube da moda
Além das conquistas e da introdução do WM, é a Herbert Chapman que o Arsenal deve o facto de se ter tornado numa referência do mundo desportivo. Com Chapman o Arsenal modernizou-se, atraiu alguns dos melhores jogadores da Grã-Bretanha como David Jack, Charlie Buchan, Alex James, Cliff Bastin e Ted Drake, que chegou meses depois da morte do «Mestre».
As conquistas e sucessos faziam render enchentes constantes em Highbury e nos campos onde o Arsenal atuava. A 22 de janeiro de 1927, a BBC escolheu um jogo do Arsenal - contra o Sheffield United - para transmitir pela primeira vez via rádio, todas as incidências da partida para todos os cantos do Reino Unido. Para ajudar a ilustrar o que se estava a passar no terreno de jogo, seria utilizado um diagrama do campo, dividido em vários quadrados numerados de um a oito. Segundo alguns estudiosos, é nessa data que surge a expressão «back to square one» (1) que ainda hoje é comummente utilizado pelos narradores desportivos ingleses.
Mas a guerra deixara marcas no clube. Nove profissionais do clube tinham morrido a combater os alemães e o Arsenal, máquina dominadora dos anos trinta já não existia. Os campeonatos de 1947 e 1953 e a FA Cup de 1950 foram apenas o «canto do cisne» de uma era que não voltaria a ter paralelo no clube até ao final do século.
O regresso
Durante grande parte dos anos 50 e a exuberante década de 60, o Arsenal viveu à sombra dos rivais, em particular dos gigantes do norte, com o domínio esmagador dos «quatro grandes» de Manchester e ##Liverpool.
O regresso dos arsenalistas ao topo chegou em 1969-70, com a conquista da Taça das Cidades com Feiras, uma precursora da Liga Europa. No caminho para a final, eliminou entre outros o Sporting e o Ajax, antes de encontrar os belgas do Anderlecht na grande decisão. Na primeira mão, em Bruxelas, no Parc Astrid, com o Arsenal a perder por 3x0, um golo de Kennedy, aos 82 minutos, revelava-se decisivo, pois permitia uma reviravolta, na segunda mão em Londres.
Seis dias depois, Highbury lotou para ver o Arsenal inscrever o seu nome na lista de vencedores de uma prova europeia, recuperando da desvantagem com um histórico 3x0.
Conquista em White Hart Lane
A onda de sucessos continuou na época seguinte, 1970-71, ano de um histórico «double», o primeiro para as bandas de Highbury. Com Kennedy em destaque e a segurança da dupla Stoney e McNab, à frente de Wilson, o Arsenal «voava nas asas» do futebol ofensivo de Charles Frederick George, um craque que tinha nascido a dois passos de Highbury e que desde o berço que torcia pelos gunners.
«Uma vitória, um empate, ou então!» titulava a imprensa. O Arsenal jogava o tudo por tudo no terreno do rival, sabendo que um deslize daria o campeonato ao Leeds United. O jogo só teve um sentido e Pat Jennings evitou o golo dos gunners, uma e outra vez, até que Ray Kennedy apontou o 0x1 com uma cabeçada sem defesa. Se o Arsenal não podia festejar o título em Highbury, que melhor local para a festa que White Hart Lane?
As Taças
Dias depois da vitória em White Hart Lane, o Arsenal bateu o Liverpool na final, para conquistar o double, cumprindo o sonho que Chapman não conseguira realizar. Nova conquista na FA Cup chegaria em 1979, a mítica final de Sunderland, não o clube, mas sim o avançado, Alan Sunderland que conseguiu apontar o terceiro golo que deu a vitória (3x2) aos gunners sobre o Manchester United no último minuto do jogo, depois de o Arsenal ter estado a vencer por 2x0 até cinco minutos do fim e ter consentido o empate antes dos 90...
Dez anos passariam até nova conquista, o campeonato de 1988-89. Ano em que contra todas as expectativas os gunners comandaram o campeonato até ao Natal. Com o começo do novo ano, os londrinos perderam gás e foram ultrapassados pelos reds.
Ao intervalo o 0x0 não prenunciava nada de bom, mas um golo de Alan Smith aos 52 de minutos, insuflou o sonho londrino. Anfield fazia o seu trabalho e a pressão era sufocante. Ao 92º minuto os adeptos da casa já cantavam o célebre cântico de «Campeões! Campeões!» quando Dixon não perdeu tempo e fez a bola sobrevoar todo o campo até Alan Smith que a domina e a lança para entrada da área, onde Michael Thomas ganha um ressalto e livra-se de Steve Nicol - defesa escocês dos de Liverpool - , antes de fazer um chapéu sobre Grobbelaar, selando o resultado final e o campeonato. O Arsenal era novamente campeão!
One-nil to the Arsenal!
Os anos noventa assistiram ao ressurgir do Arsenal vencedor, confirmando o título de 1989. Com George Graham ao leme, o Arsenal voltou a rivalizar com os grandes do norte, regressando de corpo e alma ao papel de um dos grandes Inglaterra.
A Inglaterra dos anos noventa vivia o fim do «reinado» de Margaret Thatcher e o eclipsar do hooliganismo, que tantos danos tinha provocado ao futebol inglês e à sua imagem no estrangeiro. 1991 marcou o regresso provisório dos ingleses às competições europeias, anos depois de terem sido expulsos na sequência do desastre do Heysel.
O Arsenal que jogara a final das Taças das Taças em 1980 - derrota com o Valencia - aproveitou o renascimento do futebol inglês na Europa, conquistando a Taça das Taças em 1994, batendo os italianos do Parma na final. Um ano depois, nova épica caminhada europeia, terminou numa inesperada derrota com o Zaragoza, na final da mesma competição.
O Arsenal da primeira metade da época era em campo a definição do futebol inglês: um guarda-redes competente mas sem brilhantismo, defesas coriáceos que deixavam tudo em campo e não faziam prisioneiros, médios que quebravam antes de torcerem, avançados que só viam baliza. Pontapé para a frente, o famoso kick and rush britânico e uma fiabilidade histórica que fazia com que os londrinos vencessem regularmente por 1x0, o que valeu o nascimento de um cântico que os gunners cantavam e ainda cantam todos os jogos: One-nil to the Arsenal!
O realismo do Arsenal em campo fez escola e deu frutos e os títulos foram surgindo. Campeões em 1991, vencedores da FA Cup e da Taça da Liga em 1993. George Graham construiu uma equipa que alimentava a alma gooner - com dois «O», como os adeptos, os die hard fans do clube gostam de se chamar a si mesmo - as vitórias vinham primeiro que as exibições, os adversários achavam que o Arsenal era o protótipo do jogo chato, mas os adeptos continuavam a vibrar com a equipa de Ian Wright e companhia.Era Wenger
O francês trouxe novas tácticas, novos métodosde treino e introduziu diversos estrangeiros no clube, que mudaram completamente a forma de jogar do Arsenal. Com os novos jogadores, a equipa conquistou o double em 1997/98, sucesso que repetiria em 2001/02, chegando à final da Taça UEFA em 1999/00, perdida na marca dos onze metros para os turcos do Galatasaray.
Vencedores da FA Cup em 2003 e 2005, o grande momento da história do clube seria conseguido em 2004, quando os gunners venceram a Premier League sem conceder uma única derrota, repetindo o feito que só fora conseguido - 115 anos antes - pelo Preston North End na primeira edição do campeonato em 1888/89.Um ano depois, o clube ficou na segunda posição, preconizando o fim de uma era em que durante oito épocas seguidas, Arsène e os seus rapazes, nunca tinham ficado abaixo do segundo lugar na classificação final. O plantel dessa equipa era de sonho: Pires, Ljungberg, Wiltord, Campbell, Gilberto Silva, Bergkamp, Patrick Vieira, Cole e claro, Thierry Henry, a estrela maior da constelação, faziam as delícias dos adeptos e eram a garantia de sucesso que Wenger prometia aos dirigentes londrinos.
Em 2005/06, o Arsenal tornou-se o primeiro clube londrino a chegar à final da Liga dos Campeões, defrontando o todo-poderoso Barcelona de Rijkaard em Paris. Os ingleses acabaram vencidos (1x2), depois de estarem a vencer por 1x0, perdendo a histórica oportunidade. Um ano depois, começava um longo período ausente do topo da classificação, com o Arsenal a quedar-se ora em terceiro, ora em quarto, não conquistando mais nenhum troféu e falhando regularmente na Champions.
De Highbury para Emirates com a bagagem repleta de insucessos
Da curiosidade para os factos. O Arsenal deixou em 2006 o velhinho Highbury para fazer do moderno Emirates Stadium a sua nova casa… e nunca mais tocou no céu. Bem pelo contrário. Entrou numa profunda depressão no que à conquista de títulos diz respeito e a permanência de Arsène Wenger no cargo começou, aos poucos, a gerar alguma desconfiança entre a massa adepta gunner.
Foram várias temporadas a rondar o topo da tabela classificativa da Premier League, é certo. Mas o Arsenal teimou em deixar ora o quarto, ora o terceiro lugar durante anos a fio. Escapou somente da rotina em 2015/16, época do título inédito do Leicester City…
Como prémio de consolação foram conquistadas três FA Cup (2013/14, 2014/15 e 2016/17) e três FA Community Shield (2014, 2015 e 2017). Ah, a nostalgia dos tempos dos «Invincibles»…
As eliminações constantes na Liga dos Campeões e a seca de títulos fizeram com que o famoso movimento ‘Wenger Out’ se espalhasse pelo mundo inteiro até em jeito de brincadeira. A verdade é que a contestação foi subindo de tom e agravou a situação…
Em 2016/17, o Arsenal atingiu o quinto lugar e, na época seguinte, não foi além de uma pobre sexta posição que levou, após imensos anos na elite do futebol europeu, a uma presença bem peculiar… na Liga Europa.
Fim da era Wenger: o adeus de uma lenda
O impensável acabou por acontecer. Impensável porque, apesar das divergências dentro e fora do universo gunner em relação à permanência do técnico, os frequentes votos de confiança da direção iam adiando a sua saída. Após uma temporada de 2017/18 bem desapontante, clube e Arsène Wenger colocaram um ponto final na ligação que durou… 22 anos.
Começou, assim, uma espécie de nova vida do Arsenal Football Club. A era pós-Wenger. O espanhol Unai Emery tornou-se no novo técnico… mais de duas décadas depois. O espanhol era apenas o segundo treinador de fora do Reino Unido na longa história do clube. Emery terminou em quinto na Premier League na sua temporada de estreia, na qual o principal feito foi chegar à final da Liga Europa, onde caiu perante o Chelsea.
Emery não durou, e em novembro de 2019, ainda no início da sua segunda época, foi despedido no seguimento de uma série de sete jogos sem vencer. Depois de Ljungberg assumir como interino, o Arsenal contratou outro ex-jogador para se estrear a treinar uma equipa principal: Mikel Arteta.
O espanhol tinha apenas trabalhado como adjunto, e no Arsenal acabou a temporada em oitavo, mas Arteta impressionou ao garantir a presença europeia com a conquista da FA Cup no final da temporada. Voltou aos troféus logo no início de 2020/21, ao conquistar o Community Shield frente ao Liverpool com uma equipa muito jovem.
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(1) - De volta ao quadrado número um.