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    A Schmidtologia do 38

    Texto por Francisco Paulo Carvalho
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    Pressão, futebol vertical e de posse, irreverência e uma atitude dominante estiveram na origem do 38º título de campeão nacional da história do Benfica, construído nas ideias do inesperado Roger Schmidt, que encantou a Luz na sua época de estreia

    Depois da saída de Jorge Jesus, Rui Costa, que estava na presidência do clube há bem pouco tempo, procurou agitar as águas e foi em busca de sangue novo para comandar a equipa principal. A opção surpreendeu e passou pelo alemão Roger Schmidt, desconhecido para muitos, mas que criou um Benfica demolidor e entusiasmante.

    Máquina oleada e motor movido a Enzo

    À entrada para a temporada de 2021/22, poucos eram capazes de prever o campeão nacional. O FC Porto havia sido campeão na época passada, o Sporting de Rúben Amorim queria provar que conseguia bem mais do que um título a cada 20 anos e o Benfica surgia renovado com a contratação de Roger Schmidt e um forte investimento feito. Os dados estavam lançados e eram entusiasmantes.

    A pré-época já tinha deixado boas indicações e o arranque de temporada tinha comprovado isso mesmo. Havia grandes diferenças no Benfica de Roger Schmidt e o dos anos anteriores. Era equipa baseada no gegenpress – pressão sobre o contra-ataque adversário -, que pressionava em bloco e de forma sufocante, dando muito pouca libertada criativa e ofensiva aos adversários.

    Arranque perfeito valeu o título @Kapta+
    Além disso, era bem organizada defensivamente, o técnico germânico potenciou a ascensão de um jovem António Silva ao lado do experiente Otamendi e conseguia potenciar um ataque dinâmico, divertido de ver, e onde qualquer elemento se mostrava um perigo para os adversários no último terço.

    Nomes como David Neres, Rafa Silva, Grimaldo, Gonçalo Ramos ou João Mário – fez a melhor época da carreira – proliferaram sob estas ideias, mas tudo parecia girar à volta da inteligência tática e capacidade distinta no passe do argentino Enzo Fernández, a grande contratação (18 milhões de euros) desse verão.

    Os resultados, de resto, não mentiam e o Benfica arrancou a época, entre campeonato e Liga dos Campeões (qualificação e fase de grupos), com 13 vitórias seguidas, onde se inclui uma impactante vitória em Turim, na casa da Juventus, pouco antes de receber e empatar com os milionários do Paris SG, que contavam com uma frente de ataque composta por Messi, Mbappé e Neymar – repetiram o resultado, de resto, em Paris, e também venceram a Juventus na Luz.

    Roger Schmidt foi figura absoluta @Rogério Ferreira / Kapta+
    Não parecia haver equipa próxima desta Benfica até à pausa para o Mundial do Catar 2022, que se realizou entre dezembro e janeiro, e prova disso é que até tal acontecer, o Benfica apenas perdeu por uma vez e foi precisamente no primeiro jogo após essa pausa, com o SC Braga (3-0). Por essa altura, levava um registo de 23 vitórias e cinco empates em todas as competições, além de números estratosféricos ao nível de golos marcados.

    Aproveitando esse domínio e o maior número de deslizes dos principais rivais na disputa pelo título, o Benfica chegou a essa paragem com cinco pontos de vantagem na liderança da Primeira Liga.

    Piloto automático e uma nova estrela em ascensão

    A primeira metade da época tinha sido de tal forma dominante que não foi de estranhar que o Benfica visse os seus jogadores «perseguidos» pelos tubarões europeus em janeiro. O principal alvo desse interesse foi precisamente Enzo Fernández, que a juntar a essas grande exibições, ainda se mostrou peça importante na conquista do título de campeã mundial por parte da Argentina, no Catar.

    Enzo chegou, assumiu-se como figura, e saiu em janeiro @Kapta+
    O seu nome andou, por isso, nas bocas dos tubarões no mercado de inverno e parecia impossível para o Benfica segurar o jogador, como se acabou por provar. Foi já no fecho do mercado que o Chelsea superou a cláusula de rescisão do jogador, pagou 126 milhões de euros e levou-o para a Premier League, deixando o Benfica «órfão» da sua figura e obrigando Schmidt a promover a sua substituição de forma interna.

    Essa saída não fez baixar os níveis anímicos da equipa numa primeira instância. Nomes como Aursnes – outra das descobertas de Roger Schmidt e acarinhado pelos adeptos – e o renascido Chiquinho assumiram a responsabilidade do lugar e comandaram uma equipa que estava a um nível desportivo tão elevado que parecia quase em piloto automático, aproveitando para se ir distanciando na liga e seguindo em frente nas outras provas.

    Contudo, a partir de fevereiro, quando chegou a altura das grandes decisões, começou a sentir-se a diferença no nível competitivo da equipa, principalmente nos jogos grandes, onde não chegava esse piloto automático.

    Sucessor foi João Neves @Kapta+
    Quiçá o maior ponto positivo dessa saída foi o crescente surgimento de um jovem João Neves, que no alto dos seus 174 centímetros começou a apaixonar os adeptos pela sua inteligência e entrega em campo e foi ganhando espaço no lugar. Especialmente depois de ter feito o golo do empate frente ao rival Sporting (2-2), em Alvalade, nos descontos.

    Uma época que ameaçava roçar a perfeição, no entanto, ficou marcada por um período difícil em abril, já depois da eliminação na Taça de Portugal, mais uma vez aos pés do SC Braga, onde somaram três derrotas pesadas: primeiro com o FC Porto, na Luz, para o campeonato (1-2), dando esperanças aos rivais na corrida pelo título; depois com o Inter de Milão, novamente na Luz, entrando com o pé esquerdo nos quartos de final da Champions; e por fim com o Chaves (1-0), novamente para o campeonato, relançando ainda mais as contas – antes destas duas derrotas, o Benfica liderava por 10 pontos de avanço. Seguiu-se o empate em Milão e eliminação na Liga dos Campeões.

    Apesar de tudo, essa recaída surgiu tarde e o Benfica acabou por conseguir sagrar-se campeão na última jornada, ao vencer o despromovido Santa Clara por 3-0, na Luz. A festa encarnada tomou conta de Lisboa e do país.

    Goleadores alternativos e descida das ilhas

    Se o Benfica foi tão demolidor, durante tanto tempos, e cilindrou recordes e bastou apenas uma má fase para acender a faísca da luta pelo título, em grande parte se deve à competência do FC Porto, de Sérgio Conceição, que nunca baixou os braços, mesmo quando estava a 10 pontos da liderança. O internacional português Otávio foi das maiores figuras, ao ponto de receber o Prémio Regularidade do zerozero para essa época.

    Otávio foi o grande destaque individual da Liga @Catarina Morais / Kapta +
    Apesar da grande temporada de Pote, o Sporting sentiu as saídas de Nuno Mendes, Palhinha e Matheus Nunes e não se conseguiu aproximar realmente dos rivais nessas disputas, ao ponto de ficar em 4º lugar no campeonato. O SC Braga aproveitou, fez uma época memorável com Artur Jorge ao leme e terminou no pódio, com direito a Liga dos Campeões.

    Fora os do costume, destacar a grande época do Arouca, comandado por Armando Evangelista, que fez uma grande 2ª volta e conseguiu terminar no top-5, com direito a competições europeias, galvanizado pelo seu novo goleador, o espanhol Rafa Mújica.

    Na ponta oposta, no entanto, quem não fugiu ao dissabor da descida foram o Santa Clara e o Paços de Ferreira, ao qual se juntou, mais tarde, após derrota no play-off de manutenção, o Marítimo, deixando a Primeira Liga sem representação dos arquipélagos dos Açores e da Madeira pela primeira vez em quase 40 anos, desde 1985. Para as suas vagas viram Moreirense, Farense e o histórico Estrela da Amadora.

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