Pressão, futebol vertical e de posse, irreverência e uma atitude dominante estiveram na origem do 38º título de campeão nacional da história do Benfica, construído nas ideias do inesperado Roger Schmidt, que encantou a Luz na sua época de estreia
Depois da saída de Jorge Jesus, Rui Costa, que estava na presidência do clube há bem pouco tempo, procurou agitar as águas e foi em busca de sangue novo para comandar a equipa principal. A opção surpreendeu e passou pelo alemão Roger Schmidt, desconhecido para muitos, mas que criou um Benfica demolidor e entusiasmante.
À entrada para a temporada de 2021/22, poucos eram capazes de prever o campeão nacional. O FC Porto havia sido campeão na época passada, o Sporting de Rúben Amorim queria provar que conseguia bem mais do que um título a cada 20 anos e o Benfica surgia renovado com a contratação de Roger Schmidt e um forte investimento feito. Os dados estavam lançados e eram entusiasmantes.
A pré-época já tinha deixado boas indicações e o arranque de temporada tinha comprovado isso mesmo. Havia grandes diferenças no Benfica de Roger Schmidt e o dos anos anteriores. Era equipa baseada no gegenpress – pressão sobre o contra-ataque adversário -, que pressionava em bloco e de forma sufocante, dando muito pouca libertada criativa e ofensiva aos adversários.
Nomes como David Neres, Rafa Silva, Grimaldo, Gonçalo Ramos ou João Mário – fez a melhor época da carreira – proliferaram sob estas ideias, mas tudo parecia girar à volta da inteligência tática e capacidade distinta no passe do argentino Enzo Fernández, a grande contratação (18 milhões de euros) desse verão.
Os resultados, de resto, não mentiam e o Benfica arrancou a época, entre campeonato e Liga dos Campeões (qualificação e fase de grupos), com 13 vitórias seguidas, onde se inclui uma impactante vitória em Turim, na casa da Juventus, pouco antes de receber e empatar com os milionários do Paris SG, que contavam com uma frente de ataque composta por Messi, Mbappé e Neymar – repetiram o resultado, de resto, em Paris, e também venceram a Juventus na Luz.
Aproveitando esse domínio e o maior número de deslizes dos principais rivais na disputa pelo título, o Benfica chegou a essa paragem com cinco pontos de vantagem na liderança da Primeira Liga.
A primeira metade da época tinha sido de tal forma dominante que não foi de estranhar que o Benfica visse os seus jogadores «perseguidos» pelos tubarões europeus em janeiro. O principal alvo desse interesse foi precisamente Enzo Fernández, que a juntar a essas grande exibições, ainda se mostrou peça importante na conquista do título de campeã mundial por parte da Argentina, no Catar.
Essa saída não fez baixar os níveis anímicos da equipa numa primeira instância. Nomes como Aursnes – outra das descobertas de Roger Schmidt e acarinhado pelos adeptos – e o renascido Chiquinho assumiram a responsabilidade do lugar e comandaram uma equipa que estava a um nível desportivo tão elevado que parecia quase em piloto automático, aproveitando para se ir distanciando na liga e seguindo em frente nas outras provas.
Contudo, a partir de fevereiro, quando chegou a altura das grandes decisões, começou a sentir-se a diferença no nível competitivo da equipa, principalmente nos jogos grandes, onde não chegava esse piloto automático.
Uma época que ameaçava roçar a perfeição, no entanto, ficou marcada por um período difícil em abril, já depois da eliminação na Taça de Portugal, mais uma vez aos pés do SC Braga, onde somaram três derrotas pesadas: primeiro com o FC Porto, na Luz, para o campeonato (1-2), dando esperanças aos rivais na corrida pelo título; depois com o Inter de Milão, novamente na Luz, entrando com o pé esquerdo nos quartos de final da Champions; e por fim com o Chaves (1-0), novamente para o campeonato, relançando ainda mais as contas – antes destas duas derrotas, o Benfica liderava por 10 pontos de avanço. Seguiu-se o empate em Milão e eliminação na Liga dos Campeões.
Apesar de tudo, essa recaída surgiu tarde e o Benfica acabou por conseguir sagrar-se campeão na última jornada, ao vencer o despromovido Santa Clara por 3-0, na Luz. A festa encarnada tomou conta de Lisboa e do país.
Se o Benfica foi tão demolidor, durante tanto tempos, e cilindrou recordes e bastou apenas uma má fase para acender a faísca da luta pelo título, em grande parte se deve à competência do FC Porto, de Sérgio Conceição, que nunca baixou os braços, mesmo quando estava a 10 pontos da liderança. O internacional português Otávio foi das maiores figuras, ao ponto de receber o Prémio Regularidade do zerozero para essa época.
Fora os do costume, destacar a grande época do Arouca, comandado por Armando Evangelista, que fez uma grande 2ª volta e conseguiu terminar no top-5, com direito a competições europeias, galvanizado pelo seu novo goleador, o espanhol Rafa Mújica.
Na ponta oposta, no entanto, quem não fugiu ao dissabor da descida foram o Santa Clara e o Paços de Ferreira, ao qual se juntou, mais tarde, após derrota no play-off de manutenção, o Marítimo, deixando a Primeira Liga sem representação dos arquipélagos dos Açores e da Madeira pela primeira vez em quase 40 anos, desde 1985. Para as suas vagas viram Moreirense, Farense e o histórico Estrela da Amadora.