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      Vénia ao 3º Anel
      Filipe Inglês
      2023/03/15
      "Vénia ao 3° Anel" é a visão de um Benfiquista profundamente apaixonado pelo ideal do seu clube, mas por isso exigente e racional com quem momentaneamente o representa. A águia tem sempre que voar alto

      Vou-vos contar a história do Pedro. O Pedro é um adepto de futebol em Portugal, muito apaixonado pelo seu clube e que decidiu que queria ir ver o próximo encontro da sua equipa, vital para a luta pelo grande objetivo da época.

      O dia do jogo até começou como muitos outros. O nosso adepto acordou às 7h30 e foi trabalhar das 9h às 18h. Até aqui tudo normal. Mas o Pedro sabia que assim que terminasse o turno (e todo o dia rezou para que não houvesse stresses de última hora), iria começar uma maratona contra o tempo. Teria que entrar no seu carro e arrancar para uma viagem de 300 kms, pois o jogo estava marcado para uma 2ª feira às 21h15 (e conseguir ir ao jogo já tinha sido uma sorte, pois o dia e a hora só fora anunciado 5 dias antes e felizmente ainda conseguiu trocar o turno com um dos seus colegas). O Pedro foi com a esposa e o seu filho (que tinham ido ter com ele ao seu emprego, pois de outro modo nunca na vida chegariam a tempo) e tinham gasto 120 euros nos três bilhetes, a que se iria somar a gasolina, a portagem, mais a comida apressada na área de serviço. Em tudo isto ele pensava durante a viagem, enquanto a noite ia caindo e sentia a esposa a suspirar e o filho com o habitual "pai, já chegámos?". À 8ª repetição da pergunta, estacionou o carro.

      Chegado às imediações do estádio, procurou então descobrir o sector que lhes pertencia. Deu uma volta inteira ao estádio e percebeu finalmente para onde se devia deslocar: na zona onde estavam polícias que mais pareciam robocops, uns montados a cavalo e outros com pastores alemães que ladravam de forma agressiva. "Calma, vai correr tudo bem" diz o Pedro ao seu filho, após ver a sua cara assustada. Até porque olhou para a esposa e pareceu-lhe que a mãe não estava muito mais tranquila. "Senhor agente, desculpe, é aqui o setor do clube visitado?" "Ponha-se mazé a andar!" responde o agente, enquanto empurra a família para a frente. "Bom, aqui será" pensou o Pedro. Colocam-se na fila (no que mais se assemelha a um ajuntamento de gado) e os minutos começam a passar, todos os adeptos cada vez mais apertados e a fila não mexe. "Que se passará" falam uns para os outros, sem nada perceberem. Até porque a hora do jogo (para o qual recorde-se, pagaram 120 euros, mais gasolina, mais portagens, mais comida) aproxima-se. Tanto se aproxima que o jogo começa e eles ainda estão no exterior. A revolta faz os adeptos começarem a barafustar e agitarem-se, o que é respondido pela autoridade com gritos e cacetadas. "Calma, calma, estão aqui mulheres e crianças!" gritou o Pedro.

      Chegados finalmente à revista, são informados que o cachecol que o filho leva aos ombros não pode entrar: "adereços da equipa visitante não são permitidos". "Mas agora onde eu meto o cachecol?" "Ponha ali naquele amontoado onde estão os outros cachecóis. À saída pode recolhê-los...se eles ainda aí estiverem". Bom, apesar do cachecol ter sido uma prenda de natal para o filho, o Pedro pediu ao menino que cumprisse com as regras. "Deixa lá, meu querido, se for preciso depois o pai compra outro". Foi nessa altura que reparou que a mulher estava com problema semelhante: a revista não a deixava entrar com os auriculares bluetooth que trazia na mala. "Isso pode ser uma arma de arremesso contra o árbitro". "Arremesso ao árbitro!? Isto custou-me 50 euros, acha que eu ia fazer uma coisa dessas!? Nem eu tenho essa força de braços". Bom, mas fazer o quê? Era cumprir as regras e entrar ou voltar para trás da fila à procura de algum bengaleiro. Lá entraram, deixando cachecol e auriculares deitados no chão.

      "Isto o que me sabia mesmo bem agora era uma cervejinha, antes de ocupar o lugar" pensou o Pedro. Mas rapidamente se lembrou que dentro do estádio não é vendido. A não ser para as elites dos camarotes, claro, que esses podem beber cerveja e demais bebidas alcoólicas à vontade. E a verdade é que se fosse beber, mais tempo iria perder que a fila era grande e com certeza o filho também iria querer um refrigerante e os preços dentro do estádio não são nada convidativos.

      Ocuparam finalmente os seus lugares, já o jogo decorria há 20 minutos e a verdade é que até ao intervalo não viram o melhor espetáculo do mundo. Muitas faltas e muito tempo parado com jogadores caídos e elementos dos bancos a levantar e reclamar com o árbitro sempre que este assinalava (ou não) qualquer coisa. Ao intervalo tentou comentar isso com o filho, mas era impossível com a música que saía aos altos berros das colunas do estádio (o que não tentou sequer comentar foi o estado imundo em que estavam as casas-de-banho do estádio, que isso não era nada agradável). Bom, a segunda parte já foi melhorzinha, mas o jogo terminou num zero-zero que deixou tudo na mesma e os momentos mais agitados foram mesmo as expulsões que houveram, com cada equipa a terminar reduzida a dez.

      Apito final e siga para o carro, que havia uma longa viagem pela frente! Hummm...não tão depressa, meu caro Pedro, adepto de futebol em Portugal. É que adepto de equipa adversária só sai do estádio uma hora depois do jogo acabar. Há que fazer sair primeiro os adeptos da casa, para evitar confusões. O Pedro até entendeu a lógica, dispensava era a contínua e incessante música a altos berros. Após uma longa espera, lá saíram finalmente e se deslocaram para o veículo (pelo meio confirmaram que cachecol e auriculares já só eram uma perdida memória). Pouco passava da meia-noite do dia seguinte quando se puseram à estrada, para novas 3 horas de viagem. E para mais gasolina gasta. E portagens. E comida na área de serviço.

      Chegados ao lar, foram rapidamente deitar o estafado míudo e o Pedro deitou-se no sofá, também ele cansado. Mas como é daqueles que o sono não lhe vem instantaneamente, ligou a televisão. Estavam a falar do jogo, mas apenas dos casos de arbitragem. Ainda ouviu o dirigente do seu clube a dizer que "não nos permitiram ganhar" e tem a vaga ideia que o dirigente do clube rival também disse exatamente a mesma coisa, mas caiu finalmente no sono. Não sem antes pensar que para a próxima vê é o jogo na televisão, embora tenha que decidir entretanto qual o canal pago que ativa. O que dá os jogos do seu clube em casa? Ou o que dá os jogos fora? Ou o que dá os jogos europeus? É que tudo ao mesmo tempo é muito caro.

      Nem 4 horas depois de adormecer, o despertador tocou. O Pedro tinha que ir trabalhar. Era terça-feira.

      Foi um exercício de imaginação longo, mas aqui vai do cronista um último pedido de esforço aos leitores:

      Imaginem agora que o apelido do Pedro era Proença. E pensem no quão rápido a maneira como o adepto de futebol em Portugal é tratado ia mudar.



      Comentários (13)
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      motivo:
      .
      2023-03-30 00h30m por redlegion
      Também há um ditado de Denis Diderot que se pode aplicar aqui: "Do fanatismo à barbárie basta apenas um passo. " O ser humano é tribal por natureza, mas é mais fácil ignorara certas parvoíces escritas no texto. O futebol não é cinema e a psicologia das massas nas suas diversas teorias explica o que acontece quando estamos perante um grupo toldado pela emoção e tribalismo. Mas lá está, estão habituados a viver numa bolha, onde chegam aos estádios dos outros, ocupam aquilo como se fosse dele...ler comentário completo »
      Filipe Inglês
      2023-03-17 22h41m por ruizinho119
      Que horror de texto, com um colorário totalmente hilariante e patético. Mas ao menos poupou-nos a mencionar o seu ódio de estimação que menciona vezes e vezes sem conta; desta vez preferiu apontar as suas humildes armas à LPF. Obrigado por isso.
      É inacreditável
      2023-03-17 02h19m por BanInform
      Que num texto em que são expostos inúmeros problemas reais que acontecem todos os fins de semana nos jogos em Portugal estejam uma quantidade de patetas a tentar justificar o que não tem justificação. É assim que se percebe quem nunca vai ao futebol e só acompanha o desporto para mandar bocas aos outros. Isso e serem malucos, mas isso é outra conversa
      FR
      Este é o tipo de artigo
      2023-03-16 17h13m por Fragha
      que me faz lembrar o milenar dizer:
      "Quando o mestre aponta para a Lua, o néscio olha para o dedo".

      E assim é. A cegueira é tanta que a caixa de comentários se enche de fanáticos, a maior deles ressabiados.

      redlegion, quando entrares na casa de alguém, nunca leves uma t-shirt com o nome de uma banda, ou um crucifixo ao peito. Ou com uma tatuagem a defender os direitos LGBT. Corres o risco de ficares à porta. . .
      Quando se justifica o cerceam...ler comentário completo »
      Em grande
      2023-03-16 14h57m por PinheiroSLB
      e digo mais, há mais de 10 anos que decidi cunca mais ir a um jogo fora, se quero ver o meu clube vejo em casa, no nosso estádio onde sou tratado com respeito, por muito que me custe, jogos fora. 0, nem um, a única exceção são finais da taça e mesmo ai depende do adversário.
      Filipe Inglês
      2023-03-16 13h54m por redlegion
      Sou o primeiro a dizer que os horários são dos principais fatores de afastamento dos adeptos no futebol, mas se acha bem levar uma criança a fazer 300km em dia de semana para ver um jogo às 21h15, se calhar tem mesmo de rever as suas prioridades e que tipo de valores lhe quer transmitir. Se acha isso bem, ninguém pode ficar admirado se essa criança virar um daqueles fanáticos cujo o futebol está à frente de tudo na vida, incluindo quem lhe incutiu essa forma de pensar.
      E mais uma ve...ler comentário completo »
      Caro Lazyfox
      2023-03-16 13h42m por Boblawblob
      Vamos só fazer esta suposição. Eu sou do Algarve, quero ver um jogo do meu clube, vamos supor, FCP. Penso ir a Lisboa porque é um clássico e tal e ir ao Porto é horrivelmente caro e não ganho o suficiente para isso. Mas o meu filho anda a chatear há anos para ver um jogo do seu clube. E eu como pai quero de dar esse prazer ao meu filho. Então vamos a isso. As dificuldades logísticas e clubísticas para realizar um exercício tão simples como ver um jogo de futebol são aquilo que o cronist...ler comentário completo »
      Toupeiral
      2023-03-16 12h08m por Boblawblob
      Onde é que que querer ir ver um jogo de futebol com a família é "fantasioso e tóxico"?
      Caro Filipe
      2023-03-16 12h06m por Lazyfox
      2 pontos.

      1. Por isso é que há diferença entre jogos "em casa" e jogos "fora". Se vai arrastar a sua família para uma situação de stress em tempo, em gastos, em prazer, para assistir a um jogo a 300km, num estádio de um adversário, talvez devesse rever as suas prioridades de vida. Não pode culpar terceiros pelas suas opções.

      2. Se não estivéssemos no Benfiquistão, e houvesse um clube a fazer algo único no mundo civilizado, como poder efectuar as trans...ler comentário completo »
      Eu concluo que o tal Pedro. . .
      2023-03-15 19h51m por Toupeiral
      . . . necessita de ajuda para racionalizar um pouco mais a sua vida e controlar a relação fantasiosa e tóxica que desenvolve com o seu clube. . .
      PI
      Artigo
      2023-03-15 18h10m por Pinho352
      Um artigo interessante sobre a realidade do que passa em vários estádios portugueses, em especial nos das 5 maiores equipas.
      Podia ter mais cuidado com o português e não cometer erros que se notam muito em textos (inclusive de jornalistas) e sobretudo na comunicação oral, tal como a expressão "mesmo as expulsões que houveram". O verbo haver é impessoal é conjugado apenas no singular e não muda para a terceira pessoa do plural. Ou seja, houve uma situação e no plural é houve várias situações.
      Quem mama não chora
      2023-03-15 17h41m por Besteirense
      Arrigo Sacchi disse que o "futebol é a mais importante das coisas menos importantes na vida. " O italiano foi alguém ligado ao futebol, logo é natural que pense assim. Agora, para uma pessoa comum, essa afirmação deveria ser falsa; esse deporto não é mais importante que outra qualquer brincadeira. Infelizmente, a realidade é bem mais deprimente.

      Quem quer brincar ao futebol de forma desmedida, pondo esse interesse acima de outros, deixando de fazer coisas importantes pela...ler comentário completo »
      TI
      Adeptos
      2023-03-15 17h32m por ti_maria_69
      Depois querem gente nos estádios. . .

      Por tudo isto referido, o atual futebol profissional, principalmente das equipas "grandes", não está feito para o adepto comum, muito menos para famílias.

      Está feito para gente abastada e sem horários de trabalho rígidos, ou para os beneficiários das claques que querem tudo menos futebol.

      Ou então pagas uma renda para poder ver em casa no sofá ou vais para o café. . .

      Enfim, é o espelho do estado atual do nosso país!!!
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