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    México 1986

    México 1986: Carregados pela arte (e mão) de deus

    Texto por João Pedro Silveira
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    No mundo de futebol existe uma questão pendente que apaixona e divide amantes da modalidade: quem foi o maior jogador de todos os tempos? Alguns não têm dúvidas e atiram Pelé; outros não se dão por rendidos e afirmam com convicção que foi Maradona.

    É uma dúvida que como tantas grandes paixões divide gerações, se os mais velhos acusam os mais novos de não terem visto o Rei jogar; os mais novos respondem que os tempos eram outros e não se podia comparar o futebol de 60 e as marcações de que Pelé era alvo, com as duríssimas e serradas marcações que Diego Armando Maradona, com o seu mágico e inebriante futebol se tornou exímio a fugir.
    Uma coisa contudo é certa. Os Mexicanos são os únicos que podem dizer que tiveram o prazer de ver tanto Pele como Maradona eleger os seus campos como palco principal para as suas mais belas obras-primas.

    Dezasseis anos depois o mundial voltava ao México, onde guiados pela mão de Maradona (ou seria de Deus?), os argentinos conquistarem o seu segundo mundial.

    Dieguito, como lhe chamavam os fãs, tinha deixado uma triste imagem em Espanha, não conseguindo mostrar todo o seu potencial e tendo acabado expulso no seu último jogo no Estádio Sarriá, em Barcelona.
    Aliás a capital catalã tinha deixado tristes memórias no jogador, pois após o mundial espanhol, foi transferido para o mítico Futbol Club Barcelona, onde nunca conseguiu maravilhar à afición, tendo saído de Espanha, vergado a falta de exibições convincentes e com fama de arruaceiro e violento, de ser capaz de ferver em pouca água.

    Barcelona deixou-o partir e Nápoles recebeu-o de braços abertos para uma das mais belas estórias de amor da história do futebol.

    A Argentina no segundo mundial mexicano revelou desde o início uma vontade superior de vencer. Estreou-se com vitórias sobre a Coreia do Sul (3-1) e Bulgária (2-0), ao que se seguiu um empate (1-1) contra os campeões mundiais, num encontro onde Maradona marcou o seu primeiro golo na competição.

    Os campeões do mundo - Itália - tiveram uma primeira fase sofrível. Depois de um empate no jogo de abertura contra a Bulgária (1-1) e do já supracitado empate contra os argentinos, sofreram a bom sofrer para levar de vencida a Coreia do Sul (3-2) no último jogo da primeira fase. 

    O Grupo B, da equipa da casa, era à partida o grupo mais fraco do mundial, ao contar com os organizadores como cabeças de série, a Bélgica, o regressado Paraguai (ausente desde 1958) e o estreante Iraque.
    Foi um grupo sem surpresas que acabou exactamente como o alinhamento do sorteio tinha definido, carimbando os três primeiros a passagem aos oitavos.

    A França, campeã europeia em título, guiada por Platini, teve na URSS o principal rival do grupo. Os bleus começaram com uma vitória difícil sobre outro estreante do mundial: o Canadá. Nesse Jogo, os franceses só conseguiram romper a barreira canadiana a 11 minutos do fim, por intermédio do jovem Jean-Pierre Papin.
    Enquanto no dia seguinte em Irapuato, os soviéticos esmagavam a Hungria por 6-0.
    Quando na segunda jornada franceses e soviéticos empataram a 1-1, ficava traçado o destino do grupo. Na última ronda a França vencia facilmente a Hungria, enquanto a URSS ao vencer os canadianos por 2-0 garantia a vitória no grupo.

    No Grupo do Brasil não houve surpresas, Irlanda do Norte e Argélia foram oposição muito fraca para espanhóis e brasileiros, tendo os últimos vencido o grupo só com vitórias, e sem sofrer um único golo.

    O Grupo E com sede em Queretaro e Nezahualcoytl, era o grupo mais forte do mundial.
    A Alemanha Federal - vice campeã mundial - partia como favorita tendo pela frente a oposição do Uruguai - regressado aos grandes palcos, da sempre difícil Escócia e da estreante Dinamarca que vinha de uma maravilhosa carreira no Euro 84 onde tinha chegado às meias-finais.

    Uruguaios e alemães abriram as hostilidades num jogo onde os uruguaios dominaram e estiveram na frente dos 4´ aos 84´, altura em que Klaus Alofs repôs a igualdade.

    Na outra partida do grupo Elkjaer-Larsen marcou o golo solitário que colocou os dinamarqueses na liderança do grupo.
    Na segunda jornada a Alemanha teve que dar a volta ao golo inicial de Strachan, para vencer os escoceses por 2-1; enquanto a Dinamarca com um hattrick de Larsen, esmagou o Uruguai por 6-1.
    Na última ronda os vikings vermelhos garantiram a sensacional terceira vitória em três jogos ao baterem os alemães por 2-0, que apesar de batidos garantiram o 2º lugar, graças ao empate entre uruguaios e escoceses. Nesse jogo aconteceu a expulsão mais rápida da história dos mundiais, pois foram precisos apenas 55 segundos para o uruguaio José Baptista ver um cartão vermelho directo e ter ordem de expulsão.

    Por fim o grupo F com ingleses, polacos, portugueses e marroquinos.
    A estreia de Portugal, para surpresa de muitos que tinham acompanhado o estágio da selecção nacional, foi uma estrondosa vitória contra a toda-poderosa Inglaterra.
    O que levou muitos a pensar que o difícil estava feito, mas a lesão do guarda-redes Bento, seguida da derrota contra a Polónia (0-1) e o desastre com Marrocos (1-3) acabaram com o sonho lusitano, que assim confirmava Portugal em último lugar de um grupo surpreendentemente vencido pelos magrebinos.

    Os oitavos de final começaram com um golaço de Negrete na vitória de 2-0 do México sobre a Bulgária no Estádio Azteca na Cidade do México. Com a derrota dos polacos com o Brasil (0-4), e dos soviéticos (3-4) com a Bélgica, o mundial ficava sem nenhuma selecção das então temíveis escolas do leste europeu.

    A Alemanha viu-se e desejou-se para vencer os marroquinos por 1-0, com um golo de Matthäus aos 87´; enquanto os ingleses venciam sem contestação os Paraguaios por 3-0, com dois golos de Lineker.
    A França demonstrava toda a sua qualidade eliminando a Itália (2-0) e a Argentina vencia o Uruguai (1-0) num espectacular e emotivo derby do Mar del Plata.
    A fechar a Espanha esmagou a surpreendente Dinamarca por 5-1 com 4 golos de Emílio Butragueño.

    Nos quartos em Guadalajara, um grande jogo: França e Brasil empataram 1-1 e nos penalties os gauleses levaram a melhor para desilusão de milhões de torcedores brasileiros, que mais uma vez viam o sonho do tetra desfeito.
    Mas ainda mais dois jogos haveriam de ser resolvidos através do desempate por grandes penalidades, Alemanha e Bélgica eliminariam respectivamente México e Espanha.

    No grande jogo dos quartos de final argentinos e ingleses defrontavam-se num jogo de intensa rivalidade política, bem mais que desportiva, pois apenas quatro anos antes a Argentina tinha invadido as ilhas Malvinas que os ingleses chamam de Falkland, mas rapidamente o governo de Sua Majestade, na altura liderado por Margareth Tatcher, enviou a Royal Navy para repor a soberania britânica nesse arquipélago do Atlântico Sul.
    Após 2 meses de combates a Union Jack (bandeira do Reino Unido) voltava a esvoaçar em Stanley, capital das ilhas.

    E se era a Guerra e a política que atraíam os olhos do mundo para o Estádio Azteca nessa tarde, foi o futebol jogado e os golos marcados por Diego Armando Maradona que tornaram essa partida num dos grandes clássicos da história da modalidade.

    Primeiro foi a “mão de Deus” a tocar no fundo das redes inglesas, e depois, como que querendo repor a fama de mago da bola, Maradona pega no esférico no meio campo, serpenteia por entre três ingleses, e como num bailado clássico, desliza em direcção à baliza, contornando todos os obstáculos que lhe aparecem pela frente, para por fim encostar a bola às redes de uma baliza deserta, num golo que o narrador da televisão argentina comentou em directo com um esclarecedor: “Golooooo! Golooooo! Quero chorar! Deus Santo! Viva o Futebol! Que Golaço! Diego Maradona!”

    Nas meias a Alemanha voltou a impedir a França de chegar ao grande jogo vencendo por 2-0, enquanto Maradona ao bisar com dois grandes golos na vitória sobre a Bélgica qualificava a Argentina para o jogo decisivo, apesar da magnífica réplica dos europeus.

    A final disputada no Estádio Azteca foi emocionante. A Argentina ganhou vantagem com um golo de Brown aos 23´ e dominou o jogo até ao intervalo.
    Na 2ª Parte aos 55´ Valdano fez o 2-0 e tudo se encaminhava para os alvicelestes serem campeões mundiais pela segunda vez, mas foi então que num volte-face em que o futebol germânico é tão pródigo Rummenigge reduz para 1-2 aos 74’ e os alemães lançam-se numa carga ofensiva que vem a dar os seus frutos a 10 minutos do final com o golo do empate atráves de Voller.
    Quando o desastre parecia eminente, a Argentina levanta a cabeça, pega no jogo e Maradona finalmente consegue um espaço e com uma assistência genial coloca a bola em Burruchaga, que faz o 3-2 aos 83´.

    Já não havia dúvidas, a Argentina era novamente a Senhora do futebol mundial.

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