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    Nápoles

    Texto por João Pedro Silveira
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    «Ver Nápoles e morrer», tão definitiva é a sentença, como verdadeira é a premissa. À sombra e mercê do imponente Vesúvio, a cidade espraia-se junto ao mediterrâneo, em volta da sua baía, como o mais perfeito dos cenários. Bela e intensa, explosiva, Nápoles vive com o coração na boca como as personagens dos filmes de Vittorio de Sica.
     
    Apaixonada, louca por futebol e pelo seu clube maior, a capital do sul é acima de tudo o resto, a terra de Maradona, pois ali brilhou a manifestação divina no futebol, e tão maravilhosos foram os seus milagres e feitos com a camisola azul celeste do Nápoles, que para sempre, Diego brilha no firmamento napolitano, como estrela-guia, provocando tal devoção, que não é estranho encontra-lo em altares populares nas ruas da cidade, ao lado de Nossa Senhora, disputando com o divino, taco-a-taco, a sua quota de adoração.
     
    Nápoles é essa loucura constante, de uma religiosidade profunda, mas profana, onde a história se sobrepôs camada por camada, desde os tempos da Eneida de Virgílio aos golos de Diego, criando um emaranhado de ruas e praças, que transformam a cidade numa entidade viva que se regenera e transforma a cada nova era.

    Viver Nápoles é gritar de devoção nas bancadas lotadas do San Paolo, perder o olhar na volúpia de Sofia Villani Scicolone, perdão, Sophia Loren, ou começar a salivar ao som do crepitar de um forno a lenha onde lentamente coze uma pizza margherita.
     
    Talvez Nápoles não seja mais do que uma utopia que não se concretizou, ou talvez seja muito mais do que isso. Que Nápoles é um mosaico surrealista pintado de realidade, dentro e fora do campo, não será uma ideia estranha a ninguém.
     
    Talvez por isso, ou por muito mais, é que num já distante fim de tarde, o filósofo francês Jean-Paul Sartre, também ele um apaixonado e teórico do beautiful game, olhando Nápoles passar-lhe em frente dos olhos enquanto segurava a chávena de café, sentado na esplanada do luxuoso Gambrinus (1), terá perguntado: «Mas estou em Nápoles? Nápoles existe?»
     
    Entre o céu e a terra
     
    Sartre não foi o único francês que se apaixonou pela cidade do sol. Gustave Flaubert considerou-a uma Paris no Mediterrâneo, por sua vez, Stendhal escreveu que Nápoles e Paris eram as duas únicas capitais. Mas não seria nem ao autor de «Madame Bovary» nem ao autor de «Vermelho e Negro» que caberia o elogio definitivo à cidade das quinhentas cúpulas, esse seria da responsabilidade do autor de «Os Três Mosqueteiros», o também francês Alexandre Dumas, não hesitou a comparar Nápoles com o Jardim do Éden, pois para o "pai" do «Conde Monte Cristo» Nápoles era «uma flor do paraíso», «a última aventura da sua vida».
     
    @Domínio Público
    A ligação entre Nápoles e o divino não se fica só por Maradona e pelas palavras de Dumas... pois uma lenda conta que foi precisamente em Nápoles, algures entre Fuorigrotta e Pozzuoli que São Paulo de Tarso desembarcou quando chegou a Itália. Seria perto de onde se encontra o atual estádio que o apóstolo iniciou a sua caminhada pela Via Ápia com destino a Roma, «a cabeça do Mundo», onde, tal como São Pedro, provavelmente perdeu a vida. 
     
    Se bem que São Paulo não seja o padroeiro da cidade, essa honra pertence a São Januário, localmente conhecido como San Gennaro, a devoção dos napolitanos ao apóstolo convertido na estrada para Damasco é enorme e sempre foi. A ligação de Paulo de Tarso à cidade do Vesúvio remonta a essa lenda, mas já antes de São Paulo que a cidade tinha uma ligação ao "outro mundo".
     
    Virgílio, o grande poeta latino, viveu em Nápoles e lá escreveu a célebre Eneida. A sua suposta tumba, a Crypta Neapolitana, encontra-se na Piedigrotta, bem na entrada do famoso túnel construído durante o reinado de Augusto, que liga a atual Mergelina a Fuorigrotta.
     
    A galeria de túneis escavada no século I a.e.C. sob a colina de Posillipo ligava a Nápoles romana a Puteoli e foi uma das maiores obras de engenharia do Império Romano. De um lado da entrada ficava a Piedigrotta, do outro a Fuorigrotta, do latim "fuoris crypta", fora da gruta (caverna).
     
    Seria do lado de fora que teria lugar o desembarque de São Paulo, seria também nessa zona que Virgílio se inspiraria para escrever a «Eneida», e seria lá que colocaria o desembarque de Eneias depois da Guerra de Troia, em Cumae (2), bem perto do Lago Averno, onde ficava a suposta entrada do Inferno, que mais tarde Dante descreveu.
     
    Das margens do lago à Piazzale Vincenzo Tecchio, onde se encontra o Estádio de San Paolo, distam cerca de dez quilómetros. Entre os napolitanos, não é difícil encontrar quem defenda que essa é a distância exata entre o céu e o inferno.
     
    Pela tristeza de uma sereia
     
    A terceira maior cidade de Itália, é também uma das mais antigas do país. Os seus fundadores eram colonos provenientes da Eubeia, na Grécia, e que tinham colonizado a vizinha cidade de Cumae, a mais velha da península itálica. A primeira fundação de Nápoles é atribuída a Pháleros, o argonauta, que segundo a mitologia helénica terá fundado a colónia de Phálēron (em latim: Phalerum).
     
    Contudo o primeiro estabelecimento colonial grego em Nápoles devidamente documentado e sustentado por evidências arqueológicas é a colónia de Parthenópē, que deve o seu nome à sereia do mesmo nome, que na Odisseia tentou encantar sem sucesso Ulisses, quando este tentava regressar a Ítaca.
     
    @Domínio Público
    Ceres teria avisado Ulisses para que toda a tripulação colocasse cera nos ouvidos quando passassem pelas sereias. Precavido, Ulisses assim procedeu, ordenando que todos colocassem cera nos ouvidos, enquanto ele era amarrado ao poste, para poder ouvir o cântico maravilhoso das sereias. O cântico das sereias não enfeitiçou a tripulação e assim seguiram viagem. Desiludida Parthenópē, atirou-se ao mar e acabou por afogar-se. O seu corpo deu à costa na Megarida, a ilha onde hoje fica o Castel dell'Ovo, em frente à Mergellina. Nesse local haveria de nascer um templo e mais tarde uma localidade com o nome da ninfa.
     
    A memória de Parthenópē ainda vive em Nápoles, como tão bem exemplifica a Fontana della Sirena na Piazza Sanazzaro no coração da Mergellina. Parthenope cresceu à sombra de Cumae, até que as tensões entre gregos e etruscos levaram a um declínio da presença helénica no sul de Itália. A cidade seria destruída e a colónia abandonada.
     
    Em 474 os gregos de Siracusa (colónia helénica na Sicília) derrotaram os etruscos em Cumae e refundaram a colónia com o nome de Neapolis (Νεάπολις: a nova cidade).
     
    Cidade cobiçada por estrangeiros
     
    A cidade cresceu e seria cercada por imponentes muralhas, à frente das quais Aníbal o Cartaginês seria parado. Depois de um período de ocupação samnita, tornou-se romana, nunca esquecendo as suas origens gregas, ao ponto de ainda hoje em dia os napolitanos se chamarem a si mesmos como partenopéi
     
    Por Nápoles, além de São Paulo, passou também São Pedro e Nápoles foi uma das primeiras comunidades cristãs de Itália. A cidade não sofreu com a erupção do Vesúvio como as vizinhas Pompeia ou Herculano, mas durante o declínio do Império Romano foi perdendo importância.
     
    Nos séculos seguintes a cidade seria constantemente cobiçada por diversas potências locais ou do mediterrâneo. Fez parte do Império Romano do Oriente, foi ocupada pelos ostrogodos, pelos bizantinos, cobiçada por lombardos e árabes, ameaçada pelos vizinhos de Amalfi e Benavento, acabou por ser conquistada pelos Normandos e incorporada no Reino da Sícilia.
     
    Mais tarde seria conquistada pelos franceses, pelos catalães e mais tarde incluída nos domínios da coroa espanhola, onde se manteve até ao século XVIII, com um pequeno período de ocupação austríaco.
     
    O domínio espanhol acabou em 1799, com a proclamação da República Napolitana ou República Partenopeia que durou apenas alguns meses. Seguiu-se a restauração do Reino Nápoles, sob a influência da França Napoleónica.
     
    Com o fim do Império Napoleónico, Nápoles juntou-se ao Reino das duas Sicílias que durou até à conquista do reino pelo exército do Reino de Piemonte e Sardenha. A 7 de Setembro de 1860, Giuseppe Garibaldi entra em Nápoles e pouco depois a cidade e todo o sul do país é incorporado no novo de Reino de Itália.
     
    Uma cidade de contrastes
     
    A República Napolitana ou República Partenopeia
     
    Nápoles não é só é uma das mais antigas cidades do país, como é considerado uma das mais artísticas e certamente uma das mais deliciosas, com uma gastronomia rica que a todos conquista. O centro histórico da cidade é património mundial da Unesco, guardando tesouros arqueológicos de valor incalculável. 
     
    Quem passeia por Nápoles sente o pulsar da história, das gerações e gerações de conquistadores que aqui chegaram e que apesar de transformarem o modo de vida local, sempre acabaram por se "napolitizar", adoptando os costumes locais.
     
    @Domínio Público
    Ruas sujas, habitadas por gente dura, que trabalha e que está habituada a uma vida difícil. Nápoles é esse mundo onde convive a brutalidade viril dos homens da camorra, com a delicadeza dos femminielli. Nápoles tanto gerou guerreiros e mafiosos de renome, como se enamorava de castratti como Farinelli. 
     
    Apesar de ser uma urbe suja e portuária, Nápoles sempre impressionou os seus visitantes pelo cenário natural da sua baía. Subir a Mergellina e visitar a Tomba de Virgilio, o suposto local onde descansa o mais afamado dos autores latinos, e depois olhar para baixo, deixando a vista descer da Mergellina até à baía e lá ao fundo o Vesúvio, será um dos mais belos cenários que um visitante poderá encontrar, em qualquer parte do mundo.
     
    Nápoles orgulha-se de ter como filha, uma das mais famosas cidadãs do mundo, a Pizza, que aqui nasceu na sua primeira forma, a Margheritta, com manjericão, mozarella e tomate, ou seja, verde, branco e vermelho, as cores de Itália, que um padeiro local escolheu para homenagear a visita da raínha Margarida.
     
    As estatísticas confirmam que a maioria dos visitantes de Nápoles escolhe a cidade como ponto de partida para viagens ou curtas estadias na Costa Amalfitana, ou então pelas incontornáveis visitas a Pompeia, Herculano ou a subida ao Vesúvio, ou a descoberta da Ilha de Capri, Caserta, ou da deslumbrante Villa Adrianna.
     
    Uma manhã em Nápoles
     
    Passar por Nápoles e não conhecer a cidade é certamente um erro de palmatória. Se há cidade bela, com cenário e enquadramento natural, repleta de monumentos, museus, é Nápoles. Cidade com carácter, história, uma gastronomia riquíssima e um ambiente extraordinário. A princípio, a sujidade, o ruído, aquela alma mediterrânica, podem assustar alguns visitantes. Mas como um bom vinho, Nápoles é um gosto adquirido.  
     
    Nada como começar o dia com um belo espresso, acompanhado com uma deliciosa sfogliatella, um pastel de massa folhada bem crocante, polvilhado com açúcar em pó e recheado com ricotta, doce, maça ou chocolate, um preferido dos napolitanos ao pequeno almoço.
     
    @Domínio Público
    Com os níveis de açúcar repostos está preparado para dirigir-se para o centro storico, a parte velha da cidade, o maior centro histórico da Europa, que conserva o mesmo traço antigo, e que ainda usa a mesma grelha viária desde o tempo da fundação grega. O centro storico testemunha a evolução histórica e artística da cidade, desde a fundação no século VII a.e.c. de um povoado junto ao mar, à refundação da cidade em zona mais interior, alguns séculos mais tarde, ao que se soma a cidade medieval, a cidade barroca espanhola, e a abertura da cidade a oeste e ao centro cultural da cidade oitocentista, com as villas e palacetes dos mercadores burgueses em toda a área que ai de Posillipo até Vomero.
     
    O centro histórico de Nápoles foi considerado património da UNESCO em 1995, e grossomodo é composto pelos seguintes bairros: Avvocata, Montecalvario, San Giuseppe, Porto, Pendino, Mercato, Chiaia, San Ferdinando, Stella, San Carlo all'Arena, San Lorenzo e Vicarìa, e parte das colinas del Vomero e Posillipo.
     
    Voltando ao nosso passeio, nada melhor que partir à procura da muralha antiga. Começar pela Piazza del Gesù, seguir por Spaccanapoli, a Duomo, a Via San Gregorio Armeno, famosa pelas suas lojas que vendem presépios, a Piazza Dante e a Piazza Bellini, onde pode encontrar o que resta da velha muralha grega.
     
    Uma tarde em Nápoles
     
    Caminhar pelas ruas do centro histórico certamente que abre o apetite. Nada melhor que tomar o rumo da Via Tribunali à procura da melhor pizza. Quando em Nápoles, sê napolitano, a máxima da «Cidade Eterna» certamente que se aplica à cidade das quinhentas cúpulas.
     
    Na Tribunali encontrará duas das mais afamadas pizzerias da cidade, a Gino Sorbillo e a Di Mateo, cada uma tão boa ou melhor que a outra, e ambas bastante baratas em comparação com outros restaurantes da cidade. Terminada a refeição, novo café para recuperar energias para o passeio vespertino.
     
    @Domínio Público
    Descer a movimentada Via Toledo, verdadeiro centro comercial a seu aberto é a melhor forma de chegar à extraordinária Piazza Plebiscito. Antes entre na Galleria Umberto I, galeria comercial coberta, a fazer lembrar a famosa Galleria Vittorio Emanuele II em Milão.
     
    A dois passos da Piazza do Plebiscito encontra o elegante Café Gambrinus, um clássico das letras, local perfeito para mais uma pausa. Chegado à Piazza do Plebiscito, parece que a cidade se transforma, abrindo-se aos nosso olhos um semicírculo coroado pela bela basílica Real. Do outro lado desta praça de dimensão considerável, o imponente Palácio Real, a dois passos o famoso Teatro San Carlo, casa da ópera napolitana, e também ele como património mundial da Unesco. 
     
    Acompanhando a fachada do Palácio Real, enquanto a música clássica que emana das colunas da piazza do Plebiscito lentamente fica para trás, à nossa frente abre-se a vista sobre o Jardim de Molosiglio, e atrás dele o imenso o mar azul.
     
    Voltar à via Toledo e apanhar o funicular até à Piazza Augusteo, subir ao Castel Sant'Elmo e ter uma vista absolutamente fenomenal sobre o casco velho, a baía de Nápoles e ao longe o Vesúvio. 
     
    Para terminar o dia, se ainda houver pernas, ruma-se ao quartieri spagnoli, o bairro espanhol, onde lhe aguarda uma refeição  pantagruélica de quatro pratos na Trattoria la Nennella. De barriga cheia, deixe-se "rebolar" em direcção ao Castel dell'Ovo, onde encontra um conjunto de pequenos bares e esplanadas, perfeito para terminar um dia em pleno.
     
    Por último, uma nota de advertência. Os sinais de criminalidade podem ser assustadores para o turista, mas as probabilidades de ficar sem carteira em Nápoles não serão muito diferentes de a "perder" em Roma, Milão ou Florença. Tenha em mente alguns cuidados habituais e atenção aos carteiristas.  Por favor não carregue jóias, não traga muito dinheiro na carteira e evite viatura prórpia. Caso traga então não deixe nada dentro do veículo, inclusive na mala, nada que possa despertar atenção dos amigos do alheio. Lembre-se que conduzir em Nápoles exige redobrada atenção e paciência. De resto, mantenha-se discreto, evite andar pelas ruas desertas à noite (o táxi é a mais segura das soluções) e cuidado a atravessar a rua. 

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    (1) - O Gambrinus é um dos mais famosos cafés do mundo. Fundando em  Nápoles em 1860, tornou-se desde a primeira hora, um dos mais afamados locais da cidade, com o seu nome e fama, a atrairem clientes de toda a Itália e Europa. 
    (2) - Cuma em italiano.

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    Medidas105m x 68m
    Inauguração1959