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    Qualif. Itália 1934
    Grandes jogos

    Espanha x Portugal: o desastre de Chamartín

    Texto por João Pedro Silveira
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    A 11 de março de 1934, Espanha e Portugal defrontavam-se naquela que era a primeira tentativa de qualificação de ambos para um Campeonato do Mundo. As expectativas antes do encontro eram muitas, em Lisboa.

    Uma península, muita rivalidade

    A seleção partiu para Madrid de comboio perante uma multidão a encher Santa Apolónia para se despedir dos heróis que partiam para Espanha com a esperança de, no regresso, saudar uma equipa encaminhada para o Mundial em Itália. As expectativas eram muitas e não foram poupados meios na preparação da equipa comandada por Ribeiro dos Reis.

    O regime queria associar-se ao sucesso do futebol e, ainda para mais, Portugal e Espanha encontravam-se em lados opostos da barreira ideológica, com a direita conservadora em Lisboa e a esquerda republicana em Madrid.

    Em Portugal, o Estado Novo, recentemente oficializado com a Constituição de 1933, era senhor de um país estabilizado e com uma oposição domesticada. Salazar era considerado pela esmagadora maioria do povo como o salvador da nação, o «mago das finanças» que salvara o país da bancarrota. Por sua vez, do outro lado da fronteira, a II República Espanhola - declarada em 1931 - liderada por Manuel Azaña vivia o seu primeiro fulgor que em breve teria o seu epílogo trágico na Guerra Civil (1936-39).

    De comboio para o Mundial

    Dentro das quatro linhas, a rivalidade não era menor: espanhóis e portugueses já se haviam defrontado por oito vezes com sete vitórias para nuestros hermanos e um empate a duas bolas em 1928 jogado no Lumiar, em Lisboa.

    A equipa incluía os melhores jogadores da época e os lusos sentiam-se confiantes para quebrar a malapata e garantir a qualificação para o Mundial de Itália. Ribeiro dos Reis, por culpa da doença da sua mãe, ficara em Lisboa, encarregando o comando técnico da equipa a Ricardo Ornelas. A táctica foi decidida e combinada ainda na capital portuguesa, a oito dias do duelo.

    A equipa partiu então para Madrid, no expresso que ligava as duas capitais, chegando uns dias antes para preparar melhor o embate. O jogo foi disputado em Chamartín perante cinquenta mil espetadores. Os espanhóis estavam confiantes na sua equipa e na baliza brilhava Ricardo Zamora, o grande guarda-redes que marcou uma era no futebol espanhol e não só, reconhecido como um dos melhores guarda-redes do mundo antes da II Guerra Mundial.  

    Na frente brilhavam os bascos Lángara e Gorostiza, máquinas goleadoras que prometiam ser setas apontadas à baliza do portista Soares dos Reis. No banco, curiosamente, os espanhóis contavam com um Salazar de seu nome Amadeo Garcia Salazar.

    Desastre inicial

    Portugueses e espanhóis perfilavam-se perante a tribuna enquanto se escutavam os dois hinos nacionais profusamente aplaudidos pelo público espanhol. O belga Raphaël Van Praag apitou para o pontapé de saída e começava então o primeiro Espanha x Portugal que não era a «feijões»...

    O otimismo português começou a desvanecer logo aos cinco minutos após o tento inaugural de Chacho. À passagem do quarto de hora, já Portugal perdia por 3x0, com a seleção completamente desorganizada em campo e cada um a jogar para o seu lado.

    O desenrolar do jogo foi longo e penoso... Soares dos Reis, lesionado, deu lugar ao benfiquista Augusto Amaro e os espanhóis, jocosos, gritavam «ponga los dos, ponga los dos...» perante o olhar desaustinado do treinador Ornelas, enquanto na tribuna os dirigentes da FPF nem queriam acreditar no que os seus olhos presenciavam...
     
    O «Inferno» da segunda parte
     
    Na segunda parte, a Espanha marcou mais seis golos e conseguiu um inacreditável 9x0, para humilhação suprema dos nossos jogadores e técnicos. Só Lángarra marcou cinco!
     
    Em Lisboa, a derrota caiu como uma bomba, com as notícias dos nove golos sofridos a deixarem diversos danos colaterais no futebol português. Ricardo Ornelas não foi poupado, o onze foi ridicularizado e Ribeiro dos Reis alvo de críticas duríssimas. O país não queria acreditar na vergonha do resultado e ninguém do governo queria estar presente na segunda mão em Lisboa.
     
    Até a revista usou o jogo de Portugal como inspiração, com Beatriz Costa a imortalizar a famosa canção do futebol onde no refrão cantava: «Se a seleção trabalha como eu quero, agora é que não falha, nove a zero!»
     
    Round 2 em Lisboa
     
    Uma semana depois, as ondas de choque pareciam ter acalmado. Ribeiro dos Reis já estava ao leme da equipa preparado para limpar a imagem de Madrid. Portugal sabia que uma vitória, até por 1x0, obrigava a jogo de desempate. A equipa concentrou-se nesse desiderato e adiantou-se aos dez minutos por Vítor Silva, mas rapidamente a Espanha deu a volta e aos 25 minutos já vencia com mais dois golos de Lángarra. 
     
    Depois da humilhação de Madrid, a derrota por 1x2 acabou por parecer um mal menor, com treinador, equipa e adeptos a considerarem que a honra nacional estava recuperada perante a brilhante exibição de Lisboa. 
     
    Indiferente à pequenez do futebol lusitano, os espanhóis seguiram em frente para o Mundial do ano seguinte, onde chegariam aos quartos-de-final, vítimas de uma arbitragem que os empurrou para fora da prova em proveito da organizadora Itália. 

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    jogos históricos
    U Domingo, 11 Março 1934 - 00:00
    Estadio Chamartín
    Raphaël Van Praag
    9-0
    Chacho 5'
    Isidro Lángara 10' 12' (g.p.) 47' 79' 85'
    Luis Regueiro 68' 76'
    Ventolrà 77'
    Estádio
    (sem foto)
    Lotação22500
    Medidas-
    Inauguração1923