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História

Valencia

Texto por João Pedro Silveira
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O começo

Terá sido ora no número 8 ou 10 da já desaparecida Bajada de San Francisco, no Bar Torino, local de habituais tertúlias valencianas, que nasceu a 1 de Março de 1919 o Valencia Foot-ball Club.

Um grupo de jovens entusiastas pelo futebol resolveu fundar um novo clube depois do Español de Valencia ter acabado, após a morte de um dos seus jovens jogadores. 

O nome, Valencia Foot-ball Club, ficou escolhido após demorada deliberação. O objetivo era homenagear a cidade e lembrar o primeiro clube que havia existido em Valência, o Club Valencia de Fútbol. 

Para a memória futura ficaram os nomes de Octavio Augusto Milego Díaz, Gonzalo Medina Pernas, Fernando Marzal Queral, Andrés Bonilla Folgado, Pascual Gascó Ballester, Julio Gascó Zaragozá, Adolfo de Moya e José Llorca Rodríguez, muitos deles tinham feito parte do Español, e foram fundamentais para fundar o novo clube.
 
Octavio Augusto Milego Díaz tornou-se o primeiro presidente do clube depois de vencer Gonzalo Medina Pernas num jogo de moeda ao ar. Fernando Marzal Queral e Andrés Bonilla Folgado formavam o resto da direção que aprovou os estatutos ainda a 18 do mesmo mês de março. 
 
Foi preciso esperar pelo 21 de maio para o novo clube jogar o seu primeiro encontro. O adversário foi o Gimnástico de Castellón, que convidou o novo clube valenciano para defronta-lo durante as festas de Castellón de la Plana, cidade situada a norte de Valência. Os da casa venceram por 1x0, para a memória futura ficou o primeiro «onze» do clube «Che»: Marco; Amador Peris, Julio Gascó; Fernando Marzal, Pepe Llobet, Antonio Ferré; Fernández, Umbert, Martínez Ibarra, Aliaga e Gómez Juaneda.

Organizar a casa
 
A troco de 100 pesetas por mês, Octavio Augusto Milego e Gonzalo Medina convenceram Eugenio Miquel a alugar o seu terreno no solar de Algirós para que fosse utilizado pelo Valencia como campo de futebol.

Uma doação anónima de 25 mil pesetas tornou possível transformar aquele descampado de Algirós num campo capaz de receber jogos de futebol. Com as mangas arregaçadas os sócios, jogadores e adeptos meteram mãos à obra e aplanaram e desmataram o terreno, arrancaram árvores, construíram uma vedação, marcaram linhas, edificaram as bilheteiras e improvisaram balneários. 

Só mais tarde se soube que Gonzalo Medina era o mecenas anónimo que doara o dinheiro destinado ao seu casamento para as obras em Algirós. A custa do seu grande amor pelo Valencia, a boda de Medina ficava para outras núpcias...

Depois de disputar vários jogos amigáveis, o Valencia participa no Campeonato Regional, conseguindo o primeiro título em 1922/23, ganhando o direito a participar pela primeira vez na Taça do Rei, onde seria eliminado pelo ##Sporting Gijón. 

O crescente número de jogos e as vitórias atraíram mais adeptos à equipa valencianiste. O campo de Algirós tornou-se pequeno para a ambição do clube. Em Janeiro de 1923, o Barão de Bellver aceitou vender os seus terrenos em Mestalla pela imponente soma de 316.439,20 pesetas. 

O primeiro jogo seria a 20 de Maio, num encontro contra o Levante, onde 17 mil presenciaram o golo de Montes que valeu a vitória dos rates penades (1).

Crescimento
 
Novamente campeões regionais em 1925, 1926 e 1927, ganharam o direito a participar na Liga Espanhola. No jogo de qualificação, uma derrota com o Racing Santander eliminou o clube «che» da Primeira Divisão, obrigando assim o Valencia a disputar a Segunda Divisão, onde ficaria no 5.º lugar no Grupo 1, longe da promoção.
 
Só na terceira época é que o Valencia garantiu a promoção, batendo a concorrência de Sevilla e Atlético Madrid, estreando-se na Primeira Divisão na época seguinte (31/32), onde conseguiu um sétimo lugar em dez participantes, terminando a época sem perder nenhum jogo no Mestalla, mas também não vencendo nenhum jogo fora de portas. 

Na Liga regional a década de 30 seria de domínio avassalador dos taronges (2) com a conquista de todos os campeonatos de Valência disputados de 1931 até à Guerra Cívil Espanhola.
 
A nível nacional o Valencia garantiu a permanência, umas vezes com mais facilidade, outras com mais dificuldades. Mas o grande destaque seria o ano de 1934, quando o clube chegou à final da Taça do Presidente da República (3) que se jogou em Montjuich, Barcelona. O adversário era o Real Madrid, que contava com estrelas como Zamora e Samitier, e que venceu por 2x1. 
 
A Guerra

Com o começo da Guerra Civil Espanhola em Julho de 1936 o futebol espanhol rapidamente ficou paralisado, com o país dividido em duas partes: a republicana (fiel ao governo) e a nacionalista (rebelde). 
 
Valência fazia parte da zona fiel ao governo republicano e em novembro de 1936, quando a queda de Madrid estava iminente, o governo de Largo Caballero mudou a capital para Valência. A capital acabaria para mudar-se para a Cidade Condal um ano depois, Valência cairia nas mãos dos nacionalistas em Março de 1939.
 
Durante os primeiros dois anos da guerra o Valencia disputou a Liga do Mediterrâneo, a Liga do Levante e Taça da Espanha Livre, tendo vencido apenas a Liga do Levante. A dureza da guerra tornou impossível o terminar da segunda época e o futebol só voltaria a ser jogado já terminado o conflito.

Pós-Guerra: a emergência de uma potência

Campos destruídos, jogadores mortos, estropiados e desaparecidos, muitos presos por terem servido do lado republicano. Clubes encerrados ou vigiados, dirigentes, jogadores e treinadores no exílio, o futebol espanhol estava de rastos em fins de 1939, o Valencia não era exceção. 
 
O regresso do clube Che ao futebol seria um inesperado sucesso. Mantendo-se na Primeira Divisão, o Valencia acabaria por vencer a Taça de Espanha em 1940/41, batendo na final o Espanhol de ##Barcelona. 

Na época seguinte chegou a primeira conquista do Campeonato Espanhol, feito que seria repetido em 1943/44 e 1946/47, e acompanhado pelos sucessos na Copa Generalísimo: 1949 e 1954. 

Sucessos na Europa
 
Enquanto a estrela do Valencia empalidecia internamente durante a década de 50, o clube voltava a dar grandes alegrias aos seus adeptos durante a década de 60, com o clube a vencer por duas vezes a Taça das Cidades com Feiras. Primeiro batendo o Barcelona na final de 1962 e o D. Zagreb na final de 1963. No ano seguinte chegou à terceira final consecutiva, mas seria vencido pelo Real Zaragoza. 

Em 1970 Alfredo Di Stéfano chega ao Mestalla para conduzir o clube «che» à sua quarta Liga. A vitória no Campeonato garantiu a estreia na Taça dos Campeões Europeus na época seguinte, mas o Valencia acabou por cair na 3.ª ronda às mãos dos húngaros do Újpesti. 

Na Taça, depois da vitória em 1967, entre 1970 e 1972 o clube chegou a três finais consecutivas, todas elas perdidas, respetivamente para Real Madrid, FC Barcelona e Atlético Madrid. Nova vitória no troféu só chegaria em 1979, depois de uma vitória por 2x0 sobre o Real Madrid no Vicente Calderón. A década de 70 viu a equipa do Valencia reforçar-se com grandes nomes do futebol internacional como o holandês Rep, o alemão Bonhof e o argentino Kempes. O argentino seria uma das grandes estrelas da equipa que venceu a Taça das Taças em 1980, batendo os ingleses do Arsenal no desempate através da marca de grandes penalidades.
 
Queda e retorno

Quase despromovido em 1982 o clube acabou por cair de divisão pela primeira vez em 55 anos no fim da época 1984/85. Arturo Tuzón tornou-se o novo presidente do clube e contratou Di Stéfano para fazer regressar o clube ao primeiro escalão, feito que a Saeta Rúbia conseguiu logo na época de 1986/87. 

Depois do hispano-argentino garantir a manutenção do clube «che» entre os grandes, sucedeu-lhe o búlgaro Luboslav Penev. O senhor que se seguiu foi o holandês Guus Hiddink, que fizera sucesso com o PSV, ao serviço do qual conquistara a Taça dos Clubes Campeões Europeus em 1988.

Contudo Hiddink não teria o mesmo sucesso em Valência que tivera em Eindhoven. Para o seu lugar (1994) chegaria o brasileiro Carlos Alberto Parreira, que acabara de levar o Brasil à conquista do tetra. Com as contratações do treinador Campeão do Mundo, do guarda-redes Andoni Zubizarreta, do genial Pedrag Mijatović e do russo Oleg Salenko, que se sagrara o melhor marcador do mundial que se realizara nos Estados Unidos, o Valencia esperava discutir com Barcelona e Real Madrid o domínio do futebol espanhol, mas os resultados não foram os esperados.

Parreira daria lugar a José Manuel Rielo, que por sua vez deu o lugar a Luis Aragonés e este a Jorge Valdano, os sucessos continuavam distantes, não obstante o «onze» valenciano contar com nomes como Romário, Claudio López, Ariel Ortega ou Adrian Ilie. A história só começaria a mudar com a chegada de Héctor Cuper, o argentino que já fizera "magia" em Maiorca, levando o Mallorca à final da Taça das Taças.

O regresso do Grande Valencia
 
Vencedores da Taça em 1998/99 e da Supertaça em 1999/00 os «morcegos» afirmavam-se como uma força emergente do futebol espanhol - e europeu - no começo do novo milénio.
 
Depois do sucesso na Supertaça o Valencia acaba em terceiro atrás do Barcelona e do campeão Deportivo da Corunha, mas é na Europa que a equipa brilha, ultrapassando a última pré-eliminatória e as duas fases de grupo apenas com duas derrotas  - Fiorentina e Manchester United - antes de eliminar a Lazio nos quartos e o Barcelona na meia-final.
 
A grande final, jogada em Paris, seria contra o Real Madrid. Raúl e companhia venceram por 3x0, mas para sempre na memória dos adeptos valencianos - e não só - ficaram os nomes que tornaram possível tão fantástica campanha: Cañizares, Angloma, Mendieta, Gerard, Angulo, Djukic, Ilie, Kily González, Claudio López, Albelda, Oscar, Gerard... 
 
Quando muitos pensavam que o Valencia não conseguia recuperar da traumática derrota na final da Champions, a equipa volta a fazer uma carreira brilhante na prova rainha do futebol europeu.

Sofrendo apenas duas derrotas, em Atenas com o Olympiakos em Londres com o Arsenal, no caminho até à final em San Siro, onde pela frente encontrou o Bayern
 
Mendieta abriu o placard logo aos 3 minutos, através da conversão de uma grande penalidade, mas os bávaros empataram da mesma forma, com Effenberg a repor a igualdade da marca dos onze metros.
 
Seria precisamente da marca dos onze metros que se decidiu a final. Zahovic, Carboni e Pellegrino falharam e os alemães levaram a taça, mais uma vez o sonho europeu do Valencia morria na praia.
 
Novas conquistas e a nova era
 
Para recuperar do trauma de duas finais da Champions perdida, nada como a época de 2000/01, com o clube Che a conquistar La Liga pela quinta vez, terminando com sete pontos de avanço sobre o segundo classificado, o Deportivo.
 
Em 2002/03 o Valencia caiu para o quinto lugar, mostrando desde cedo ser incapaz de defender o título que tão brilhantemente conquistara na época anterior. Mas em 2003/04, o Valencia puxou dos galões e bateu a concorrência de Barcelona, Depor e Real Madrid, conquistando a Liga pela sexta vez, enquanto na Europa, uma carreira brilhante levou o clube do Levante a eliminar o Villareal, Bordeaux e Besiktas para chegar à final da Taça UEFA em Gotemburgo.
 
A 19 de Maio, Vicente e Mista deram à equipa de Rafael Benítez a sua primeira Taça UEFA. 
 
No verão Benítez partiu para Londres e Claudio Ranieri conduziu o Valencia à conquista da Supertaça europeia, batendo o FC Porto já sem José Mourinho.
 
24 anos depois da vitória de 1980 sobre o Nottingham Forest, o Valencia mostrava que era um especialista na competição, somando o seu quarto troféu europeu (4) do seu palmarés.
 
A crise e Peter Lim
 
Depois do sucesso o Valencia voltou a entrar numa nova fase menos conseguida. Apesar das contratações de grandes jogadores e treinadores de renome, durante a segunda metade da primeira década do novo milénio o Valencia não voltou a brilhar com a mesma intensidade que brilhara, conquistando apenas a Copa do Rey em 2008. 
 
À crise de resultados somar-se-ia a crise financeira, obrigando o clube a vender algumas das suas novas pérolas, como David Villa, Juan Mata e David Silva, e mais tarde Roberto Soldado.
 
Em Maio de 2014, um magnata de Singapura, Peter Lim, adquiriu 70% das acções do clube, tornando-se o dono do clube e iniciando uma nova revolução com o objetivo declarado de colocar o Valencia a discutir o título com Barcelona e Real Madrid
 
No entanto, o clube Che nunca conseguiu encontrar a estabilidade financeira e desportiva necessária para competir com os colossos do futebol espanhol e o melhor que conseguiu foi alcançar o 4º lugar em 2014/15, 2017/18 e 2018/19. Pelo meio terminou várias vezes na segunda metade da tabela e o único título que conquistou foi a Copa del Rey em 2018/19 (bateu o Barcelona na final por 1x2). Em 2019/20, voltou a irregularidade da formação valenciana, que terminou em 9º no campeonato espanhol, agravada na época seguinte com um 13º lugar.
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(1) Les Rates Penades - Os morcegos; símbolo do clube e da cidade de Valência, alcunha por que também são conhecidos os adeptos do Valencia.
(2) Les Taronges - Os Laranjas; alcunha por que também são conhecidos os jogadores do Valencia.
(3) A 14 de Abril de 1931 fora proclamada a Segunda República Espanhola, na sequência da vitória republicana nas eleições municipais. A Taça do Rei passou a denominar-se Taça de Sua Excelência o Presidente da República. Nome que se manteria até ao fim da Guerra Civil Espanhola, quando a competição passou a ser conhecida como Taça de Sua Excelência o Generalíssimo.
(4) A UEFA não considera para o efeito as vitórias do Valencia na Taça das Cidades com Feiras, que muitos consideram a antepassada da Taça UEFA.
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Estádio
Mestalla
Mestalla
Espanha
Valencia
Lotação55000
Medidas105 x 70 m
Inauguração1923