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      História
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      La Soule, o jogo francês

      Texto por João Pedro Silveira
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      É de uma palavra do franco antigo «keula», que significava «cavidade», «abóbada» e «objeto redondo» que surge a raíz da palavra soule (ou choule), nome de um jogo de bola que nasceu no noroeste da França, nas regiões da Normandia, Bretanha e Picardia.
       
      O soule esteve sempre associado às festividades e às raízes pagãs do jogo. Jogado em dia de festa, no Carnaval, nos Santos Padroeiros, no Natal e Páscoa, em casamentos e outras cerimónias religiosas, o jogo desde cedo interessou à igreja que assim, como em tantas outras manifestações de cultura popular, «despiu» o jogo de simbologia e significado pagão. 

      A verdade é que tanto as bolas douradas como as prateadas são reminiscências do culto do sol e da lua. Normalmente uma «partida de soule começava com um ofício religioso, uma missa solene celebrada por um reitor ou por um vigário rigorosamente neutro, isto é, não pertencendo a nenhuma das duas paróquias que o jogo ia colocar frente a frente» escreveu Jean-Pierre Fouch no seu «Bretagne est Univers».

      Origens
       
      As origens deste jogo são um mistério, mas estudiosos apontam o harpastum romano como o possível culpado do surgimento do jogo. Durante séculos, os legionários romanos estacionados nesta região da Gália jogariam esse jogo de bola e quando os romanos partiram, entre os diversos legados que deixaram na região, contava-se o jogo.
       
      Outros defendem raízes nórdicas para o soule, referindo-se ao knattleikr dos vikings da Islândia, diversas vezes mencionado nas «Íslendingasögur» («As Sagas Islandesas») que teriam chegado às costas francesas pelas mãos dos guerreiros nórdicos, que ali ficaram conhecidos como normandos (homens do norte) e que fundaram o seu reino, a Normandia. 
       
      Seja certa a raíz latina ou nórdica, a verdade é que na região existia já um substrato cultural que não podemos esquecer. Bem antes da chegada dos romanos já há muito as tribos celtas habitavam os dois lados da Mancha. 

      Apesar de não haver referência a um jogo de bola céltico no período pré-romano, as evidências demonstram que no "universo celta" durante a Alta Idade Média surgiram diversos jogos de bola pelas Ilhas Britânicas como o Caid irlandês, o Hurling na Cornualha (Inglaterra), o Ba Game na Escócia e o Cnapan em Gales, todos eles podem ser tidos como antepassados do futebol.

      Dois lados da Mancha, o mesmo jogo? 

      Diversos grupos de bretões romanizados acompanharam as legiões romanas que abandonaram a Grã-Bretanha e mudaram-se para a Armórica. Durante os dois séculos seguintes, as migrações de bretões para a Armórica seriam constantes, fugindo das invasões dos anglos e saxões. Tão grande seria o número de bretões na Armórica que a região passou a ser conhecida como Bretanha. 

      La Soule, na Baixa Normandia no século XIX. De um croquis de M. J. L. de Condé.
      Os jogos de bola desenvolveram-se nos dois lados do canal e eram já uma tradição local, quando Guilherme da Normandia conquista a Inglaterra em 1066. Será esta a data que marcará a entrada do soule em solo inglês. Contudo, será no lado francês da Mancha que o jogo continuará até chegar aos nossos dias.

      Enquanto na Grã-Bretanha os diversos jogos de bola como o mob football ganharam tal popularidade que acabaram por ser proibidos pelas autoridades. Em França, apesar de haver registo de uma partida em Paris em 1393, o jogo ficou restringido às províncias do noroeste. 

      As regras

      As regras do jogo eram simples. Duas equipas, normalmente de duas paróquias diferentes disputavam o encontro. A bola, feita com a bexiga de um porco e coberta com pele, podia ser chutada, pegada com as mãos ou empurrada com paus. Durante vários anos o tamanho da bola ia crescendo de tal maneira que surgiram leis para impedirem que a bola ultrapassasse determinado tamanho.

      Em 1412 um conjunto de regras estabelecia que a soule teria que ser suficientemente pequena para caber na mão de um jogador. O objetivo do jogo seria trazer a bola (a soule) de volta para o adro da igreja da paróquia da equipa, para o centro da praça da aldeia ou até para dentro de uma casa escolhida par tal fim.

      Outras balizas (ou metas) seriam uma parede, um rio, dois postes, um muro ou até um sulco traçado no terreno. O número de participantes não estava definido, tanto podiam ser 20 como 200, chegando a defrontar-se aldeias inteiras em jogos que podiam demorar um ou vários dias. Em algumas ocasiões o jogo podia ser disputado por três equipas o que o tornava ainda mais confuso e violento. Em Auray, há registo de uma partida de soule em que participaram 16 paróquias para um número calculado de 500 jogadores. 

      Anúncio público da interdição do jogo da soule no departamento de Morbihan na Bretanha.
      A violência do jogo está documentada pelas muitas testemunhas que escreveram sobre encontros que presenciaram. «Os exércitos não fazem mais do que um, pois misturam-se, oprimem-se e machucam-se. Na superfície deste impenetrável caos, vêm-se mil cabeças a agitar-se, como as ondas de um mar furioso, e escapam-se gritos inarticulados e selvagens [...] Ninguém se dá conta do princípio: de tal modo é a embriaguez do combate que põe fora de si os frenéticos lutadores».

      Proibição e declínio

      A violência do jogo incomodava as autoridades que com o passar dos anos foram legislando sobre a matéria. Os reis de França chegaram a proibi-lo, mas a Bretanha como estado independente que era, manteve a tradição, tornando-se na casa e reduto do soule. 

      Na Idade Moderna o jogo começou a perder a sua popularidade, acabando por quase cair em desuso no fim do século XIX. A Primeira Guerra Mundial e a Segunda Guerra Mundial acabaram com a popularidade do mesmo, que só voltou a renascer nos anos 90, voltando a ganhar alguma popularidade já no nosso século.

      Hoje em dia, o Soule é recriado em feiras e festas locais, tanto na Bretanha como na Normandia e Picardia, para deleite dos locais e dos muitos turistas. 

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