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    2018/06/12
    E0
    O "19:45" é um espaço de opinião do jornalista do zerozero Duarte Monteiro. À flor da relva e do coração, com os filtros puros do futebol.

    Passaram 703 dias, mas é como se tivesse acabado de acontecer. Aquele pontapé lírico, a ode mais bela da poesia futebolística portuguesa, continua a ressoar no coração e no imaginário de cada um dos lusitanos. “Brade a Europa à terra inteira: Portugal não pereceu (…) E o teu braço vencedor deu novos mundos ao Mundo.” Palavras cravadas no hino nacional, mas que a versão reduzida omite à maioria; letras que à solta no pensamento de cada um podem revelar a premonição daquele remate que soltou, por fim, um povo inteiro dos demónios que lhe acorrentavam a felicidade suprema.

    Lembrar Paris – ai, aquele 10 de julho! - é afagar o passado com um amor pleno, mas é também encarar o presente com um peito nunca antes tão cheio de orgulho. “Raios dessa aurora forte são como beijos de mãe. Que nos guardam, nos sustêm, contra as injúrias da sorte.” Naquele remate, ao jamais olvidável minuto 109, Portugal enterrou o machado da inglória luta contra o triste fado; despediu-se do fardo melancólico de que cair de pé também serve de consolo. Não serve, muito menos agora.

    De cordeiros fizeram-se lobos, cujos uivos continuam audíveis. Escuta, distante Rússia. Escuta o grito que um país soltou em Paris e que se espalhou pelas terras estrangeiras através de cada um de nós, cheio de alma lusitana. Rompeu-se a mudez de um país acantoado na orla ocidental de uma Europa que já sabe - finalmente! - que também somos capazes de morder; agora é o momento de o mostrar ao Mundo, sem medos turvadores nem complexos de inferioridade.

    Os 23 escolhidos são bons, muito bons, mas já tivemos igual – ou melhor. O comandante, aquele homem de ar sisudo e pouco dado a manifestações exuberantes, é dono de qualidades indubitáveis, mas outros também o foram. O que mudou, então, para que a sensação de se poder esticar o braço e tocar-lhe pareça agora mais real, mais palpável, mais nossa? Mudou a perceção que temos de nós mesmos, e isso muda a perceção que os outros têm de nós. Mudou a mentalidade, aquela que não raras vezes deu os títulos a outras nações cujo talento inato era inferior ao nosso.

    Na sexta-feira, Portugal vai entrar em campo aos olhos de um planeta inteiro com a certeza que é capaz, e que fará o que for preciso para o conseguir. Heróis do mar, filhos de uma nação valente que ousaram dobrar o cabo das tormentas que teimava em nos afastar dos títulos, cada um dos 23 carregadores do sonho comum possui a maior das armas numa prova tão distinta e sui generis como é um Campeonato do Mundo: sabem o que é ganhar; e sabemos nós, por isso não nos digam que não é possível. Escutem. É o grito de Paris a chegar à Rússia.
     



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