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    Visão de jogo
    Pedro Silva
    2018/05/28
    E1
    Espaço de análise da actualidade desportiva, onde o comportamento, a emoção e a razão têm lugar privilegiado. Uma visão diferente sobre o jogo, para que o jogo seja diferente.

    Esta época chegou ao fim e, naturalmente, é tempo de balanços. Entre os vários espaços de análise, o foco divide-se pelos vários intervenientes e neste espaço vamos dedicar-nos ao trabalho desenvolvido pelos Treinadores.

    Depois de nas últimas três semanas terem sido publicadas as análises individuais aos Treinadores dos três primeiros classificados, seguem-se agora todos os outros treinadores que, com mais ou menos sucesso, contribuíram junto dos seus clubes.

    Contudo, antes das análises individuais, algumas notas curiosas:

    • Os sete primeiros classificados mantiveram o mesmo Treinador ao longo de toda a época;
    • Duas equipas apontadas inicialmente à luta pela manutenção fizeram percursos mais tranquilos do que se poderia imaginar: Tondela e Portimonense. Ambos deram continuidade ao trabalho dos seus treinadores na época anterior.
    • Feirense e Setúbal, que na última jornada ainda corriam risco de descida, mantiveram as apostas iniciais mesmo quando estiveram abaixo da linha de água. No fim, foram felizes;
    • Desportivo das Aves e Moreirense conseguiram a manutenção, mas mudaram duas vezes de Treinador;
    • As duas equipas despromovidas, Paços de Ferreira e Estoril, mudaram de treinador e no caso dos pacenses, mais do que uma vez.

     

    Agora, individualmente, os Treinadores do nosso futebol.

     

    Abel Ferreira A afirmação

    A classificação no campeonato e a ideia de jogo da equipa, que como próprio diz “é mais importante que o sistema” são bons cartões de visita na sua 1ª época completa na Liga.  Começou tremido, nas eliminatórias da Liga Europa a equipa jogou pouco, sofreu muito, foi feliz e encarrilou. Com um plantel vasto e de qualidade, trabalhou bem a equipa e a necessidade de “fazer bem as coisas simples”. Apresentou um discurso interessante, por vezes disruptivo, e levou a equipa em crescendo, ganhando e jogando bem, em casa e fora dela. Claramente mais perto do 3º lugar do que do 5º, foi mais uma época de aproximação do Braga aos três grandes. Será Abel Ferreira o treinador capaz de levar o clube ao tão desejado título de campeão?

    Miguel CardosoA revelação

    Um desconhecido em termos mediáticos, mas com currículo enquanto adjunto e coordenador de formação, em bons clubes. Assumiu um desafio interessante num Rio Ave que vinha de épocas muito positivas e com a missão de substituir Luís Castro, que deixou elevada a fasquia da qualidade. Apresentou a ideia de jogo mais ousada da Liga e saiu-se bem, deixou uma marca – hoje todos sabemos como jogava o Rio Ave e divertíamo-nos a ver a equipa jogar. Contudo, deixou a sensação de ter exposto demasiado a equipa em muitos momentos, que resultaram em goleadas e alguns jogos constrangedores. Montou bem a equipa, num misto de jovens e de experientes, definiu um caminho e não se desviou nem um milímetro. Com um estilo de liderança predominantemente visionária e dirigista, apresentou uma comunicação eficaz, bem preparada, focada no processo, mas por vezes demasiado incisiva. Foi a revelação da Liga e deixa água na boca. Continua para tentar umas gracinhas na Europa e manter a qualidade ou vai para outros voos?

    Luís CastroA consolidação

    De regresso às suas raízes de Trás-os-Montes, tinha a missão de provar que também em Chaves era possível construir uma equipa à sua imagem. Teve um início de época muito duro e, sem abdicar do seu modelo de jogo, fez ajustes que equilibraram a equipa e arrancou para uma época fantástica, em que disputou até ao fim o 5º lugar. Sem medo de apostar em jovens como Domingos Duarte, Eustáquio ou Matheus, também contou com os mais experientes para pôr a equipa a jogar um futebol positivo, apoiado e bonito de ver. Consolidou-se como treinador de referência em Portugal e vai ter em Guimarães a oportunidade de tentar chegar ainda mais acima.

    Daniel RamosA confirmação

    Deu continuidade ao bom trabalho da época passada, manteve o Marítimo sempre perto dos lugares europeus e confirmou as boas expectativas. Desde o início de época que deu sinais de que pretendia mais e diferentes jogadores, mas preparou-se em função das características dos que tinha, assentando a sua ideia de jogo na coesão defensiva como pedra basilar para tudo o resto. Conseguiu montar uma espécie de “fortaleza” nos Barreiros, onde conseguiu dez das trezes vitórias, e teve aí o seu ganha-pão. Com um discurso discreto e tranquilo, senti várias vezes que nas entrelinhas parecia querer dizer que para fazer mais e jogar diferente precisava de outros “argumentos”. Resta saber se continua na Madeira (ao longo de toda a época foram várias as notícias de que estaria de saída) e se na próxima época terá os mesmos ou outros jogadores, para jogar da mesma ou de outra forma.

    Jorge Simão– Como“peixe na água”

    Substituiu Miguel Leal à 6ª jornada e estreou-se com uma vitória frente ao Benfica. Arrancou daí para um bom percurso, mas foi notória a diferença entre o que a equipa fazia em casa (dez vitórias) e o que fazia fora (só ganhou no Estoril e no Paços de Ferreira), o que limitou a ascensão à luta por outras ambições. Sem ter escolhido o plantel, foi ajustando a equipa à sua imagem e foi também evidente que a forma de jogar se foi moldando à medida que ganhavam conforto na tabela. Terminou em crescendo e nos últimos quatro jogos só perdeu no Sporting pela margem mínima, empatou em Braga e ganhou os restantes. Podendo agora planear a próxima época com paciência e minuciosidade, estando num clube onde parece sentir-se como “peixe na água”, será uma das maiores expectativas para 2018/2019.

    Pedro Martins e José PeseiroUma época de desilusão

    Depois de uma excelente campanha na época passada, em que foi 4º classificado e claramente à frente do rival do Minho, o início de época de Pedro Martins foi uma desilusão. Mesmo entrando a ganhar no primeiro jogo, o castelo vitoriano foi-se desmoronando num percurso irregular, uma forma de jogar pouco atrativa e pouco eficaz, que tornou o Vitória capaz do melhor e do pior. Foi no pior momento da época, com uma embaraçosa derrota caseira diante do rival do Minho por 0-5, que Pedro Martins sucumbiu à dura lei dos resultados. Pouco depois chegava José Peseiro, para endireitar a equipa e agarrar o lugar. Terminou a época e nem a equipa endireitou muito nem Peseiro ganhou a confiança do clube para continuar na próxima época. Contudo, nem só de Martins e Peseiro se devem fazer as responsabilidades desta época porque o plantel era claramente desequilibrado, alguns jogadores pouco ou nada identificados com a ideologia do clube, entre outros males. Uma época de desilusão.

    Vítor OliveiraTreinador de 1ª num interregno da 2ª

    Com um percurso marcado pelo incrível recorde de subidas à I Liga, afastou a ideia de que só queria (e conseguia) fazer esse caminho. Manteve-se em Portimão e segurou a base da equipa. Teve um início difícil mas estabilizou ao jogar sempre o jogo pelo jogo, numa dinâmica predominantemente ofensiva e capaz de promover bons jogadores como Paulinho ou Nakajima. Mostrou que é, de facto, um Treinador de 1ª, apesar de já estar novamente de volta à 2ª, e que além das modas das gravatas, o que vinga acima de tudo é a competência.

    PepaO crescimento

    Na primeira época completa em Tondela, e depois da épica salvação na temporada passada, deu um grande passo em frente para a estabilidade do clube na I Liga. Uma primeira volta menos conseguida levou a equipa a arrepiar caminho e a afastar-se da zona perigosa. Nem sempre jogando bem, como o próprio admite, a equipa vingava pela entrega ao jogo e conseguiu antecipadamente o objetivo, terminando tranquilamente a época, com direito a cereja no topo do bolo em pleno estádio da Luz. Pepa deixa uma imagem de crescimento, um discurso genuíno e positivo, colocando-o numa linha de expectativa sobre o que fará na próxima época, a sua terceira em Tondela.

    Domingos Paciência e Silas-  A importância da “forma”

    Uma época estranha para o clube de Belém. Domingos Paciência começou bem e à 10ª jornada era 6º classificado. Depois, oito jogos seguidos sem ganhar fizeram soar a contestação e agonizaram o fim de linha para o treinador, que tem sido muito infeliz nos últimos anos. Fez 19 pontos em 18 jogos. Seguiu-se Silas e mudou… a forma. O Belenenses tinha outra ideia de jogo, outra estrutura e outra dinâmica, mais atrativa mas nem por isso mais produtiva. Silas trouxe mudanças, entre elas um discurso mais apelativo e eficaz, nos jogos com os grandes a equipa evidenciou-se – ganhou ao FC Porto e retirou-lhe a liderança – mas pouca diferença fez na tabela: 18 pontos em 16 jogos. Sem grandes diferenças pontuais, distinguiu-os a forma – o Belenenses de Silas enche mais o campo e… os olhos de quem vê. Mudou pouco o conteúdo e muito a forma.

    José MotaO regresso

    Há uma música de Rui Veloso que diz “nunca voltes ao lugar onde já foste feliz”, mas, mesmo tendo subido o Aves na época passada e não tendo continuado a liderar a equipa, José Mota voltou e teve o ponto alto da sua carreira desportiva até ao momento. Substituiu Lito Vidigal, que havia substituído Ricardo Soares, assegurou a manutenção a tempo de preparar atempadamente a final da Taça de Portugal e de a vencer, com mérito, mesmo perante um adversário fragilizado. Puxou dos galões ao reclamar mais atenção para a sua equipa e as suas gentes. Percebe-se o porquê, mas isso também vai virar mais atenções nos piores momentos. Agora, para o início da próxima época não pode perder o foco no essencial – depois da Supertaça, o Aves voltará à sua realidade e terá de ter os pés assentes no chão. Um regresso feliz e merecido, já premiado com um título de referência.

    José CouceiroA experiência é um posto

    Terminou a época com a manutenção assegurada, desgastado, sem condições de continuar e percebe-se porquê. Se há clube que tem sobrevivido na Liga sem condições de oferecer a estabilidade necessária aos treinadores, jogadores e adeptos, é o Vitória de Setúbal. Ignorar o papel que a maturidade e a experiência de José Couceiro tiveram na salvação da equipa é passar ao lado do que de facto fez a diferença. Couceiro queixava-se, e na maioria das vezes com razão, mas virou sempre para ele e para a equipa o papel decisivo de resolverem a sua vida. No final, objetivo conseguido e uma grande conclusão: a experiência ainda é um posto!

    PetitÀ sua imagem

    Uma época que começou com Manuel Machado, teve Sérgio Vieira e terminou com Petit, com o Moreirense muito irregular, um plantel limitado e sem uma ideia de jogo clara e percetível. Já sob o comando do ex-internacional português, o Moreirense era último à 24ª Jornada. Depois disso, viveu o seu período dourado: 11 pontos em 7 jogos lançaram a equipa para a manutenção. A equipa jogou à imagem do treinador: uma determinação fantástica, sem reservas nem poupanças, entrando com tudo para conseguir o que pretendia. Contudo, nem Petit consegue transmitir uma ideia cativante nem é agradável ver jogar a sua equipa, que abdica da bola e não tem uma ideia ofensiva capaz de se evidenciar. Objetivo assegurado e mérito ao Treinador que garantiu a manutenção com o que me pareceu ser o pior plantel da Liga.

    Nuno Manta SantosOportunidade agarrada, mas…

    Era uma das expectativas desta Liga e, se por um lado, conseguiu o objetivo da manutenção, por outro é estranho como, na sua segunda época à frente da equipa, esta foi sempre a piorar. Valeu a confiança que depositaram no Treinador e terem-no segurado mesmo com séries de 4 e 5 derrotas consecutivas. Apesar de uma ideia de jogo interessante, equilibrada entre a construção e o sentido prático necessário, aproveitando a qualidade de Tiago Silva e a capacidade goleadora de João Silva, soube a pouco. A vitória em Setúbal é o passo mais importante da época, mas simultaneamente, este percurso deve deixar alerta Nuno Manta Santos – agarrou a oportunidade, mas apanhou um grande susto. Há que inverter a tendência e recolocar a equipa numa tendência crescente.

    João HenriquesNo melhor e no pior

    Vasco Seabra começou a época e não conseguiu segurar-se. Saiu cedo demais, depois de uma goleada sofrida no Dragão (quem nunca?). Tinha condições para ser uma das afirmações da época e acredito que, se tivesse ficado até ao fim, o Paços ficaria na Liga. Com a mudança de treinador era pedido à equipa passasse a jogar num mundo inverso… por isso foi natural que Petit entrasse tão rápido como saiu – ganhou um jogo em sete, frente ao Estoril, com um golo de penalti. Não deixou saudades na Capital do Móvel. Chegou João Henriques, o treinador-revelação da II Liga. Entrou bem, ganhou nas Aves, recebeu e venceu o Feirense, reergueu a equipa e deu-lhe o ânimo que lhe faltava. Era a primeira vez que a equipa ganhava dois jogos seguidos… mas seguiram-se cinco derrotas, que terminavam com a vitória na receção ao líder FC Porto. Uma equipa entre o melhor e o pior possível, mas faltava ainda muito para jogar e chegava a hora das decisões. Nem o balanço da importante vitória sobre os dragões lançou a equipa para a manutenção, confirmando-se na última jornada a descida, apesar da qualidade dos seus jogadores. João Henriques foi capaz do melhor (a forma como mexeu com a equipa, a ideia de jogo e o equilíbrio da estrutura) e do pior (faltou foco na baliza adversária, pragmatismo e eficácia, uma reta final em queda livre) e deixa um misto de reconhecimento e de dúvida, que ficarão até à próxima oportunidade.

    Ivo VieiraO desfecho anunciado

    Pedro Emanuel terminou a época passada com cinco vitórias em oitos jogos, bom futebol e era uma das expectativas para 2017/2018. Apesar de um início positivo, que alimentou a ideia de que faria um campeonato tranquilo, o que se seguiu foi uma série de 6 derrotas seguidas e a cada jogo uma equipa mais perdida em si mesma e dentro de campo. Fim de linha para o treinador e pouco depois chegava Ivo Vieira que estava a lutar pela subida em Coimbra. Com bons jogadores, a equipa melhorou no início do período do novo treinador, equilibrou-se e teve uma série de 3 vitórias que incluiu o Sporting. Foi a melhor fase da equipa o momento em que conseguiu respirar acima da linha de água, para onde cairia novamente para nunca mais sair, coincidindo com o momento que me parece ter sido fatal para o treinador e para a equipa: na sequência da segunda-parte jogada com o FC Porto, em que a equipa esteve francamente mal e foi goleada, cobrou publicamente dos jogadores, deixou-os expostos e vulneráveis a suspeitas. Ivo Vieira podia ter dito o mesmo, mas no balneário, porque a equipa nem “esteve” em campo verdadeiramente. Aí, perdeu a equipa, a equipa perdeu a alma, e todos perderam a época.

    --

    Na 2ª Liga é fácil falar de Costinha e Carlos Pinto porque subiram, mas merecem destaque também Miguel Leal, Armando Evangelista, Bruno Ribeiro e Vítor Campelos, pelos bons trabalhos desenvolvidos, nos seus legítimos objetivos.

    No Campeonato de Portugal, obviamente os promovidos Rui Duarte e Luís Freire, mas também António Barbosa, Ivo Castro, Quim Berto, André David, Rui Amorim e Vasco Matos que entre presenças no Play-Off ou percursos de destaque, merecerão um olhar mais atento.

    Por fim, uma palavra espacial para um Treinador que na sua simplicidade e competência marcou a época com uma das histórias mais bonitas da temporada: José Vala, do Caldas SC, porque fez o mais difícil - provou que a essência do futebol ainda pode sonhar.



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    motivo:
    Ataque aos bombos do costume em 3, 2, 1. . .
    2018-05-28 16h42m por hc_aavik
    Falta cá o professor Manuel Machadês, mas . . .

    Preparem-se Jorge Cifrão, José Peseiro, José Mota, Costinha, Armãodo Petit, João Henriques, Armando Evangelista. . . vão ser bombardeados em 3, 2, 1. . .

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