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    Visão de jogo
    Pedro Silva
    2018/05/22
    E1
    Espaço de análise da actualidade desportiva, onde o comportamento, a emoção e a razão têm lugar privilegiado. Uma visão diferente sobre o jogo, para que o jogo seja diferente.

    Ponto prévio 1 – A última semana foi atípica, demasiado má para o nosso desporto, para o nosso futebol e para todos no Sporting: acionistas, dirigentes, funcionários, técnicos, jogadores, sócios e simpatizantes... Para todos mas principalmente para quem lá estava. O que aconteceu na Academia de Alcochete foi horrível e é impossível ficar indiferente. Mesmo depois disto tudo, levantar a cabeça, treinar e jogar, merece a nossa distinção. Neste sentido, aos visados por aquelas ameaças e agressões, envio uma mensagem de solidariedade e de força, para que superem com confiança e equilíbrio as marcas da violência, a vários níveis. Terão sempre o meu reconhecimento.

    Ponto prévio 2 – A minha participação desportiva, diretamente com os clubes, atletas e outros agentes com os quais colaboro, ou indiretamente através deste espaço de opinião, tem o propósito de contribuir de forma positiva e isenta de clubismos, com uma análise focada nos atletas, nas equipas e nos treinadores, na sua vertente comportamental, dinâmica coletiva, rendimento, liderança, comunicação, entre outros. E é apenas um espaço de opinião. Por muito ruído que exista à volta disto vindo de fatores pouco dignos, recuso-me a alimenta-los e, por isso, mesmo que seja para os repudiar, recuso-me a comenta-los. Por exemplo, não comento erros de arbitragem, dirigentes corruptos ou outras situações na mesma linha. Não sou eu que os posso julgar, condenar ou inocentar. Opinar sobre eles é, em última instância, dar-lhes espaço e retirar protagonismo ao que realmente interessa. Prefiro focar-me no que vale a pena, no que é jogado dentro de campo e no papel dos que realmente importam: os jogadores, os adeptos, os treinadores, e pouco mais. Vem isto, claro, a propósito do momento do Sporting e de todas as polémicas associadas, uma vez que depois da análise que fiz à época de Sérgio Conceição e Rui Vitória, tinha planeado publicar agora a análise a Jorge Jesus e à forma liderou a equipa nesta época. E vou fazê-lo. Obviamente, foi difícil escrever cada frase deste artigo, mas, procurando ser coerente com o que antes referi, fiz questão de o escrever sem me desviar do foco – o trabalho de Jorge Jesus - porque acredito que é seguindo aquilo em que acreditamos e alimentando o que vale realmente a pena, que promovemos uma melhor cultura desportiva.

    --

    A época de Jorge Jesus, a sua terceira no Sporting, ficou muito aquém do que podia e deveria ter sido, por vários motivos e passando por todo o tipo de circunstâncias: desde exibições empolgantes a momentos agonizantes, enfrentando gigantes na Liga dos Campeões e na Liga Europa, conquistando a Taça da Liga, passando pela Liderança do Campeonato e terminando no 3º lugar, chegando à final da Taça de Portugal e perdendo como se viu. Uma verdadeira montanha-russa!

    Depois de ter falhado o principal objetivo nas épocas anteriores, perante o menor investimento dos rivais, o Sporting reforçou-se muito e bem, com jogadores de características muito específicas e claramente adequadas às exigências do Treinador, nomeadamente Piccini para substituir Schelotto, Mathieu para trazer maturidade à defesa, Coentrão para defender a pensar em atacar, Battaglia para substituir Adrien, Acuña para agitar o ataque, Bruno Fernandes para ganhar meia-distancia, Doumbia para ter algo radicalmente diferente de Bas Dost. Além disto, o Sporting mantinha a espinha-dorsal da equipa com jogadores-chave como Rui Patrício, Coates, William, Gelson e Bas Dost.

    O primeiro e decisivo momento da época era o apuramento para a Liga dos Campeões e, mesmo empatando em casa, o Sporting apresenta-se implacável em Bucareste e, a jogar com Doumbia no lugar de Bas Dost por opção face às características do jogo e do adversário, o Sporting vencia claramente por 5-1 e os cofres de Alvalade abriam portas aos milhões da Champions. Era uma vitória com dedo de Treinador – Jorge Jesus montou muito bem a equipa e atingiu o primeiro objetivo da época.

    Internamente, seguiram-se seis vitórias consecutivas e liderança partilhada da Liga com o FC Porto. A época arrancava bem internamente e na fase de grupos da Champions, com uma vitória no terreno do Olympiacos, terminando a presença entre os maiores no 3º lugar do grupo e consequente Liga Europa, mas com exibições consistentes e qualidade de jogo mesmo perante Juventus e Barcelona.

    A equipa chegava a janeiro, final da 1ª volta do campeonato, com tudo em aberto: colado ao FC Porto no topo da Liga, apurado na Taça de Portugal, na final-four da Taça da Liga e na fase a eliminar da Liga Europa. A equipa tinha exibições agradáveis, bons resultados, goleava e não tinha derrotas internas – apenas perante Juventus e Barcelona. Inatacável, portanto.

    Esta parecia ser a época verde e branca em que a palavra continuidade fazia sentido, em que o projeto de Jorge Jesus no Sporting estava no rumo certo. O Treinador fazia valer toda a sua experiência com uma equipa à sua imagem, em que através de um misto de maturidade e juventude projetava jogadores e obtinha resultados. Até aqui, sempre a subir.

    No fundo, como numa montanha-russa, era aquele percurso ascendente e gradual, antes da descida alucinante. Este seria o momento de verificarmos o cinto de segurança e se estamos mesmo bem presos à cadeira, porque sabemos o que aí vem… e o que aí vem são vertiginosas quedas, seguidas de abruptas subidas, curtos momentos de acalmia seguidos novamente de estonteantes descidas, sempre assim, até ao fim.

    Tal como na montanha-russa, a primeira descida é, normalmente, após o ponto mais alto. No fim de janeiro, o Sporting vence FC Porto e Vitória de Setúbal, ambos nas grandes penalidades, e conquista a Taça da Liga. Era muito? Era pouco? É um zero – se for o único título, um zero à esquerda, se for acompanhada de outro título, um zero à direita.

    Dias depois, já em fevereiro, a primeira derrota na Liga, face ao Estoril, dias depois a derrota na 1ª mão da meia-final da Taça de Portugal, no Dragão. Era a primeira descida do Sporting e levantava velhas questões sobre o Treinador: é mito ou verdade que as equipas de Jorge Jesus quebram de rendimento nas segundas partes das épocas? É mito ou verdade que taticamente as suas equipas se tornam previsíveis? É mito ou verdade que as relações com os jogadores se desgastam e atingem um ponto de saturação, mesmo com bons resultados?

    Como na montanha-russa, a equipa reequilibrou-se momentaneamente, mas, pouco depois, volta a cair e tem aquela que me parece ser a derrota que afasta o Sporting completamente do título, no Estádio do Dragão. No fim desta jornada o Porto reforçava a liderança e o Sporting era 3º classificado, ultrapassado por um Benfica em crescendo. Se 8 pontos não eram impossíveis de recuperar em 9 jornadas, tentar fazê-lo estando em queda de rendimento e contra dois adversários diretos já é menos provável.

    Nós somos nós e a nossa circunstância.” – José Ortega y Gasset, filósofo, ensaísta, jornalista e ativista político espanhol.

    Curiosamente, ou talvez não, o rendimento da equipa entra na fase alucinante da montanha-russa quando o clube entra em eleições, assembleias-gerais, publicações no Facebook, comunicados de resposta, jogadores suspensos, dirigentes vaiados…

    As subidas e descidas de rendimento, os jogos bem conseguidos como frente ao Atlético de Madrid, aqueles em que valeu o resultado como a receção ao Benfica, os outros onde a equipa, inexplicavelmente, bloqueia e perde inapelavelmente, como na deslocação ao Marítimo, não são só responsabilidade do Treinador, uma vez que o conflito entre o plantel e o Presidente é público e não é novo, mas também são responsabilidade do Treinador. No melhor e no pior.

    Se há momentos e circunstâncias onde o próprio Treinador está em causa pelo fraco rendimento da equipa e por opções questionáveis – como em Braga - há outros em que tem um papel agregador, para a equipa – como frente ao Paços de Ferreira e Atlético de Madrid -  e para o próprio clube.

    Quando Jorge Jesus consegue fazer das tripas coração e estabilizar a equipa com seis vitórias, um empate do mesmo sabor frente ao Benfica e incluindo a eliminação do FC Porto para a Taça de Portugal, dependendo apenas de si para ficar em 2º lugar e jogar na próxima época a possibilidade de chegar à Liga dos Campeões, a equipa falha redondamente. E se a equipa falha, num jogo decisivo como era com o Marítimo, também falha o Treinador. Não se confundam as coisas: a exibição fraquíssima com derrota na Madeira acontece quando o sporting só dependia de si, estava numa série invencível e antes dos problemas que se sabe.

    Jorge Jesus foi, esta época, igual a si mesmo: escolhendo bons jogadores, capaz de construir uma equipa, criando uma forte dinâmica ofensiva, muitos golos, uma coesão defensiva assinalável, eficácia nas bolas paradas… porém, com exibições intermitentes, quebra de rendimento e gestão física da equipa e de alguns jogadores de forma muito duvidosa. Também não é novidade o discurso focado no eu, o excesso de confiança e as frases infelizes sobre alguns jogadores. Goste-se ou não, Jorge Jesus é assim, sempre foi assim e não engana ninguém. Foi igual a si mesmo e falhou como sempre se soube que poderia falhar, assim como se tivesse sido campeão, teria ganho como sempre ganhou.

    A forma como geriu, dentro do possível, a equipa e as circunstâncias desde a derrota em Madrid, foi a revelação do que ainda não lhe conhecíamos. Soube colocar-se do lado certo, o dos jogadores e dos adeptos, porque são eles, verdadeiramente, a essência do clube. O clube existe, essencialmente, para que os atletas vençam e façam orgulhosos os seus adeptos. Tudo o resto é importante, mas não é essencial, muito menos se for deplorável.O Treinador soube perceber essa essência e escolheu o lado certo. É certo que, ao criar uma fratura incurável com o Presidente, põe em causa o seu emprego, mas se tivesse virado costas à equipa e aos adeptos, punha em causa muito mais: a sua credibilidade, fundamental na sua função de liderança.

    Contudo, importa também dizer que Jorge Jesus sabia que tipo de Presidente é Bruno de Carvalho. Além disso, sabe melhor ainda do que todos nós, o que o Presidente fez ao colega Marco Silva para libertar a cadeira que lhe queria dar. Se Bruno de Carvalho escolheu Jorge Jesus, Jorge Jesus também escolheu Bruno de Carvalho. O sonho de ser campeão no Sporting tinha riscos para a carreira do Treiandor, que aumentaram significativamente com três falhanços em três épocas e um último mês caótico, em que esteve no olho do furacão.

    A volta que Jorge Jesus e a sua equipa deram nesta montanha-russa, chegou ao fim no Jamor. Todos vimos como. Todos sabemos porquê. Resta saber o que se segue para o Treinador, o grande Treinador que é Jorge Jesus, com virtudes e defeitos, mas que merece bem mais para o seu futuro do que aquilo que será possível ter no seu Sporting.



    Comentários

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    motivo:
    Scolari no SCP?
    2018-05-23 00h23m por Detalhista
    Na capa do I fala em Scolari, espero bem que isto seja uma brincadeira de crianças. . . .

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