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    Visão de jogo
    Pedro Silva
    2017/06/26
    E2
    Espaço de análise da actualidade desportiva, onde o comportamento, a emoção e a razão têm lugar privilegiado. Uma visão diferente sobre o jogo, para que o jogo seja diferente.

    Nos últimos dias foram reveladas algumas propostas do IFAB - International Football Association Board para mudar o jogo de Futebol. Tradicionalmente conservador, este organismo que tutela as leis de jogo propõe agora alterações que vão desde a duração do jogo até às grandes penalidades. Renovação ou revolução, a seu tempo perceberemos.

    Contudo, há uma questão que me parece a montante de tudo isto: por que deve mudar o futebol? Mundialmente conhecido como desporto-rei, uma fábrica de milhões em competições e eventos, fonte de lucros para países, organizações e clubes, modalidade apaixonante em países ricos e pobres, é assim o futebol e, sendo assim, por quê mudar?

    O Futebol, nas suas regras atuais, é um milagre. Costumo dizer que cada vez que vemos um golo devemos agradecer divinamente. Por quê? Porque o Futebol é jogado com o membro mais afastado do cérebro. Além disto, permite largamente o contacto físico entre adversários. Como se não bastasse, é jogado em ambiente aberto, em condições diversificadas, podendo mesmo alterar-se durante o próprio jogo. Para concretizar o objetivo há que marcar golo, mas na baliza adversária há um guarda-redes. Para defender, é ilimitado o número máximo de faltas que um jogador ou equipa podem fazer aos adversários. Uma equipa pode, durante o jogo, não jogar, limitando-se a impedir o adversário de o fazer, recorrendo às mais elaboradas artimanhas, incluindo queimar tempo, até que no final o resultado dite que ambas as equipas são iguais. Pergunto eu: é justo? É Futebol, dirão!... Então insisto: mas pode tudo isto ser diferente, sem mudar a essência do jogo, do passe, do drible, do remate, do golo? Eu acredito que sim, que é possível.

    Enquanto apaixonado pelo jogo, penso como Chico Buarque: “As pessoas têm medo das mudanças. Eu tenho medo que as coisas nunca mudem”. Acompanho regularmente jogos de futebol de vários contextos, profissionais e amadores, seniores e formação, ao vivo e pela TV. Dou por mim regularmente a pensar: por que é que isto tem de ser assim?... e comparo, com o Futsal ali ao lado, ou com o Basquetebol, com o Andebol ou com o Hóquei em Patins.

    As comparações são inevitáveis para quem gosta de Desporto além de gostar de Futebol. Permitam-me então algumas questões, porque acredito no princípio de Alvin Tofller: “A pergunta certa é geralmente mais importante do que a resposta certa à pergunta errada”Estamos, ou não, de acordo sobre punir o anti-jogo, aumentar o tempo útil de prática, privilegiar o jogo ofensivo, proteger os melhores jogadores, aumentar o número de golos e garantir a vitória das melhores equipas? Se sim, podemos sempre discutir sobre como o faremos, na certeza de que temos o mesmo objetivo.

    Cada modalidade é um mundo em si mesmo, é verdade. Tem a sua origem e a sua evolução. Contudo, o Futebol poderia aprender olhando para o lado, com regras simples. No Basquetebol, por exemplo, o contacto físico é limitado, tornando o jogo mais técnico e menos físico, o que privilegia os melhores jogadores. As equipas têm obrigação de atacar e lançar ao cesto, criando mais momentos de interesse. Talvez seja por isso que todos os jogos têm pontuações elevadas e constantes momentos de interesse e emoção. Outro exemplo: no Futsal, está limitado o número de faltas permitidas a uma equipa, o que torna o jogo mais positivo e fluído. As melhores equipas ficam assim mais perto de ter o melhor resultado. No Andebol, a resposta a um golo sofrido pode ser um reinício rápido do jogo, com tentativa de golo, podendo assim ter-se mais do que um golo em poucos segundos.

    Olhando para o lado, é fácil fazer comparações. Olhando para dentro, pode ser ainda mais: se o golo é a festa do jogo, por que não aumentar o tamanho da baliza, para que existam mais golos? Quem tiver a melhor técnica de remate irá certamente tirar partido disso e o espetáculo também. Nos jogos com quarto árbitro é mesmo preciso parar o jogo para o sonolento cerimonial de um jogador desfilar até à linha final para que outro possa entrar? Isto beneficia o jogo? Se um jogador sofre uma falta quando tem a posse de bola em movimento (ou a bola é intercetada para fora), por que é que tem de recomeçar o jogo com a bola parada (ou na mão) e na obrigatoriedade de a passar ou rematar?

    As respostas a estas questões, e muitas outras que se poderia colocar, serão muito discutíveis, controversas e carentes de serem testadas previamente. O mesmo em relação às medidas propostas pelo IFAB: são discutíveis, controversas e carecem de serem testadas previamente. Os seus princípios parecem-me positivos, com o objetivo de beneficiar o jogo, embora algumas sugestões possam ser exageradas e difíceis de aplicar pelos árbitros (p. ex. a situação de mão na bola junto à linha de golo), tanto mais se forem todas implementadas em simultâneo. Desde já, é possível afirmar que são um sinal de que naquelas reuniões se pensa no jogo e não apenas no número de milhões que irá gerar a próxima grande competição. Acredito que isto é já uma evolução interessante e merecedora do nosso aplauso.

    Por fim, respondendo objetivamente à questão que dá título a este artigo: o Futebol deve mudar porque pode ser mais positivo, mais justo e melhor espetáculo, porque pode apaixonar ainda mais todos os que nele participam, seja quem joga, treina, arbitra ou assiste. Acredito que tudo o que vier de acordo com estes princípios será bom, mesmo que seja estranho. Primeiro estranha-se e depois entranha-se, é assim a vida. Sem mudar, o Futebol continuará a ser o que sempre foi e nunca será o que podia ter sido, continuará a ser imperfeito, polémico e inconstante. É isso também que nos apaixona e enfurece cada vez que mergulhamos no seu mundo, mas o Futebol pode e deve mudar. 

    O Futebol deve isso a si mesmo e deve isso a nós todos.



    Comentários

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    motivo:
    NA
    Porque não parar o Cronómetro?
    2017-06-27 15h57m por Nalgas
    E porque não parar o cronómetro cada vez que há uma assistência médica ou uma substituição? Pelo menos assim esse tempo não se perdia. Ou então contabilizem-no MESMO de modo a compensar adequadamente no final dos jogos.

    Quanto às faltas tb concordo que são demais. Talvez experimentar um cartão amarelo automático quando um jogador cometer 5 ou 7 faltas, independentemente da gravidade das mesmas. Claro que mantinha-se a possibilidade de dar cartão amarelo sempre que tal se justifique.

    As regras sugeridas pela IFAB são idiotas.
    Cambater o Anti-jogo
    2017-06-27 14h31m por mguerreiroscp
    Sou a favor que cada vez devemos proteger mais as equipas e jogadores que melhor futebol praticam, potencializando assim mais espectáculo, coisa que tem vindo a desaparecer com o tempo e com o facto de não se punir devidamente quem "desrespeita" o bom futebol. No entanto, das medidas apresentadas (não as deste artigo de opinião mas sim as da IFAB) não resolvem alguns dos problemas que, a meu ver, merecem bem mais atenção. Por exemplo:
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