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    A preto e branco
    Luís Cirilo Carvalho

    O poder na rua

    2016/12/25
    E0
    "A Preto e Branco” é uma coluna de opinião que procurará reflectir sobre o futebol português em todas as suas vertentes, de uma forma frontal e sem tibiezas nem equívocos, traduzindo o pensamento em liberdade do seu autor sobre todas as questões que se proponha abordar.

    Sou de um tempo em que o futebol era mais simples.

    Os jogos eram aos domingos às três da tarde, todos ao mesmo tempo, as rádios faziam relatos em cadeia, a RTP à noite no “Domingo Desportivo” dava dois ou três resumos (quase sempre dos mesmos clubes…), os jornais desportivos tinham três edições semanais, e era comum ver-se à porta dos estádios as senhoras dentro dos carros a fazerem crochet e malha enquanto os maridos iam ao futebol.

    Tudo era simples dentro da complexidade de que o futebol não prescinde.

    Os dirigentes dirigiam, os treinadores treinavam, os jogadores jogavam, os médicos e massagistas davam assistência, os roupeiros preparavam os equipamentos, não havia transferências em Janeiro e os adeptos apoiavam as equipas.

    Depois as coisas começaram a ficar mais sofisticadas.

    A televisão interessou-se pelo futebol, os jornais desportivos passaram a diários, apareceram os “empresários de futebol”, criaram-se épocas de transferência e surgiram as claques organizadas.

    Uma moda importada, como tantas no nosso futebol, e que terá sofrido incremento muito por força do Mundial de 1978, na Argentina, em que o espectacular apoio dos adeptos locais levou a selecção anfitriã a um título que em boa verdade era mais merecido pela Holanda.

    A Portugal as claques chegaram no final dos anos 70 sendo mais ou menos consensual que a primeira, organizada como tal, foi a “Juve Leo” (1976) numa iniciativa dos filhos do então presidente do Sporting João Rocha.

    De lá para cá vulgarizaram-se (todos os clubes tem uma ou mais que uma) cresceram e fizeram os seus percursos recheados de momentos espectaculares a par de outros perfeitamente dispensáveis e que em nada contribuíram para o prestígio do futebol, dos clubes e delas próprias.

    Sendo que, mesmo nesses momentos atribulados e atribuíveis nuns casos a fanatismo exacerbado e noutros a pura criminalidade, as claques se desviaram daquilo que é a sua função primeira que é o apoio às equipas dos seus clubes não invadindo outras áreas com as quais nada tem a ver.

    Contudo esta semana que passou o nosso futebol registou mais uma daquelas “evoluções” sem as quais passava muito bem.

    Uma claque do Sporting, desagradada com os resultados da sua equipa, resolveu ir ao centro de treinos do clube exigir responsabilidades aos jogadores e aos técnicos pelos insucessos recentemente verificados.

    E, mais do que isso, ainda se achou no direito de convocar a comunicação social para acompanhar a “diligência” que iam efectuar.

    Sem qualquer legitimidade para isso diga-se de passagem.

    Espantosamente a direcção do clube consentiu e o treinador, que remédio tinha ele, também!

    Mais espantosamente ainda a comunicação social…foi!

    Sou de outro tempo e outro futebol.

    Onde quem representava os adeptos junto das equipas eram as direcções dos clubes.

    E os adeptos, quando desagradados com exibições e resultados, tinham duas formas de manifestar a sua insatisfação; ou no estádio fazendo sentir à equipa o desagrado ou manifestando junto das direcções esse mesmo desagrado na certeza de que elas o fariam chegar à equipa.

    E continuo a achar que é assim que deve ser.

    Porque as claques, por maiores e mais entusiastas que sejam, não tem nenhuma legitimidade representativa do conjunto total de adeptos para irem junto dos grupos de trabalho fazerem o que a claque do Sporting fez esta semana.

    Nenhuma!

    Embora o umbigo de alguns aponte noutro sentido a verdade é que um adepto por fazer parte de uma claque não tem mais direitos que um adepto que dela não faça parte porque os adeptos são todos iguais nos direitos e nos deveres.

    E se por absurdo todos os adeptos do Sporting resolvessem rumar a Alcochete com o mesmo propósito então os jogadores e o treinador do clube iam estar semanas a fio a atenderem reclamações em vez de treinarem e se prepararem para os jogos.

    Já para não falar no problema de escalar jornalistas que se verificaria nas redacções de jornais e televisões…

    Em suma creio que o Sporting, para lá do atraso pontual para Benfica e Porto que já começa a ter algum significado, encontrou agora mais uma forma de dificultar a sua luta pelo título nacional que é esta sensação de que o poder em Alvalade está a cair na rua o que em termos de motivação e auto estima da equipa terá certamente reflexos negativos.

    Esperemos que a moda não pegue.

    Porque noutros clubes, especialmente os com expressiva dimensão associativa e de adeptos, seria péssimo que se copiasse este exemplo vindo de Alvalade com tudo que isso significaria de progressiva destabilização do nosso futebol e dos nossos clubes.



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