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O Melhor dos Jogos
Carlos Daniel

Um avançado para defender?

2024/01/04
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Este espaço, do jornalista Carlos Daniel, pretende ser de abordagem e reflexão sobre o futebol no que o jogo tem de melhor. Quinzenalmente, uma equipa será objeto de análise, com notas concretas que acrescentam atualidade.

Parece o mundo ao contrário: agora pretendem-se avançados, pontas de lança mesmo, que sejam fortes a… defender. No mínimo que se desgastem tanto a correr atrás dos adversários como a fazê-los correr atrás de si, algo que facilmente arruinaria as carreiras de Romário ou de Ronaldo Fenómeno, para citar alguns dos melhores que vi habitar as áreas de golo. E o mesmo podia dizer de Van Basten, que até o Milan de Sacchi dependia menos do cisne neerlandês que de qualquer outro dos seus futebolistas para se ter tornado historicamente “pressionante”.

Tem sido tema recorrente a pretexto da saída de Gonçalo Ramos do Benfica e da exageradamente criticada aposta em Arthur Cabral, mas não só dificilmente se explica a menor eficácia de uma ação que tem de ser coletiva – a tal “pressão”, que as mais das vezes não passa de um simples condicionamento (do espaço por onde a bola poderá circular)  na construção contrária – com a troca de uma só peça, como soa estranho discutir um jogador que deve ser decisivo com bola pelas suas competências sem ela. É contratar um artista pelo seu valor como operário, um pintor de quadros pela capacidade retocar uma parede, por útil que seja.  Não foi decerto o que levou o Manchester City a acreditar em Haaland e faz dele, a par de Mbappé, de quem poderia escrever exatamente o mesmo, o mais arrebatador atacante do momento. Por regra, os melhores atacantes não são grandes defensores, como até o léxico ajuda a perceber.

Não se leia nestas frases que defendo um avançado que não se movimente, que não se envolva nas ações defensivas, mas será particularmente importante que demonstre essa dinâmica nos momentos de desmarcação, quando ataca. Mesmo de Benzema e Suarez, expoentes do craque que trabalha, havemos de lembrar-nos pelo que nos mostraram ao enquadrar uma baliza, indicando o caminho à bola. E há outros exemplos, mais atuais e próximos: Gyokeres também defende, é certo, mas faz mesmo a diferença é nas movimentações ofensivas do Sporting; Taremi trabalha, claro que sim, mas o essencial que dá é a mobilidade que autoriza à equipa diversas soluções em posse; Gonçalo Ramos, não haja dúvidas, é um avançado com invulgar capacidade de trabalho, mas o que o fez valer uma fortuna não foram as correrias atrás dos defesas mas os movimentos que o colocavam adiante deles, para marcar. E é aos golos em série que tem de voltar para triunfar em Paris, que ninguém paga mais de 60 milhões por um avançado que só impressione nos mapas de calor.

E depois há o contexto. Claro que numa equipa em que as unidades em redor são menos competentes nas ações defensivas, a capacidade de trabalho do principal atacante pode ser um fator crítico. Mas não faz mais sentido garantir, nesses momentos sem bola, um suporte mais agressivo – individual e sobretudo coletivo - ao jogador decisivo do que avaliá-lo – penso em Lukaku ou em Mitrovic - em função do que nunca poderá garantir? Do mesmo modo, a história prova que é um logro sujeitar a funções de desgaste os jogadores decisivos, não só porque é errado retirar-lhes a frescura de que vão necessitar no momento de fechar as jogadas, mas também, e simplesmente, porque eles não aceitam, sobretudo quando adquirem algum estatuto. Perguntem a Ronaldo ou Messi. Ou lembremo-nos deles, apenas.



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