placardpt
    Da Bombonera, com amor
    Luís Mateus
    2019/03/27
    E2
    «Da Bombonera, com amor» é uma coluna de opinião/crónica da autoria do jornalista Luís Mateus e a sequência lógica da rubrica “Era Capaz de Viver na Bombonera", publicada originalmente de 2008 a 2018, pelo mesmo autor, no jornal MaisFutebol.

    Gosto muito de futebol.

    Não gosto nem mais nem menos do que os outros. À minha escala, gosto muito de futebol.

    Nasci em Lisboa, sou português. Cresci a jogar e a marcar uns golos de quando em vez, mas diverti-me sobretudo a tentar ver o que mais ninguém via, e a meter aí a bola. Por vezes restos mortais de uma bola. Nos restos mortais de um pelado.

    Tornei-me jornalista. Deixei de jogar quase sempre para não jogar quase nunca, mas passem-ma e ficarei feliz. Comecei a vê-la mais nos pés dos outros, e a felicidade também assumiu outros tons. Bons tons, porque ainda a tratavam melhor do que eu, e não tenho a inveja como pecado mortal pelo qual deva pagar.

    Gosto de ter uma cerveja fresca por perto. Pires de tremoços e amigos, nos intervalos das pirâmides de cascas amontoadas, com quem falar. Não há melhor maneira de ver um jogo sem ter de vê-lo. Sem conceitos e preconceitos, apenas pelo gozo da finta, do cruzamento de letra ou do golo de trivela.

    Ver Messi e esquecer todos os outros, tal como Maradona fazia de cada jogada um campo só para si. Ainda tento abstrair-me dos triângulos, das entrelinhas e dos erros de compensação. Consigo limpar a cabeça durante cinco minutos. Pelo menos, tento.

    Quem gosta de futebol não terá muito prazer a ver Portugal.

    Quem analisa o jogo sabe que, apesar de qualquer equipa, incluindo a Selecção, ser eterno projecto inacabado, há momentos em que está mais ou menos completa, mais ou menos trabalhada. Mais ou menos forte.  

    Hoje, sou a criança que Christian Andersen colocou no meio da parada a gritar

    O rei vai nu!

    Há uma pergunta que aparece sempre. Mudam-se os protagonistas, mas é sempre válida para o adepto

    Como é que alguém que foi campeão é agora mau?

    O mundo muda à nossa volta, e com este o contexto. Primeiro, não desdenhemos a sorte, que não dura para sempre. Agradeçamos aos deuses. Só uma data de circunstâncias específicas, a que muitos chamam felicidade, garantiram uma conjuntura favorável para que hoje haja um título a defender. Atenção que ainda faltava a França, em França, no estádio nacional francês e com bandeirinhas ao vento e ao sabor do pior cântico do mundo

    Allez les Bleus, allez les Bleus, allez les Bleus

    Além de que a gestão do grupo, a conservação do moral e dedicação completa também têm valor, ainda mais pelas derrotas passadas e pelo também vingar do tratamento dado muitas vezes aos emigrantes.

    Hoje, apenas, já não é suficiente.

    Dificilmente o raio cai duas vezes no mesmo sítio. E, quando cair, porque o destino é algo que é tão caro para o português, não cairá para nós.

    Quando um resultadista não ganha fica sem nada. É o ateu na hora da morte.

    Literalmente na hora da sua morte. Não é o país que está pela hora da morte, embora esteja. Bem, adiante.

    Fernando Santos, católico fervoroso, quando não ganha também fica com muito pouco.

    Haverá quem conteste o conceito de jogar bem, e até pode ter razão. Não é algo objectivo, muda de pronome para pronome. Haverá ainda quem aponte a verticalidade como um caminho tão válido quanto outros para chegar ao triunfo. O que também não é mentira, embora até aí pareçam faltar jogadores que o tornem menos espinhoso. Ou mais espinhoso para quem defende.

    Já não dá para naturalizar o Marega…

    Até para o resultadismo Portugal parecer estar em carência.

    Uma equipa sólida não precisa dominar todos os estilos e ideias, embora se o conseguisse passasse a estar bem mais perto do sucesso. A Seleção não domina o seu, e isso é dizer quase tudo.

    Dói tanto pontapé para o ar e bolas a acabar no quintal, um verdadeiro desperdício. Dizia Riquelme, se calhar até repetindo o que ouviu dizer e que lhe pareceu fazer sentido

    Trata bem a bola e ela retribuirá!

    Confesso-me ateu perante o deus de Fernando Santos. A bola é a minha religião.



    Comentários

    Gostaria de comentar? Basta registar-se!
    motivo:
    SO
    Destaco
    2019-03-28 22h05m por sofintas
    (no contexto) "Ainda tento abstrair-me dos triângulos, das entrelinhas e dos erros de compensação. "

    Excelente! :)
    SO
    Na sequência. . .
    2019-03-28 22h03m por sofintas
    Cristiano Ronaldo não marca e. . . Cristiano Ronaldo fica sem (quase) nada.

    E, assim, convence-nos de quanto sobrevalorizado é, e de quão refém está de golos (desde finais de 2012, pois antes jogava muito).

    OPINIÕES DO MESMO AUTOR

    É isso, acho. Kelvin já foi um Rensenbrink feliz. Uns perguntam Quem? Outros resmungam Que parvoíce! Não sairíamos daqui toda a tarde. Todas ...
    06-04-2019 14:21E3
    É ele o culpado pelas inúmeras A4 amarrotadas, tornadas triplos falhados esquecidos em cima do tapete, em pleno Madison Square Garden a abarrotar, sem espaço para vivalma e a ...
    13-03-2019 21:04E5
    O futebol é feito de ideias. Muitas. Encadeadas. Algumas umbilicalmente ligadas, e separadas à nascença. Siamesas, mas de costas voltadas. Plantadas, ao lado de palmeiras e ...
    07-03-2019 10:04E1
    Opinião
    O sítio dos Gverreiros
    António Costa
    Campo Pelado
    Pedro Jorge da Cunha
    Oitava Arte
    Álvaro Costa
    Vénia ao 3º Anel
    Filipe Inglês