Tinha apenas 9 anos de idade e breves meses como sócio do Clube de Futebol os Belenenses quando participei no meu primeiro momento de associativismo e comunhão belenenses. Era o dia 1 de outubro de 2006, uma semana depois de o Estádio do Restelo cumprir 50 anos de alegrias, tristezas, suores, lágrimas e muitas lutas. Para assinalar o meio centenário, organizou-se uma caminhada das Salésias ao Restelo, e os sócios corresponderam com uma forte presença.
São muitos os momentos que guardo com carinho desse dia: o tê-lo passado com o meu pai e o meu avô (este último que nem belenense é, mas que quis vir recordar um estádio – as Salésias – cuja magnificência e imponência de outrora ultrapassava qualquer clubismo e rivalidade); as fotos que tirei com Marco Aurélio, ídolo da altura, e Vicente, ídolo de sempre; os passos que dei pelo relvado do Restelo pela primeira vez; e o mar de azul a preencher as ruas que nos levaram de um campo ao outro.
Mas há uma imagem de que me tenho vindo a lembrar muitas vezes nos últimos meses: um sócio que levava um cartaz com as palavras “BELÉM – quanto mais sofres, mais gosto de ti”. Sei que no dia não percebi o que o cartaz queria dizer. Parecia apenas uma piada inocente, uma forma de dizer que o carinho pelo clube se mantém apesar dos dissabores. Ao longo dos anos, ao aprender sobre a nossa história e à luz de acontecimentos recentes, apercebi-me e, mais importante, identifiquei-me com o verdadeiro significado da mensagem: é precisamente pelos dissabores, ou melhor, pela forma como ultrapassamos os dissabores, que é impossível não amar o Belenenses.
A caminhada desse dia assinalava o aniversário da inauguração do Estádio do Restelo, um complexo desportivo construído pelos sócios após o clube ter sido expulso do Estádio das Salésias para que lá se fossem fazer obras públicas – obras essas que nunca se fizeram, tendo ficado o terreno ao abandono durante décadas. Quando se diz que o Restelo foi construído pelos sócios, é mesmo isso que significa: os custos foram assegurados pelos fundos do clube e pela massa associativa, sem ajudas do Estado ou do município. As dívidas contraídas neste ato levariam a que no início dos anos 60 perdêssemos o estádio para a Câmara de Lisboa, que chegou a encaixotar os troféus do clube na rua, desrespeitosamente. Recuperámos o Restelo no final da mesma década, mas os resultados desportivos não seriam mais os mesmos, e em 1982 acontecia o impensável: uma dolorosa descida de divisão.
Dolorosa, mas que não afastou a família belenense, pelo contrário: os sócios uniram-se em torno da equipa e, sete anos depois da descida, o Belenenses triunfava no Jamor e vencia a sua terceira Taça de Portugal, curto número para tão grande emblema. Como se pode ver, o clube passou por muitas dificuldades nos seus quase 99 anos de história (as aqui enunciadas são apenas uma breve amostra), mas soube sempre ultrapassá-las de uma maneira ou de outra, e sempre com o suor e o esforço de uma massa associativa leal e inabalável.
É por isso que o novo capítulo da história do clube que se inicia esta época a partir das distritais não me demove. A quem fez as contas no primeiro parágrafo, percebeu que tenho apenas 21 anos: não vi a equipa a ganhar o campeonato de 45/46 e a perder o de 54/55 a quatro minutos do fim; não vi os capitães que levantaram as nossas três taças; não vi grandes noites europeias com o Barcelona ou o Bayer Leverkusen. Mas terei todo o orgulho em ver, com todos os sócios e adeptos no Estádio do Restelo, esta longa caminhada, mais longa que a que dista as Salésias do Restelo. Pois é de um Belenenses sofredor que surge um Belenenses vencedor, e um Belenenses de que gosto cada vez mais.