Chiquinho teve de voltar a emigrar para sentir a emoção do jogo, ser influente e decisivo. Foi para a Turquia, para um desconhecido e quase impronunciável Giresunspor. Não deixa de ser um paradoxo ter reencontrado a luz do seu futebol nas margens do Mar Negro.
O médio ofensivo mudou-se para Giresun no início de fevereiro, depois de meia temporada no SC Braga onde foi pouco utilizado. O impacto do jogador no Giresunspor foi imediato: titular e totalista em todos os seis jogos, três golos e uma assistência.O zerozero aproveitou a passagem do jogador por Portugal, aquando da paragem para os compromissos das seleções, para o entrevistar. Fomos recebidos na casa dele, em São Martinho do Campo, nos arredores de Santo Tirso - local de repouso e carregamento de baterias - e falamos de tudo: da Turquia, do Benfica, do SC Braga e do futuro.
zerozero: Chiquinho, obrigado por nos receberes em tua casa. A primeira pergunta é simples: como se diz, corretamente, o nome do teu clube?
Chiquinho: Guiressunspor (escreve-se Giresunspor).
zz: Já há pronúncia na forma de falar. Já arranhas alguma coisa?
C: Sei algumas palavras: olá, bom dia, bom apetite e pouco mais.
zz: Esse foi o grande desafio, além do desafio desportivo, a parte linguística?
C: Sem dúvida, é uma cultura completamente diferente da nossa, uma língua muito difícil. Tento aprender novas palavras todo os dias, mas é muito complicado. Maioritariamente falo inglês. Temos a facilidade de ter três tradutores que nos ajudam diariamente, com os jogadores, com o staff, seja com quem for. O inglês há vários jogadores a falar e depois há os jogadores brasileiros, que me ajudaram a integrar no clube e ajudaram-me a ser bem acolhido no grupo.
zz: Não houve grande dificuldade da tua adaptação. Foi um chegar, ver e vencer...
C: Não se explica, mas senti, desde a primeira hora, uma grande confiança de todos. Senti eles a pensarem: 'Este jogador está aqui para ajudar e vai ser muito importante para nós.' O treinador passou-me essa confiança, todos os jogadores acreditaram muito em mim, desde que cheguei lá. Quando tens a confiança plena de um treinador, as coisas saem muito mais fácil.
zz: Sentiste essa empatia?
C: Sim. Senti a alegria de estar ali e eles transmitem isso todos os dias. Sem dúvida que está a ser uma excelente experiência.
zz: Quando ouviste este nome também ficaste na dúvida? Onde era? Foste procurar no mapa?
C: Fiquei na dúvida, pois naturalmente não conhecia, mas fui logo pesquisar, para saber mais coisas e informações do clube e ter noção onde se situava.zz: E como é a vida do futebol turco?
C: A minha lá é como cá. Sou muito focado no futebol. É treino/casa e casa/treino, vivo muito para o futebol. Treinar todos os dias, descansar bem, alimentar-me bem. Quando vivemos para o futebol e fazemos tudo bem as coisas acontecem.
zz: Toda a gente diz que o adepto turco é muito apaixonado. Terias noção disso, mas como é vivê-lo na primeira pessoa?
C: Não tinha tanta noção, mas a partir do momento em que cheguei lá apercebi-me do quão grande é a paixão. O Giresunspor não é um clube muito grande, mas ao nível de adeptos é incrível. O estádio está quase sempre cheio, os adeptos são fervorosos e apoiam-nos imenso.
zz: Foi o que mais te surpreendeu?
C: Surpreendeu-me muito, pois, relativamente ao que temos em Portugal, as equipas pequenas metem duas/três mil pessoas e no primeiro jogo que tive lá, contra o Fenerbahçe, o estádio estava praticamente lotado. Fiz o golo, disseram o meu nome nas colunas e o estádio todo entoou o meu nome. Foi um sensação muito boa.
zz: Cá em Portugal vimos-te em várias zonas do terreno, sempre no meio campo ofensivo. Lá estás a jogar em zona do terreno?
C: Tenho jogado sempre a médio ofensivo, número 10. É uma posição que gosto muito, deixa-me muito confortável. Já fiz dois jogos a número 8, mas essencialmente jogo atrás do ponta de lança, mas o treinador dá-me liberdade de movimentos. Posso descer para receber a bola, fazer movimentos de rutura, receber mais baixo, ou mais à frente. Acho que quando um jogador tem essa liberdade, as coisas tornam-se mais fáceis.
zz: É algo que já sentias falta...
C: Sem dúvida, sentir essa liberdade e confiança era algo que sentia falta para jogar o meu jogo.
zz: Até que ponto é bom teres essa tranquilidade para desenvolver o teu futebol?
C: A pressão é boa. A pressão de ter de fazer as coisas bem, é boa. Mais importante, seja em que momento for, é a confiança que o treinador te transmite. Se ele te transmitir essa confiança, mesmo que falhes um passe, falhes um golo e ele está lá e apoiar-te, as coisas saiem mais fáceis.
zz: Foste um pedido do treinador?
C: Eu acho que sim, para ter tanto impacto só pode ter sido.
zz: O que significa para a tua carreira esta experiência na carreira?
C: Todos nós temos momentos bons e menos bons e neste momento precisava de voltar a jogar, de voltar a sentir o prazer, a confiança, que era importante. Eu fui para o desconhecido e neste momento só tenho coisas boas a dizer da Turquia.
zz: Não há dúvidas que fisicamente estavas bem. Depois de pouco utilizado na primeira parte da época, chegas à Turquia e são minutos em cima de minutos...
C: Fisicamente estive sempre bem. Foco-me muito no meu trabalho e procuro estar sempre preparado para as oportunidades. Estando a jogar, ou não, trabalho sempre da mesma forma, porque acredito que trabalhando e acreditando nas nossas capacidades as coisas vão acontecer. Com trabalho tudo se consegue. A prova é que cheguei à Turquia, no final da primeira semana o treinador colocou-me a jogar os 90 minutos, aguentei sem problema e se tivesse que jogar outro jogo, jogava.
zz: Quais são os pontos do teu trabalho e do teu treino que faz com que, depois de uma primeira parte da época em Braga que não terá corrido como querias, chegues à Turquia e digas que jogaste noventa minutos e logo de seguida poderias jogar mais?
zz: Braga não correu como o esperado: é um assunto encerrado?
C: É um assunto encerrado, não correu como queria, mas é passado e o mais importante é o presente e pensar no futuro.
zz: Como tens visto o campeonato português?
C: Com a internet é fácil ter acesso às notícias e vou acompanhando um ou outro jogo, mas tento estar focado onde estou e naquilo que estou a fazer. Acompanho, mas estou focado onde estou.
zz: O Benfica é o teu clube, estás emprestado na Turquia. Quando houve aquele jogo contra o Ajax mandaste alguma mensagem aos teus colegas?
C: Trocámos mensagens, tenho grandes amizades e fiquei muito feliz por essa passagem na Liga dos Campeões.
zz: Acreditas que toda a gente do Benfica está atenta ao que fazes na Turquia?
C: Acredito que sim, eles estão atentos, não só a mim, como a todos os emprestados.
zz: O teu sucesso da próxima época só pode acontecer mediante o que faças nesta?
C: Sem dúvida. Penso no futuro, mas tenho de pensar e desfrutar do presente. Neste momento estou muito focado na minha equipa e atingir os objetivos de ficar na 1ª Divisão turca e no final da época acredito que se as coisas correrem bem, acredito que posso voltar ao Benfica.
zz: Na Turquia o que é que mais te surpreendeu?
C: Qualquer equipa pode ganhar ao adversário. Na Turquia, o futebol é muito ataque/defesa e defesa/ataque, não pára, é muito intenso. São jogos mais desorganizados que em Portugal. O jogo é mais intenso, mais rápido, nunca sentes um jogo controlado. A título de exemplo, contra o Goztepe estávamos a ganhar 3-1, eles reduziram e o jogo ficou todo partido.
zz: É melhor para jogadores com o teu estilo?
C: É melhor, pois temos mais espaço para jogar e para pensar. Para jogadores com as minhas características é mais fácil.
zz: Para alguém que gosta de pensar, de forma se torna difícil não haver uma regra?
C: É difícil pausar o jogar, pois todas as equipas querem atacar rápido e fazer golo, mas há mais espaço para fazer passes de rutura e temos mais tempo para decidir.
zz: Foste treinado, aqui em Portugal, essencialmente por treinadores portugueses. Como está a ser a experiência com um treinador turco?
C: Ele está familiarizado com tudo. Mas é difícil fazer uma comparação e uma avaliação, pois são estilos de jogo diferentes e realidades diferentes.
zz: Com organização poderia atingir outro nível, o campeonato turco?
C: Sem dúvida. Tem muito para evoluir, se aproveitar a envolvência dos adeptos.
zz: Estamos na tua casa. Era importante vires respirar Portugal?
C: Sim, gosto muito de estar em casa, com a família, eles são o mais importante e sempre que posso estou com eles, para renovar energias e estar mais focado no meu trabalho.
zz: É difícil estarem presentes lá, mas que mensagens te passam, estando cá?
C: Vêm sempre e passam energia positiva, conseguem sempre ver o jogo.
zz: Quem te levou para o futebol?
C: Foi o meu pai, que desde muito criança me começou a levar aos treinos e nunca mais pararam. Para eles, tudo isto, é como se fosse a vida deles. O meu pai, a minha mãe, todos os vivem a minha carreira e têm muito orgulho no que eu tenho construído.
zz: Falta oito jogos para acabar a época. Qual é o teu objetivo?
C: Ajudar o clube a manter-se na Superliga turca, fazer mais uns golos e assistências.
zz: Tinhas saudades disso?
C: Muitas.
zz: Qual é a energia de quando se marcam um golo?
C: É um sentimento que não explica, é uma explosão de alegria. É muito bom.
zz: Festejaste um dos golos como Iran, o Luva de Pedreiro. Como foi isso?
C: Foi uma brincadeira, pois acompanho no Instagram os vídeos e temos um jogador da Nova Zelândia que chegava aos estágios e imitava o Iran, como Receba e o discurso que ele utiliza e prometi que se fizesse golo ia fazer qualquer coisa relacionada com o Luva de Pedreiro e fiz. Mesmo no jogo a seguir voltei a fazer, com um colega que estava no banco.
zz: Não és o único jogador dos quadros do Benfica que está na Turquia. Já te cruzaste com o Pizzi e o Gedson?
C: Já joguei contra o Gedson, trocámos de camisola e falámos um bocadinho. Contra o Pizzi não joguei, mas vamos falando, pois temos uma relação muito boa e vamos jogar dentro de três jornadas. Vai ser bom, pois vamos cruzar-nos na mesma zona do terreno.
zz: Como vai ser o Chiquinho da próxima época?
C: Ambicioso, com um foco grande em ser melhor todos os dias e dar o meu melhor.