*Com Rui Jacob
Quem espreitar, desprevenidamente, para a classificação da Serie A, depressa se depara com um nome pouco habitual a cuscar a liderança: o Sassuolo. A equipa de De Zerbi tem despertado, aos poucos, o interesse internacional com um futebol atacante e de posse ao estilo de Pep Guardiola e Marcelo Bielsa.
Esta pequena equipa tem conquistado adeptos e recebido elogios um pouco de toda a parte. Da familia que investiu no ciclismo antes do futebol, ao treinador do momento em Itália, eis como o Sassuolo tem sido a grande surpresa do principal escalão do futebol italiano.
Para os fãs de futebol, uma viagem a Itália é um éden para visitar os grandes Coliseus futebolísticos. Do Olímpico de Roma a San Siro, de Turim a Nápoles, sem esquecer uma escala em Florença e na devastada Bergamo, onde está a Atalanta, poucos roteiros irão indicar uma passagem na pequena cidade de Sassuolo.
É uma urbe pacata do norte de Itália, na província de Modena, que conta com cerca de 40 mil habitantes. É considerada o ponto industrial da região e, tendo isso em conta, é normal que os donos da equipa sejam uma empresa de produtos químicos para a construção civil: A Mapei.
Durante 10 anos, colecionou cerca de 600 vitórias em provas, como dois Giros d'Italia e 15 etapas do Tour de France. Em 2002, continuou a patrocinar eventos e projetos de ciclismo, mas deixou de comandar a equipa devido aos casos de doping, preferiu lutar à parte, criando uma associação onde futuros atletas possam atingir o seu potencial sem recorrerem a substâncias ilícitas.
Em 2005, o futebol entrou nas contas. A empresa adquiriu o US Sassuolo e aqui começou o sucesso do clube. Levou a equipa local do 4º escalão italiano até à Serie A em apenas oito anos e, em 2015, após um sexto lugar na liga principal, até à fase de grupos da Liga Europa. Além das conquistas, o Sassuolo tem algo que só apenas mais três clubes têm em Itália: um estádio.O Mapei Stadium - Città del Tricolore pertencia à Regianna – que entrou em falência em 2005 -, mas foi adquirido pela Mapei, em 2013, quando estava sob a tutela do Tribunal de Reggio Emilia. Só Juventus, Udinese, Atalanta e Sassuolo são donos do seu próprio estádio, sendo que todos os outros são propriedade do Estado italiano.
Em 2019, Giorgio Squinzy faleceu devido a doença prolongada, tendo uma pneumonia ditado o seu último suspiro. Os filhos tomaram conta da empresa e do clube, onde ambicionam a continuação do legado e continuar a levar a formação cada vez mais longe.
Em 2007, a equipa negroverdi encontrava-se na série C1 de Itália (3ª divisão) e apostou no desconhecido (na altura) Massimiliano Allegri. Depressa colocou a equipa no topo da classificação, garantido a promoção à Serie B pela primeira vez na sua história. Allegri voou para o Cagliari na época seguinte e o Sassuolo procurou novos comandantes: seguiram-se Andrea Mandorlini, Stefano Pioli, Daniele Arrigoni, Angelo Gregucci e Fulvio Pea, mas nenhum conseguiu o plano de subida pretendido.
Em 2012/2013 chegou Eusebio Di Francesco, vindo do Lecce e, com ele, o destino sonhado: A Serie A. O italiano, cujo nome é inspirado no português Eusébio, trouxe um futebol atacante e atrativo e acabou a Serie B como campeão.
O regresso de Eusebio Di Francesco foi mais tranquilo. Com uma sequência 13 pontos em sete jogos, a equipa conseguiu a manutenção na Serie A, da qual não saiu até hoje. O império do treinador italiano incluiu uma presença inédita na Liga Europa, em 2016, onde conseguiu a primeira vitória internacional do clube por 3x0 frente ao Athletic Bilbao. Embora a presença histórica, o Sassulo acabou por ficar em último lugar do grupo, com apenas 5 pontos. No final da época, a cobiça pelo treinador era grande, e acabou por viajar para a capital italiana, onde a AS Roma o aguardava.
A época de 17/18 serviu de transição. Christian Bucci aguentou a equipa até novembro, mas acabou substituído por Giuseppe Ianchini. Embora o 11º lugar não fosse escandaloso para a equipa do norte de Itália, havia um nome que estava a dar que falar num outro clube, diga-se, pequeno. Era De Zerbi e o futebol atrativo do Benevento.
Embora o Benevento tenha acabado a época de 2017/2018 no último lugar, a equipa foi muito elogiada pelo seu futebol atacante, de posse e pelo modelo de transferências. Isso chamou a atenção do Sassuolo para o cabecilha da equipa e, em julho de 2018, assinou contrato com o técnico.
A pandemia não nos permite sentir de perto as sensações do bom momento do Sassuolo (ou de provar uma bela Carbonnara em qualquer Centro Storico, mas isso ficará para mais tarde), mas, de acordo com o jornalista do jornal La Stampa, Nicolo Foto, o futebol de De Zerbi destaca-se pela positiva.
«Está-se a tornar num dos treinadores mais mediáticos de Itália, além do bom trabalho no Sassuolo, tem tido reconhecimento internacional e foi mesmo dar palestras aos treinadores da academia do Barcelona. Ele joga num 4x3x3, com extremos de pés trocados, defesa de 4 em linha, com laterais que sobem muito, mas por vezes também recorrem a um 3x4x2x1, como no jogo em Nápoles, e conseguem bons resultados na mesma. É muito ousado no seu futebol e tem dado frutos» disse ao zerozero, em conversa telefónica.O treinador de 41 anos tem merecido comparações com Pep Guardiola e «El Loco» Bielsa. Uma delas por Maxime López, reforço do Sassuolo (que foi orientado por Marcelo Bielsa no Marselha). Em declarações à RMC, após a (nada) surpreendente vitória em Nápoles, no passado sábado, o jogador afirmou que «ele (De Zerbi) é louco por detalhes, tem que ser tudo perfeito, vai ao detalhe em tudo o que adversário faz. Nesse aspecto faz-me lembrar Bielsa» afirmou.
Ora, as declarações surpreendem apenas quem não tem estado atento ao percurso do Sassuolo. Nicolo Foto diz-nos que este ano «é um reflexo da continuidade do trabalho feito nos últimos três anos» além de ser «um plantel estável, com quem está a construir algo muito bom», disse.
«É uma equipa rica, basta observar os lucros da Mapei. Não precisaram de vender face aos problemas do último mercado e mantiveram a base da época passada. Deram-se ao luxo de pedir 40 milhões pelo Locatelli à Juventus, um valor alto que a Juve não se dispôs a pagar. Depois têm a perfeita noção do seu contexto, são uma equipa pequena, não podem obter muito lucro com camisolas, por exemplo, por isso investem mais na manutenção daquilo que têm de bom e não entram em loucuras. É uma gestão consciente», acrescentou.
«Depois há o Ciccio Caputo, que chegou à seleção italiana aos 33 anos (estreando-se com um golo). O ano passado chegou aos 21 golos na Serie A e nesta edição já leva cinco. Mas também tem do lado dele o Berardi e o Jeremie Boga que são extraordinários. Estes três fazem a diferença na frente, mas o Locatelli, é inacreditável e o Milan não o potenciou. O Sassuolo vai ganhar muito dinheiro com ele», exaltou Nicola em relação aos melhores jogadores da equipa negroverdi.
Quanto ao futuro da formação e do técnico, Foto diz-nos que «a nível interno» sabe que «será uma questão de tempo até chegar a um grande», mas que não se admirava de o ver no Barcelona devido «aos contactos que conseguiu obter enquanto deu lá cursos».
Concluindo, o Sassuolo esta época pode afirmar-se no top-7 (equipas com acesso à europa) dos clubes italianos, basta manter o bom momento e o agradável futebol que tem conseguido praticar ao longo dos últimos três anos, que parece estar a atingir o seu auge este ano. É raro uma equipa de uma cidade tão pequena conseguir chegar tão longe, mas esse é o paradigma do futebol moderno.
Com bons investimentos e gestão realista daquilo que é o clube, depressa se consegue algo positivo. Numa Itália tão habituada a uma hegemonia constante, sem dúvida que o Sassuolo é uma lufada de ar fresco. Promessas, essas, leva-as o vento, mas estará a pequena equipa da província de Modena à altura de superar o vendaval que se avizinha?