52 jogos, 45 deles para a Segunda Liga, e 23 golos que foram determinantes no desfecho de sonho de um Tondela histórico com a inédita subida ao primeiro escalão. Tozé Marreco optou por manter o silêncio ao longo de toda a época. Sem desvios no foco, o avançado esteve em grande e, finalizado o trabalho, acedeu ao convite do zerozero.pt para falar sobre o que lhe vai na alma.
Subíamos na mesma se perdêssemos, mas não se compararia a alegria. Assim é que fez sentido, era assim que tinha que ser.
E na alma vai a sensação de que esta não foi uma subida qualquer, de que este feito significou algo de realmente «grandioso» para um clube, uma cidade, uma região.
«Quando vínhamos no autocarro a festejar pensei três ou quatro vezes nisso. Nestes dias, tenho parado várias vezes para refletir. Realmente, fizemos algo incrível por este clube, por esta região. Há 10 anos estavam na distrital, agora estão na Primeira. O nosso nome vai ficar para sempre nos livros deste clube e isso é tão bonito...», avaliou o avançado.
Raio X [Jogador] |
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Tozé Marreco | | Tondela |
A maratona foi enorme, o desgaste é grande, mas tudo valeu a pena. Por um momento ímpar, mágico e inesquecível, espelhado no pontapé de André Carvalhas, quatro minutos para lá dos 90.
«O André marca e... sei lá. Foi correr sem pés, sem direção, só porque sim. Acho que, naquele momento, não se pensa em nada e pensa-se em tudo ao mesmo tempo. Nós merecíamos aquilo, lutamos tanto para o conseguirmos. Subíamos na mesma se perdêssemos, mas não se compararia a alegria. Assim é que fez sentido, era assim que tinha que ser», relembrou, até com alguma emoção nas palavras.
Um regresso «para subir»
Há ano e meio, Tozé Marreco, então no Tondela, reunia com o presidente e pedia para sair. Alguns dias depois, falava com o zerozero.pt e explicava o desejo de atuar na Primeira Liga (antes tinha feito apenas dois jogos pelo Beira-Mar), algo que aconteceria por intermédio do Olhanense. Mas que não correria bem.
Pontapé de Carvalhas proporcionou turbilhão de emoções ©Rogério Ferreira
«Saí porque fui à procura de jogar na Primeira Liga. A conversa que tive com o presidente [Gilberto Coimbra] ficará entre nós, a razão principal também, mas naquela altura eu queria jogar na Primeira. Só que as duas experiências que tive nesse escalão correram mal. No Beira-Mar e no Olhanense. Sinto que ainda não tive a real oportunidade», explicou o avançado, que voltou ao clube da Beira Alta para recuperar o sorriso futebolístico, embora com uma condição.
«Estive há pouco a reler umas mensagens com o presidente. Quando acabou a época anterior, ele mandou-me uma mensagem a perguntar se eu queria voltar. Disse-lhe que voltava se houvesse o objetivo de subir. Era para isso que eu queria trabalhar, era isso que fazia sentido na minha cabeça», contou-nos.
Tozé Marreco tinha a ideia consagrada no seu íntimo. Subir, mais do que tudo. Por isso, não foi uma época qualquer e, para os números apresentados (falhou somente uma de 46 jornadas), houve muito trabalho e sacrifício.
O Tondela acarinha-me, confia em mim. Estas pessoas sabem o que posso dar e eu também sei o que me podem dar.
«Não é nada fácil fazer uma época destas sem lesões ou contratempos. É muito desgaste. Mas preparei-me muito bem, tive muitos cuidados, orientei tudo em prol deste objetivo. Por exemplo, fui pai há três meses e a minha mulher passou a dormir no quarto com o bebé e eu num quarto à parte, para minimizar o cansaço e descansar bem, para estar pronto para treinos e jogos», relatou o dianteiro.
Por estes dias, Tondela é notícia em muitos lados: rádios, televisões, jornais, redes sociais. Em Espanha, por exemplo, o jornal Marca também destacou o feito, colocando a imagem de Tozé Marreco. E não é mentira que o número 90, juntamente com o presidente Gilberto Coimbra e o treinador Quim Machado, é a figura mais comum para se associar ao Tondela. Motivo para se ver como rosto principal da equipa?
«Eles correram muito por mim... Sabemos que o futebol leva a isto, os golos são a face mais visível e, consequentemente, quem os marca. Mas nós fomos e somos bem mais do que um ou dois. Aqueles que fizeram aqueles 45 minutos ou aquele jogo têm tanto ou mais mérito. É que este é um grupo que não teve amuos por não se jogar ou invejas por outros. O grande ambiente que tínhamos no balneário ganhou muitos jogos. Por isso, quando recebemos a taça, fiz questão de sair para trás, pois todos merecemos a mesma visibilidade. Como disse, eles correram muito por mim», considerou.
Uma época «desgastante» ©Vítor Parente
A Primeira Liga, agora com estabilidade e outro estatuto
Já deu para perceber, ao longo da entrevista, que Tozé Marreco sempre teve um desejo claro. Com mais um ano de contrato, prepara-se para a terceira experiência no principal escalão do futebol português.
«Para já, não quero pensar muito no que aí vem. Quero aproveitar e relaxar este mês com a consciência de que o dever foi cumprido. Estou feliz, estou contente, estou com boas sensações», começou por nos dizer, ainda que, com a insistência da nossa parte, tenha acabado por admitir que o cenário, desta vez, é mais propício para o sucesso, depois de duas que, reconhece o próprio, ficaram abaixo das expectativas, por falta de oportunidades.
Eu nunca fui aquele miúdo de sonhar em jogar no Real Madrid, no Manchester ou noutro clube grande. Para mim, o auge, o máximo é vestir a camisola da seleção.
«Chego à Primeira Liga, agora num clube que acredita realmente em mim, na melhor fase da minha vida, num excelente momento da minha carreira. E não tenho receio algum. Quem marca 23 golos numa liga como a Segunda,que é muito sui generis, não poderá ter problemas em marcar na Primeira. Há grande exigência, há adversários muito poderosos, mas as balizas são iguais», brincou.
E, já que se brinca, há um fator menos positivo que Tozé Marreco quer, definitivamente, acabar, isto numa altura em que o seu mediatismo cresceu.
«As pessoas acabam por olhar mais nesta altura, é a altura do sucesso e é também o reconhecimento do que foi feito, do bom que aconteceu. Apenas tenho pena daquelas pessoas que usam o meu nome de forma incorreta, que fazem o juízo fácil e associações erradas sem sequer me terem visto jogar alguma vez. Mas não é isso que fica. Tenho pena, sim, mas valorizo muito mais o que de bom me é transmitido».
Em outubro marcou três ao União da Madeira ©Vítor Parente
A seleção, um sonho
Destacado pelos golos, Tozé Marreco joga numa posição que não é de grande sucesso no jogador português. Avançados concretizadores com nacionalidade lusa não são muitos, pelo que a pergunta sobre a seleção era inevitável. Ainda assim, a resposta não foi básica e acentuou um sonho que o natural de Miranda do Corvo considera ser legítimo.
«Eu nunca fui aquele miúdo de sonhar em jogar no Real Madrid, no Manchester ou noutro clube grande. Para mim, o auge, o máximo é vestir a camisola da seleção. Sonho com isso e acho que é um sonho legítimo. Até porque o selecionador já fez saber que não olha a nomes, idades ou clubes. Isso é muito importante. Portanto, vou continuar a sonhar, não escondo que quero atingir esse patamar», terminou, convicto.