A história que aqui apresentamos não é uma mais de um jogador que fez a sua carreira normal de futebolista e que, aos 35, decidiu pendurar as chuteiras. Podia ter sido, só que Marco, formado no Sporting, quis antecipar o cenário por causa da «podridão» que é hoje o futebol de segunda linha, que o próprio conta na primeira pessoa. Uma versão genuína, de proximidade e intensa, de quem, agora, anda a voar.
Quantos sonharam e sonham ser futebolistas? Jogar futebol ao mais alto nível, com estádios cheios a aplaudir? Ser admirado e ganhar milhões? Provavelmente, todos os que estão a ler esta entrevista. Mas Marco Lança, pelo seu testemunho, dá uma visão bem mais realista e menos ilusória para aqueles que acham ser profissional de futebol é crédito garantido para toda a vida.
«Vão haver muitos mais casos como o meu e cada vez mais. Não há condições para uma Primeira Liga ter 18 equipas, não há condições para uma Segunda Liga ter 24 equipas. E, nessa, a média que se paga anda ali nos mil, 1.200 euros, que muitas vezes não são pagos. É trigo limpo. Depois, garantem que dão casa, mas é com mais três ou quatro e com condições lamentáveis. Felizmente, nunca estive nessa situação, pois sempre esclareci antes de assinar os contratos, mas vi muitos colegas nessa situação. Os dirigentes dizem que pagam, dizem que resolvem, mas nada. Se reclamas muito, pega nas tuas coisas, faz a malinha e vai-te embora, amigo. É assim, acredita», conta, ao zerozero.pt.
«Ainda na segunda-feira estava a ler o jornal e vi que quatro jogadores do Vitória do Setúbal se tinham recusado a treinar por salários em atraso. Isso é inadmissível num clube como o Vitória e na Primeira Liga. Na Segunda Liga, há dois ou três que pagam a tempo e horas, o resto é para andar com o coração nas mãos. É que, depois, há casa para pagar, a escola dos miúdos, a roupa. Como é que é? Andar sempre a tremer sem saber quando se recebe? Não! Abandonei o futebol».
Para Marco Lança, antigo jogador e atual comissário de bordo numa companhia aérea, o futebol está «podre».
«O futebol está minado, os empresários falam com treinadores para meterem três ou quatro jogadores com a promessa de o levarem na época seguinte para treinar outro clube. Quem está à frente dos clubes, não percebe de futebol. Quem manda, nunca deu um pontapé na bola. Não pagam, estão dois meses sem pagar, mas exigem resultados», explicou o antigo lateral, que a seguir foi mais específico.
«Damos o máximo, mas nem uma palavra temos, quanto mais salários. Ao domingo, damos o máximo e, se perderem, estão no balneário a criticar-nos. No dia seguinte, vão ao treino ameaçar que, se não damos o máximo e se não ganhamos, podemos ir embora. Aconteceu isto no Santa Clara. Com salários em atraso, o presidente Mário Baptista vem ao balneário e pergunta: 'Mas o que é isto? Temos que dar mais, temos que subir de divisão, senão depois não há dinheiro'... Então mas se não há naquela altura, vai haver quando? E dizem: 'Ah, nós nas férias transferimos o dinheiro'. Um jogador vai de férias e nem aí está tranquilo, porque devem dinheiro e passam o tempo a prometer pagar. Ligamos a perguntar, depois só pagam X e era Y, temos que andar atrás a dizer que falta dinheiro...»
E acrescentou: «Além disso, é depois ouvir na bancada que ganhamos balúrdios e que não corremos. Passa essa imagem cá para fora e não é verdade. Custa-me muito isso, porque as pessoas não fazem a mínima ideia do que passa um jogador normal».
Sonhos concretizados, até certo ponto. Nem todos os jogadores chegam ao mais alto nível e a grande maioria não vai à Liga dos Campeões ou à seleção. Esse é outro mundo, bem mais desafogado. Este? Este é muito diferente.
«Uma pessoa quer constituir família, quer ter filhos e uma vida sustentada. Depois não recebia um, dois, três meses? Então como é que era? Ia estar a mulher a ter que sustentar a casa sozinha?», questionou.