Vivem-se dias felizes, por esta altura, em Barcelos. O Gil Vicente está a fazer o melhor arranque de sempre no principal escalão do futebol português e recentemente chegou aos 550 jogos entre os grandes do futebol português. António Fiusa (é assim que o presidente do Gil Vicente assina) é um presidente satisfeito pelo percurso do clube que preside e já projeta o futuro, no qual espera ver o emblema de Barcelos nas competições europeias.
«Estamos a fazer uma época espetacular. A temporada passada não foi a melhor, havia que mudar algumas coisas e aquilo que fiz foi alterar a política de contratações do clube. Temos que admitir que no último ano não fomos felizes nos jogadores que fomos buscar ao Brasil e por isso neste foi diferente. Montámos um departamento de scouting e a política de contratações passou por ir buscar jogadores portugueses que estejam na segunda Liga. Basta ver que nos últimos jogos têm jogado sempre jogadores como o Gabriel, Diogo Viana, Vítor Gonçalves, Paulinho ou Simy, tudo atletas que no ano passado estavam na segunda Liga», afirmou António Fiusa, em entrevista ao zerozero.pt, garantindo que esta política veio para ficar.
Ir às competições europeias é um desejo publicamente assumido por António Fiusa. Tal não significa que tenha de acontecer já, apesar do bom desempenho dos gilistas, mas se o Gil Vicente terminar o campeonato nos lugares de acesso à Europa a estreia nas competições internacionais será encarada de frente.
«Nesta altura, o grande objetivo ainda é a permanência. Mas se a equipa continuar nesta performance fantástica e atingir um lugar europeu não vamos rejeitar a ida à Europa. O Gil Vicente está devidamente preparado para competir nas provas europeias. Se lá formos, vamos fazer da Liga Europa uma festa mas com todo o profissionalismo, embora sem a obsessão de termos que ganhar. Se tivermos a sorte de ir a uma competição europeia, iremos sempre ser um outsider e por isso devemos desfrutar».
Tal como muitos dos jogadores, o Gil Vicente foi buscar o novo treinador à segunda Liga. João de Deus orientava a Oliveirense e apenas esta temporada se estreou como técnico principal no mais alto escalão do futebol português.
Os primeiros resultados dificilmente poderiam ser melhores e a verdade é que António Fiusa está preparado para o assédio ao jovem técnico. Por isso, João de Deus está ligado ao Gil Vicente por uma cláusula de rescisão de um milhão de euros, um valor do qual o presidente nunca abdicará de receber.
«Não tenho medo de perder João de Deus, mas tudo pode acontecer. Ele tem uma cláusula de rescisão de um milhão de euros, em circunstância alguma abdicarei dela e quem o quiser terá que pagar esse valor», garantiu o líder do clube de Barcelos, na entrevista ao zerozero.pt, confiante de que o treinador também quer permanecer em Barcelos.
«Por aquilo que tenho conversado com ele, pela maneira como está, pelo trabalho e carinho que já sente pelo clube, pois está aqui há cinco meses e parece que está há cinco anos, penso que o João de Deus quer fazer história no Gil Vicente», disse.
Estes valores não são habituais num clube com a dimensão do Gil Vicente, mas António Fiusa promete que em breve haverá mais renovações. Desta forma, tendo os melhores jogadores mais seguros, o presidente dos gilistas crê será mais fácil cimentar a posição do clube na primeira Liga e colocá-lo na rota europeia.
«A renovação do Diogo Viana foi o princípio. Em breve vamos começar com outras renovações e acredito que em março ou abril o plantel para a próxima temporada já esteja delineado, embora em janeiro ainda possamos fazer alguns reajustes. Tenho a certeza que este é o caminho a seguir para colocar o Gil Vicente a lutar por lugares mais altos do que atualmente, em que a permanência é o grande objetivo», atirou, ao zerozero.pt, lembrando os valores praticados outrora pelos barcelenses.
«Há cinco ou seis anos as cláusulas de rescisão no Gil Vicente eram de um milhão de euros ou 500 mil euros e essa política tem mudado porque entendo que o clube está a crescer. Dos pequenos/médios clubes em Portugal, um dos que tem mais margem de crescimento é o Gil Vicente. Digo isso pelas estruturas que tem, pela cidade, pelo concelho, que é o maior do país. Não foi por acaso que quando o Pecks assinou por cinco épocas colocámos logo uma cláusula de rescisão dez milhões de euros. Vemos nele um dos melhores centrais do futebol português no futuro e entendo que há margem para surgirem mais jogadores assim».
Apesar da boa temporada que o Gil Vicente está a realizar, a adesão por parte dos sócios e dos barcelenses ao estádio não tem sido aquela que António Fiusa pretende. O líder dos gilistas entende que o processo de aproximação dos sócios à equipa não é fácil, mas garante que tudo está a ser feito para que tal aconteça.
«A última época não foi boa. Os jogos em casa eram fracos, perdíamos muitas vezes e alguns sócios iam embora ao intervalo. Esta temporada não tem sido fácil trazer as pessoas de volta para junto do clube porque no início estavam desconfiadas daquilo que poderia ser a equipa, olhando ao passado da última época», comentou, ao zerozero.pt.
«A estrutura económica e financeira da nossa sociedade também não é saudável e as pessoas cortam em géneros de espetáculos como o futebol, pois a alimentação ou a escola dos filhos são mais importantes. No entanto, a minha direção, juntamente com o departamento de marketing e de comunicação, tem vindo a fazer algumas campanhas de sensibilização e penso que aos poucos a assiduidade dos sócios e dos barcelenses vai aumentar», continuou.
Mas não são só os resultados da última temporada e os cortes nos orçamentos familiares que fazem com que o Estádio Cidade de Barcelos registe pouca afluência. O calendário não ajuda e António Fiusa é da opinião que se treina muito para jogar pouco. Por isso, vê o aumento do número de equipas no campeonato como algo positivo.
«O alargamento vai ser bom. Há equipas na Liga que nesta altura podem chegar a fazer apenas 34 jogos oficiais por época. Ora, 34 jogos equivalem a 34 fins de semana e o ano tem 52 semanas, ou seja, são sensivelmente quatro meses sem competir. Noutra indústria, um funcionário tem um mês de férias, no futebol tem dois, três meses e se for preciso mais 15 dias no natal», comentou, particularizando o caso do Gil Vicente.«Vejamos a nossa equipa. Em três meses e meio vamos fazer três jogos em casa. Como é que um clube pequeno pode sobreviver com um jogo por mês em casa? Mais, como posso fazer uma campanha para promover a vinda de mais público ao estádio se essas pessoas vão estar um mês sem assistir a um jogo? A meu ver, isto pode fazer com que um sócio ou um barcelense comece a interessar-se por outros desportos em que haja outro tipo de solicitações e passe a acompanhá-lo com mais frequência, deixando o futebol de lado», disse, defendendo ainda que mais jogos é algo que agrada aos adeptos mas também aos jogadores.
«O futebol tem que ter mais espectadores e mesmo para os jogadores é melhor que haja mais jogos. São os jogos que dão ritmo, não são os treinos. Os treinos são um aperfeiçoamento, mas em Portugal o que se vê? Faz-se seis ou sete treinos por semana para se jogar uma vez. O Gil Vicente já fez cerca de 15 jogos oficiais e já tem cento e tal treinos. Vamos chegar ao fim com trezentos e tal treinos e 30 e poucos jogos oficiais».
O início desta entrevista começa com a frase 'vivem-se dias felizes, por esta altura, em Barcelos'. Mas nem sempre foi assim. Em 2006, o Gil Vicente foi despromovido administrativamente na sequência do 'Caso Mateus' e desde então que são muitas as batalhas que o clube e António Fiusa têm travado nos tribunais.
No entanto, apesar de todos os momentos difíceis vividos, António Fiusa recusa o papel de salvador do Gil Vicente por nunca ter abandonado o clube, embora confesse que chegou a sentir-se sozinho numa luta que considera «desigual».
«Não me sinto um salvador do Gil Vicente. Sinto que sou um presidente que nunca quis abandonar o clube, que sou um presidente resistente e que fiz tudo para que o futebol profissional não acabasse. É importante dizê-lo porque pensámos várias vezes em ficar só com a formação por causa da descida administrativa», confessou, na entrevista ao zerozero.pt.
«Senti-me algumas vezes um presidente sozinho, só com o apoio da direção, de alguns sócios e da minha família. Senti que estava a travar uma luta desigual, que estava a lutar contra tubarões que mandavam naquilo tudo. Hoje não deixam de ser tubarõezinhos de papel reciclado porque o que fizeram ao Gil Vicente e à minha pessoa foi uma injustiça enorme», afirmou, acusando alguns ex-dirigentes de terem feito mal ao clube de Barcelos.
«Hoje a justiça desportiva está bem melhor. Antes havia um complô, um compadrio e tráfico de influências até chegar à batota. Por exemplo, na altura pediram a demissão do Conselho Disciplinar da Liga, depois voltaram atrás, a seguir não tinham quórum e foram buscar um amigo deles que era advogado e não tinha nada a ver com a Liga para fazer quórum...Foi tão mau, tão mau...Pessoas como o Dr. Cunha Leal, Dr. Pedro Mourão, Dr. Frederico Cebola, Dr. António Mortágua, Dr. Madail e Sr. Amândio de Carvalho devem ter remorsos pelo que fizeram ao Gil Vicente. Fizeram muito mal ao clube, mau demais para ser verdade. Quando escrever o livro das minhas memórias de certeza que esses senhores vão lá figurar».
Os processos contra a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e a Liga de Clubes continuam na barra dos tribunais e por isso o Gil Vicente ainda não recebeu qualquer indemnização na sequência do 'Caso Mateus', embora uma das ações contra a FPF já esteja resolvida a favor dos gilistas e já não seja passível de recurso.
«A injustiça foi tão grande, tão grande, que me deu forças para continuar no clube. Houve muitas vezes em que acordava às 6 da manhã e pensava: 'vou levantar-me para quê? O que é que vou fazer com aqueles tubarões contra mim? O que vou fazer sozinho?'. Depois lembrava-me: 'as dificuldades são para os homens, vou ter que continuar a lutar contra eles todos porque não tenho alternativa'. Levantava-me depressa quase para não ter o instinto de voltar atrás na decisão e vinha para a rua, para o clube, ia à banca, à minha empresa, voltava novamente à banca e ao clube...As dificuldades eram tantas», recordou.
Na sequência do 'Caso Mateus' deu-se um corte de relações entre o Gil Vicente e o Belenenses. Os azuis do Restelo apresentaram queixa contra os gilistas e com isso, apesar de terem descido desportivamente após perderem na última jornada em Barcelos, permaneceram na primeira Liga no lugar dos minhotos.
O corte de relações foi decidido pelos sócios em assembleia geral e ainda hoje se mantém, apesar de António Fiusa garantir que não se pode confundir os atuais dirigentes do Belenenses com aqueles que lá estavam em 2006, por altura do 'Caso Mateus'.
O presidente do Gil Vicente mostra-se um defensor dos pequenos e médios clubes e traça um paralelismo entre o antes e o depois do Euro 2004 para provar que, na sua opinião, os clubes grandes estão mais ricos e os outros mais pobres.
«Basta fazer a comparação desde que se deu o Euro 2004. Há dez anos, os grandes clubes tinham estádios velhos e campos para a formação velhos. Hoje têm estádios novos, academias novas, pavilhões novos e acessibilidades novas à custa dos contribuintes portugueses. Todos nós pagámos por tudo isso. Vejamos o caso dos pavilhões Caixa. A Caixa Geral de Depósitos, como instituição de utilidade pública, deveria apoiar todos os clubes e não apenas os grandes», acusou, ao zerozero.pt.
«A minha revolta é esta e a minha luta passa por ajudar os pequenos e médios clubes, que continuam mais pobres. O Gil Vicente, por exemplo, está num estádio que nem é dele mas que foi construído 100 por cento com o dinheiro dos 130 mil habitantes do concelho. O governo não deu nem um cêntimo para a construção do Cidade de Barcelos», continuou, defendendo uma maior aproximação no futuro entre os clubes grandes e os outros.
Há vários anos na presidência do Gil Vicente, António Fiusa ainda tem vários projetos em mente para o clube. Um deles passa pela construção de uma academia, mas também por terminar de vez com o 'Caso Mateus' e arranjar uma direção nova que dê desenvolvimento ao trabalho que tem sido levado a cabo pelos atuais dirigentes.
«Os meus grandes objetivos passam por resolver os processos do 'Caso Mateus', fazer uma academia para a formação e de apoio ao futebol profissional e arranjar uma direção nova, séria e que dê seguimento ao trabalho que tem vindo a ser feito», disse.
«Vou precisar, talvez, de mais dois ou três anos e se isso acontecesse iria ser um presidente com o dever cumprido», terminou.