Dirty Harry merecia mais do que ninguém sentir o cheiro a pólvora. E esta não estava seca. Kane cansou-se de servir os outros em bandejas banhadas a ouro e diamantes de sangue, e nem sequer teve de servir-se de uma Magnum .44. A Harry Kane, o goleador altruísta, bastou-lhe o espaço e o pé direito. Pé no couro, Edouard Mendy tombado, a Inglaterra a chegar aos 2-0 e a arrumar a questão antes do tempo de descanso.
Parte importante da qualificação para os quartos-de-final deve ser reclamada pelo velho leão, combatente especializado em golos e assistências. Líder na arte de servir os camaradas, Kane sentiu ser a hora certa para reclamar as luzes, a câmara e a ação sobre si. Fez o tal segundo golo, mas já antes participara na jogada do primeiro da noite, finalizado por outro veterano destas lides: Jordan Henderson, a passe de Jude Bellingham.
E, se leu o título, já percebeu que falta falar de Bukayo Saka. Regressado ao onze inicial, depois da comissão de serviço do ressuscitado Marcus Rashford, Saka fez o terceiro ao Senegal e deu cabo da noite a Ismail Jakobs e Abdou Diallo, os senegaleses que mais vezes o tentaram travar e que mais vezes falharam nessa missão.
Se depender de Kane, garçom e pistoleiro, sim, it's coming home. O obstáculo seguinte chama-se França.
Na verdade, monsieur Cissé não se enganou por muito. Antes do primeiro inglês, as duas grandes oportunidades foram do Senegal. Na primeira, Sarr atirou para as nuvens com a baliza à mercê e na segunda Dia viu o braço esquerdo de Pickford fazer stop ao golo.
O desconforto britânico morreu aí. Daí para a frente, o maestro Kane recuou e tocou, abriu e pediu, ofereceu um seminário gratuito e aberto ao público sobre o bem jogar futebol. Um leão britânico, medalhado e desenhado de cicatrizes, à frente de leõezinhos que já sabem caçar e morder.
1966 está lá bem longe e nem o Hey Jude da Beatlemania tinha ainda sido lançado. Está mais do que na hora de Inglaterra ter um novo hit Mundial.
Quarto lugar no Mundial de 2018, vice-campeão no Europeu de 2020 (jogado em 2021), já nos quartos-de-final do Mundial de 2022. Gareth Southgate devolveu a Inglaterra à discussão das grandes competições e os resultados são evidentes. Falta ainda o mais importante, dirão os céticos.
Linhas recuadas, equipa amarrada, proibida de fazer o futebol alegre e descomplexado de que tanto gosta. A Inglaterra assustou o selecionador do Senegal e Cissé preferiu deixar as melhores armas (ideias) guardadas para demasiado tarde. Só podia correr mal.