A noite do último sábado atirou Bruno Lourenço para as manchetes desportivas. Não é todos os dias que se marca dois golos ao Sporting. O zerozero marca encontro com o esquerdino, de 24 anos, alguns metros ao lado da baliza do primeiro golo a Antonio Adán - no topo sul do Bessa. É o homem do momento e a entrevista conversa por aí, naturalmente. Mas Bruno tem muito mais para contar: a viagem começa na casa dos pais, em Bobadela, e chega a ultrapassar fortes nevões em Montalegre, no limite Norte de Portugal. O pé esquerdo promete continuar a desenhar magia no relvado.
Na segunda parte da entrevista, o internacional jovem por Portugal [31 internacionalizações] fala dos nove anos de ligação ao Benfica, dos colegas que mais o marcaram na Luz, mas também das aventuras no frio de Montalegre e no caos financeiro no Desportivo das Aves. A entrada no futebol, os pais e a namorada, e o colega que o persegue para todo o lado também merecem um lugar nas palavras de Bruno Lourenço.
. PARTE I: «Nenhum golo meu se aproxima da beleza do que marquei ao Sporting»
Parte II
zerozero (ZZ) | Aos 18 anos a sua vida mudou radicalmente. Saiu do Benfica, saiu de casa dos seus pais e foi viver e jogar para Montalegre, no limite Norte de Portugal. Como é que passou dos sub19 no Seixal para o Campeonato de Portugal?
Bruno Lourenço (BL) | Eu rescindi o contrato que tinha com o Benfica e assinei pelo Aves, já perto do fim do mercado de transferências. Estávamos no último dia, percebi que não ia ter espaço na primeira equipa do Aves [I liga] e a única alternativa era o Montalegre.
ZZ | Teve contrato profissional com o Benfica?
BL | Sim, tive.
ZZ | A opção de rescindir foi sua?
ZZ | Não teve possibilidade de ficar nos sub23 ou na equipa B do Benfica?
BL | A equipa de sub23 só nasceu no ano a seguir, ainda não havia a Liga Revelação. No plantel da equipa B tanto podia jogar, como podia não jogar. Decidi sair para ter minutos e não me arrependo.
ZZ | Em Montalegre apanhou dias de neve?
BL | Apanhei, sim senhor. Houve semanas em que apanhámos o campo completamente coberto de neve e tivemos de ir treinar para pavilhões de escolas da região. Fazíamos cinco para cinco, algo mais lúdico, era o que dava. Montalegre é uma terra bonita e tem um dos estádios mais bonitos de Portugal.
ZZ | Qual é a ocupação profissional dos seus pais?
BL | O meu pai, Paulo, chegou a jogar futebol nas camadas jovens do Benfica. Não teve possibilidade de continuar, o meu avô não conseguia acompanhá-lo como queria. Ainda esteve a treinar no campo dos Pupilos do Exército. O meu pai cansou-se das viagens, do autocarro e colocou o futebol de lado. É técnico de máquinas de venda automática. A minha mãe, Marisa, é lojista. Tenho um primo que joga no Universidade Craiova, na Roménia, o André Duarte. Jogava no Estrela da Amadora e falamos todas as semanas, um apoio importante e que me acompanha no futebol desde a adolescência.
ZZ | Os seus pais visitam-no aqui no Porto, conseguem vir ver os seus jogos?
BL | Vêm cá de vez em quando, estiveram a ver o jogo contra o Sporting, a minha namorada também. Mesmo quando jogava em Montalegre, os meus pais saíam de Lisboa muito, muito cedo para conseguir ver um jogo que começava às 15 horas.
ZZ | Sabe quem é o futebolista que jogou mais vezes ao seu lado? É uma informação que se pode obter na base de dados do zerozero.
BL | Talvez o Ricardo Mangas.
ZZ | Resposta certa: 91 vezes em campo ao lado do Bruno.
BL | Cheguei a viver com ele durante um ano, na Vila das Aves. Podíamos ter ficado na residência do clube, mas aquilo tinha quase 30 quartos e achámos que era gente a mais. Arrendámos um apartamento, estávamos mais à vontade e os nossos familiares podiam ficar lá quando nos visitavam.
ZZ | Benfica, Aves e Boavista. O Mangas já é mais do que um colega de equipa.
BL | É, sem dúvida. É importante tê-lo aqui. É um grande jogador, as coisas não lhe correram bem em Bordéus, mas no Boavista sente-se em casa e tem tudo para voltar a dar o salto.
ZZ | Começou a jogar futebol federado no Sacavenense, foi assim?
BL | Sim, aos oito anos. Vivia na casa dos meus pais, na Bobadela, e o campo do Sacavenense ficava a cinco minutos. Pedi ao meu pai para jogar lá. Ele estava indeciso entre o Sacavenense e o Olivais e Moscavide, mas acabei por ficar no primeiro. Eu e o meu primo, o André Duarte. Entrámos ao mesmo tempo. Aos dez anos fui aos treinos de captação do Benfica. O Bruno Maruta [antigo coordenador do scouting] identificou-me e levou-me para lá. Fiquei no Benfica dos dez aos 19 anos, até ao último ano de júnior.
ZZ | Que memórias mais fortes tem dessa década?
BL | Muitas viagens. No início treinávamos nos Pupilos do Exército, depois mudámos para a Academia do Seixal e a viagem aí durava uma hora. Saía da escola, apanhava o metro até ao Cais do Sodré, depois o barco até à margem sul e estava lá uma carrinha do clube para apanhar-me. A mim e a outros.
ZZ | Conseguiu conciliar o futebol com a escola?
BL | Estava a tirar Desporto e foi difícil conciliar tudo. Arrisquei, deixei a escola de lado e a minha mãe não ficou satisfeita [risos]. O meu pai… mais ou menos.
ZZ | No Benfica foi colega de nomes importantes: Rúben Dias, João Félix, Renato Sanches, Jota… qual deles mais o impressionou?
BL | Treinei e lidei de perto com todos. Se calhar, os que mais me impressionaram foram o Renato Sanches e o Jota. O Jota era um craque. O Félix, quando chegou, não jogava. Na segunda época começou a jogar, a espalhar magia e a ter o perfume que tem. O Renato terá sido o jogador que vi com mais potencial, com mais firmeza, com mais vontade de querer jogar e querer mais. Fisicamente já era diferenciado, levei algumas duras dele, era competitivo.
ZZ | Já teve vários treinadores. Algum merece um elogio público de sua parte?
BL | O Luís Nascimento, o Renato Paiva, com quem fui campeão nacional de juvenis, o mister Leandro no Desportivo das Aves, com quem ganhei a Liga Revelação e que apostou e acreditou em mim. Esses foram os mais marcantes, que tiveram mais importância para mim.
ZZ | No Aves conviveu com o período mais negro do clube e com dificuldades financeiras brutais. Como é que se aguentou nessa altura?
BL | Nesse ano fiz a pré-época na equipa principal, mas não tive espaço e voltei aos sub23. Quando aquilo começou a cair, com as dificuldades que foram públicas, ainda fiquei dois meses no clube sem contrato. Mais tarde a direção quis fechar o estádio aos jogadores, falei com o mister Manta Santos e disse-lhe que já não estava com a cabeça lá. Quis sair e assim foi. Foi nessa altura que o Vasco Barão e o Pedro Alves, do Estoril, me ligaram para ir para lá.
ZZ | Como é que se aguentou nas Aves com tantos salários em atraso? Precisou da ajuda dos seus pais?
BL | Eles não tiveram de me ajudar, mas o dinheiro que me chegava de um mês em atraso tinha de durar. Sabia que o próximo dinheiro a entrar ia demorar. Estava na residência, jantava juntamente com os meus colegas, estávamos a fazer um sacrifício para dignificar e honrar o Desportivo das Aves. Joguei cinco ou seis jogos na I Liga, a entrar. Não é a mesma coisa do que entrar de início. Dei um passo ao lado e aceitei ir para a II Liga com o Estoril. Fiquei perto da família e dos amigos.
ZZ | Como é o Bruno fora do futebol, quais são os seus outros prazeres?
BL | Gosto de estar em casa, de ir à praia, de passear com a minha namorada, sou muito reservado e pacato. Gosto de brincar e falar com os amigos, de desabafar, de ir ao cinema e de estar na esplanada com eles. Tenho a Mel, a minha cadela de estimação, e gosto muito de viajar também.
ZZ | Tem 31 internacionalizações pelas seleções jovens de Portugal.
BL | Até aos sub18, isso mesmo. Comecei nos sub16. Deixei de ir quando saí do Benfica e fui para o Montalegre. Perdi visibilidade. Lembro-me da grande ajuda que tive por parte do mister Filipe Ramos, uma pessoa exigente e divertida.
ZZ | Tem saudades de vestir a camisola das quinas?
BL | Muitas saudades. É um privilégio poder vestir e honrar a camisola do nosso país.
ZZ | Este verão, o Estoril Praia vendeu o Arthur ao Sporting e o André Franco ao FC Porto. O que nos pode dizer sobre os seus ex-colegas de equipa?BL | Conheço-os bem. Quando saí do Desportivo das Aves, a primeira pessoa a quem mandei mensagem a perguntar como era o Estoril foi o André Franco. Foi mérito deles, individual, mereceram. Têm muito a dar ao futebol português.
ZZ | O André Franco até é um atleta com características parecidas com as suas.
BL | Sim, é [risos]. O André é tecnicamente muito evoluído, andávamos sempre juntos, mesmo nos treinos, a bater livres, penáltis. No balneário falávamos sobre coisas que podíamos fazer dentro do campo, ele descaía para a linha e eu ia para dentro… foi bom tê-lo na equipa e continuo a desfrutar do futebol do André.
ZZ | Agora estão os dois a viver no Porto. Têm estado juntos?
BL | Ainda não tivemos essa oportunidade, mas a cidade não é grande e estaremos em breve.