Esta terça-feira, a seleção nacional feminina tem um importante encontro marcado com Alemanha, na caminhada para o Mundial de 2023. A equipa das Quinas está numa excelente posição para saltar para a liderança do grupo - em caso de vitória -, mas o histórico entre as duas equipas está longe (mesmo muito longe) de agradar à equipa Quinas.
Nos registos da Federação Portuguesa de Futebol, e das quatro décadas de história da seleção feminina, estas duas seleções só se defrontaram cinco vezes - quatro oficiais e uma de cariz amigável - e o balanço está longe de ser positivo.
Cinco jogos, quatro derrotas, um empate, 42 golos sofridos e... um golo marcado! Foi precisamente contra a Alemanha que Portugal sofreu a maior derrota da sua história - 13x0 em 2003 - ... Ainda assim, há resultado que salta à vista no meio deste historial: o empate a uma bola em 1997.
O jogo foi de cariz amigável, realizou-se em Oliveira do Hospital, mas o contexto em que as duas equipas se defrontaram coloca este empate num patamar histórico. A seleção alemã tinha acabado de vencer o Europeu pela quarta vez nas últimas cinco edições e acabou por ser travada por Portugal.
Neste sentido, e de modo a perceber melhor todo o envolvimento deste jogo, o zerozero chegou à fala com Sónia Silva, 28ª jogadora com mais internacionalizações pela seleção, e autora do único golo marcado por Portugal à Alemanha.
A antiga internacional portuguesa, que agora é professora de Educação Física, continua ligada ao futebol e integra atualmente o corpo técnico da equipa Sub-19 feminina do SC Braga.
«São as melhores recordações possíveis. Uma saudade imensa. Apesar de também ter conseguido ser profissional numa altura em que não havia a visibilidade e os empresários [que há hoje] e desse momento ter sido muito importante, sem dúvida que o mais importante foi quando recebi a chamada para ir à seleção nacional. Tinha 19 anos e a partir daí foi uma constante de oito anos, penso eu. Tive o prazer de trabalhar com três selecionadores nacionais - António Simões, Graça Simões e Nuno Cristóvão -, tendo este sido o último com quem trabalhei e numa altura em que Mónica Jorge já estava a iniciar os trabalhos como treinadora assistente».
Avançada de posição, Sónia Silva tem no registo vários golos perante adversários poderosos. Além do jogo com a Alemanha, tudo começou no jogo de estreia com a Dinamarca, havendo ainda registo de golos à Suécia e aos Países Baixos, todas estas seleções de topo no panorama europeu do futebol feminino.
«O primeiro jogo foi com a Dinamarca (1x7). Apesar de termos sofrido sete golos, esse também é daqueles jogos que ficou na memória. Não só por ter sido o primeiro e por ter marcado, mas recordo-me que esse jogo foi uma alegria enorme. Depois passou o resumo na televisão e foi muito engraçado porque, mesmo já estando a perder por 7x0, quando marquei o golo festejámos como se tivesse sido uma vitória. Levámos sete, mas aquele golo soube bem porque a Dinamarca era, e é, um colosso do futebol feminino e foi um momento bonito», relembrou, salientando também a reviravolta que selou diante dos Países Baixos em 2001, num apuramento para o Mundial (2x1).
Sobre o histórico jogo com a Alemanha, em dezembro de 1997, Sónia explicou-nos as sensações da equipa antes do embate perante as campeãs europeias que, meses antes, tinham conquistado o troféu pela quarta vez nas últimas cinco edições - 1989,1991,1995 e 1997.
«As recordações são muito vagas. Recordo-me que nos dias antes destes jogos, contra equipas deste nível - que já naquela altura era das melhores da Europa - a ansiedade e a vontade de jogar era tremenda, porque íamos jogar contra as melhores jogadoras do mundo e era sempre uma aprendizagem a todos os níveis. Claro que é preciso dizer que na altura não éramos profissionais. Treinávamos apenas três vezes por semana e íamos defrontar uma equipa em que a grande parte já era profissional e, nesse sentido, tínhamos sempre aquela sensação de: 'Vamos à luta', mas sempre com o espírito de sofrer o menor número de golos possível. Porque principalmente a nível físico elas eram muito fortes, assim como também ao nível técnico-tático...Nós, as jogadoras latinas, sempre tivemos alguma habilidade acima da média na relação com bola, mas claro que o poderio físico aliado à capacidade tática tornava tudo muito mais difícil para nós», começou por dizer, recordando as sensações do resultado.
«Nem me recordo muito bem do golo. Recordo-me mais das emoções: 'Epá! Conseguimos empatar com a Alemanha!'. Penso que seria mais ou menos um início de época, em que a Alemanha ainda estaria a consolidar processos, mas foi realmente um resultado que ficou para a história, perante uma equipa que já era de topo e ainda o é», acrescentou, relembrando o pesado embate de 13x0 em que também esteve presente.
«Este acabou por ser um jogo bem mais equilibrado do que aquele que tivemos depois com a Alemanha e em que também estive presente. Há um que foi para esquecer, o 13x0. Esse foi muito complicado. Fomos à Alemanha e elas iam receber o troféu de campeãs do mundo e acabámos por ser o alvo naquela festa. Penso que nos aguentámos bem até ao intervalo [3x0], mas lembro-me que a segunda parte foi mesmo para esquecer. O estádio estava cheio para receber as campeãs do mundo e acabámos por fazer parte dessa festa. Elas entraram com tudo na segunda parte e nós fisicamente também nos fomos abaixo», recordou.
Ainda sobre o empate, que no fim de contas não passou de um jogo amigável, Sónia realçou o entusiasmo com que o grupo encarava este tipo de jogos, numa altura em que o número de partidas realizadas era muito inferior ao atual.
«Todos os jogos que nós tínhamos pela seleção, fossem amigáveis ou não, eram absolutamente incríveis. Os estágios eram escassos e por isso qualquer jogo era sempre um confronto que nos dizia muito a nível emocional. Então contra uma das melhores seleções do mundo...», atirou.
Apesar do histórico extremamente negativo para Portugal, a verdade é que as duas seleções já não se defrontam desde...2004. Desde aí, o panorama do futebol feminino em Portugal mudou e, por isso, é com alguma expetativa que se encara o encontro desta terça-feira.
«Nestes 17 anos, Portugal teve um crescimento enorme. Nós temos jogadoras muito talentosas, temos um campeonato que a nível competitivo ainda não é o ideal, mas que já está melhor. Temos grandes equipas a apostar no futebol feminino e na formação e isso foi um passo extremamente importante que nós demos e que está a dar frutos. Repare-se no Benfica, no Sporting e no SC Braga, que são os grandes clubes que a esse nível têm feito um trabalho muito bom e em que a maior parte das jogadoras já integram as equipas principais e também a seleção. Há um trabalho que está a ser bem feito e que está a dar frutos: veja-se também o recente exemplo do Benfica na Liga dos Campeões, que chegou a uma fase que nenhuma equipa portuguesa tinha conseguido», contextualizou, abrindo a porta a surpresas neste próximo jogo.
«Agora parte da forma como é que as atletas vão encarar o jogo e penso que se encararem o jogo de igual para igual - olhos nos olhos -, e acreditando no potencial das nossas atletas, penso que Portugal vai dar uma excelente resposta na próxima terça-feira. Estou mesmo com uma expetativa bastante positiva em relação ao desempenho da nossa seleção».