* com Tiago Ramalho
Parte I - Parou tudo. As crianças ficaram em casa. E agora?
Parte II - A pandemia encerrou a formação. Como responderam os clubes?
A pandemia privou as crianças do desporto. Não só do futsal, nem do voleibol, nem da ginástica. Ficámos sem o convívio entre amigos, sem os “raspanetes” do treinador ou os sábados à tarde de meter a roupa na mala e ir em correria para o pavilhão.
Estas são rotinas de muitos anos, como nos conta Filipe Teixeira, psicólogo desportivo formado na Universidade do Minho. É a partir de lá que nos dá sobretudo conselhos e perspetivas de quem trabalha com jovens que treinam sem competir. «Mais ansiedade, algum stress», o diagnóstico é pronto e fruto dos exemplos no clube e também do trabalho voluntário de Filipe Teixeira com crianças que nem competem, nem treinam.
O psicólogo destaca a importância destes últimos, a maioria dos casos em Portugal, já que as condições e infraestruturas dos clubes não possibilitam a continuação dos treinos – mas também temos algumas soluções.«[Com esta situação] todos aqueles que são os benefícios da prática desportiva são-lhes retirados. Isto, associado ao facto de eles não poderem conviver com outros colegas e às diferenças que existem agora na escola, faz com que as crianças tenham menos tempo para serem crianças, para serem livres e para estarem num contexto diferente do de casa», começa por explicar.
E que diferenças notamos? «Nos mais pequenos, as diferenças têm a ver até mais com as dinâmicas dos próprios pais. Os pais já tinham a rotina de levar os miúdos ao treino e eles acabam por ficar em casa e não compreender muito bem porque não podem treinar, porque não há jogos», define. «Isto leva a que as crianças sejam mais irrequietas e torna este um desafio muito grande para as famílias, para saber como os ‘entreter’ nesse horário».
«Nos mais velhos, principalmente no escalão de júnior - em que este é um ano importante para eles decidirem se querem levar o desporto mais a sério ou não -, todos os dias querem saber quando podem começar ou não. O que tenho sentido é um aumento dos níveis de ansiedade, muito menor resistência à frustração e muito mais dúvidas em relação ao futuro deles enquanto atletas», analisa Filipe Teixeira.
Falar é o primeiro passo – um mote que encaixa muito bem aqui. Não é um guia para pais, filhos, clubes e treinadores, mas antes um conjunto de opções para ajudar a substituir o desporto – sem o afastar de todo.
«O conselho que a Ordem dos Psicólogos dá e que nós temos passado aos pais: em primeiro lugar, saber explicar às crianças a situação e, isto, usando linguagem de miúdos, sem palavras como pandemia, hospitais. Explicar que isto é um vírus e por que razão eles não treinam. Para eles entenderem bem que isto envolve todos, mas também vai passar», avança Filipe Teixeira – o primeiro passo é mesmo falar.
Em segundo: utilizar a criatividade. «Por exemplo, se os pais puderem fazer uma atividade física em casa ou até uma aula em grupo em que a família toda participa. No caso do futsal, se puderem jogar um pouco com os miúdos naquele horário em que havia treino, é importante para manter rotinas», justifica.
Também há notas para os clubes ajudarem: «Os clubes podem, na medida das suas possibilidades, dar alguma orientação aos pais e exemplos de exercícios - e que podem fazer juntos [pais e filhos]. Isto para sentirem que há contacto com a modalidade, seja ela qual for».
Aqui há mais notas avulsas que podem ajudar. Filipe Teixeira dá o exemplo de reuniões e treinos por Zoom, que permitem manter uma rotina e conviver com amigos e treinadores – figuras importantes na formação pelo impacto do desporto nas crianças. E ainda dá um exemplo presenciado, em que a criança reclamou o direito ao espaço da sala para a sua sessão de treino: «Saiam todos. Esta é a minha hora de treino».
Não esqueçamos que falar é mesmo o primeiro passo e Filipe Teixeira dá um conselho importante para os pais: «Se eles próprios se precisarem de ajuda, podem recorrer ao SNS para ter aconselhamento de um psicólogo». A chamada – 808 24 24 24 - é gratuita e podem, na chamada, recorrer à linha de apoio psicológico.
«É importante os pais estarem autorregulados e não passarem o seu stress para as crianças», destaca, realçando que é natural as crianças terem mais dúvidas e perguntas para os pais, bem como estarem mais irritadas ou frustradas.
A importância da família nesta fase, em que o contacto com os amigos e com os seus hobbies é reduzido ou nulo, é ainda maior. «É importante a família substituir estes papéis», acrescenta, dando exemplos de mais atividades para realizar com os filhos: «Treinar com eles, ver um filme de desporto em casa, tentar fazer parte [das suas rotinas] e comunicar muito bem com eles».
Falar, criar rotinas substitutas e ser criativo pode ajudar numa fase em que o desporto, que sempre teve o condão de despertar oportunidades, não está cá. Regressamos assim que possível, seguramente.