Por muito que o final possa ter doído a qualquer adepto do Rio Ave, este foi um daqueles jogos que merecem ser recordados por muitos e muitos anos. Pelo notável esforço de uma equipa, pelos grandes golos de Geraldes e Gelson Dala, pela epopeia dos penáltis, por terem estado tão perto de seguir para a fase de grupos e eliminar um clube com um gigantesco palmarés que não foi mais gigante do que a equipa portuguesa.
A equipa de Vila do Conde obrigou o AC Milan a prolongamento, esteve a vencer até faltarem breves instantes para o fim da meia hora adicional e sofreu um cruel penálti mesmo no fim. Seguiu-se uma maratona de penáltis que teve Panenka, penáltis falhados pelos dois guarda-redes, três match points desperdiçados e, no fim, a infelicidade.
Porque foi isso que derrubou um valente Rio Ave contra uma das equipas com melhor palmarés no futebol europeu: a infelicidade.
Como montar uma equipa capaz de surpreender um super-favorito AC Milan, que mesmo afastado dos maiores títulos há demasiados anos chegava aos Arcos com quatro vitórias seguidas e com um plantel a valer muitos e muitos milhões? Mário Silva tinha a dor de cabeça adicional que dava pelo nome de Matheus Reis, logo nesse setor fez o ajuste que não se esperava, colocando o destro Nélson Monte à esquerda, com a missão inicial de suster Castillejo (e fê-lo com todo o sucesso, tanto que o espanhol saiu ao intervalo).
Com Diego Lopes no lugar que tinha sido de Geraldes na Turquia e com os mesmos Mané e Piazón no apoio a Bruno Moreira, decisivo em Istambul, o Rio Ave foi teimoso no bom sentido: logo desde o início se viu que só abdicaria da habitual ideia de jogo e disposição tática se fosse obrigado a isso. Os anfitriões queriam circular a bola, cometendo tão poucos erros quanto possível, porque a qualquer momento os rossoneri poderiam aproveitar.
Como também o AC Milan começava cauteloso, a sondar o adversário, a primeira metade de jogo decorreu principalmente em lutas pelo meio-campo, sem espaços para furar de um ou outro lado, e com o Milan a lançar apenas dois avisos em livres a longa distância nos primeiros 20 minutos, primeiro por Theo Hernández e depois por Çalhanoglu.
O meio-campo defensivo do Rio Ave - Tarantini e Filipe Augusto - era tão combativo como se pedia, homens como Saelemakers, Çalhanoglu ou Castillejo não se conseguiam soltar como Pioli pretenderia... até quando o Milan cresceu claramente no jogo, para lá dos 25 minutos, a equipa de Vila do Conde soube tapar os caminhos, mesmo forçada a jogar um jogo de que não é fã. Sustinham-se bem as investidas, Kieszek era tão pouco ameaçado como Donnarumma, sendo que até foi o italiano quem foi chamado a intervir antes do intervalo, num remate de um Carlos Mané que procurava agitar o jogo a partir da esquerda.
O resultado ao intervalo permitia ao Rio Ave acreditar e frustrava os italianos, que tanto por culpa própria como por mérito adversário não conseguiam o golo que lhes era exigido. Pioli mexeu logo, trocando um inofensivo Castillejo pelo compatriota Brahim Díaz, mas quem lá conseguiu mexer com o marcador foi o titular Saelemakers, e apenas numa bola parada particularmente frustrantes para a equipa portuguesa: pontapé de canto, alivio de Aderllan Santos e bola nos pés do extremo belga, que não deu grandes hipóteses a Kieszek.
Com vantagem no marcador, os rossoneri procuraram resolver a eliminatória, mas com essa vontade abriram-se espaços e o Rio Ave quis aproveitar. Os homens de Vila do Conde não estavam em campo para serem sacos de pancada, estavam em campo para lutar até ao fim pelo apuramento. Houve mexida na equipa da casa (entrou Geraldes), houve mexida nos visitantes (entrou o português Rafael Leão) e quem mexeu com o jogo foi... Geraldes. Numa grande jogada entre Mané, Piazón e Geraldes, o 11 rio-avista fulminou a baliza de Donnarumma e trouxe uma igualdade que alimentava corações.
Íamos nos 72 minutos, o golo embalava os homens da casa. Ainda mais frustrados com a perspetiva de um prolongamento, os rossoneri não definiam da melhor forma, com as ameaças de Çalhanoglu e Calabria a não surtirem efeito, e até foi o Rio Ave que ficou muito perto do segundo golo, com Aderllan Santos a não acertar na baliza por muito pouco.
Mais meia hora para acreditar no sonho, mais meia hora para acreditar que a baliza de Donnarumma podia ver outra a entrar, e não foi preciso muito tempo para que isso acontecesse e o o objetivo da fase de grupos ficasse mesmo à mão de semear. Tal como Geraldes, também Gelson Dala tinha entrado no segundo tempo, este já bem perto do fim, e também ele quis deixar a sua história escrita no relvado dos Arcos, numa grande iniciativa individual: Kjaer ficou para trás, numa tabela com um adversário tão perfeita que pareceu premeditada, e o pé esquerdo do angolano fez o resto, deixando Donnarumma incrédulo e pregado ao chão.
Ainda restava quase toda essa meia hora, que passava a parecer hora e meia. Como fazer o relógio andar mais rápido, como suster o inevitável tudo por tudo de uma equipa a quem era exigida a vitória? Sem autocarros, continuou a entender a equipa técnica, mesmo baixando linhas. E não foi mais um defesa quem entrou a dez minutos do fim, foi o extremo Gabrielzinho, como em qualquer outra partida.
Imaginava-se já o apito final a soar nos Arcos como a mais bela das canções quando veio o balde de água fria que obrigaria aos penáltis: Borevkovic causou um penálti, Çalhanoglu converteu e seguiu-se um desempate nas grandes penalidades que teve penálti à Panenka de Filipe Augusto, que terminou com um penálti falhado por Aderllan Santos e durante o qual os rio-avistas estiveram por três vezes (!) a um golo de garantir o apuramento. Uma autêntica epopeia de penáltis que fez cair uma equipa que, de facto, foi gigante.
Dentro dos possíveis, o Rio Ave quis manter-se fiel às suas ideias, jogando olhos nos olhos contra um adversário que poderia justificar outra abordagem. A convicção em manter o estilo de jogo merece elogios, porque não foi preciso defender a todo o custo para disputar a eliminatória até ao fim.
Falar na falta que os adeptos fazem no futebol já é tão repetitivo que chega a cansar, mas uma noite destas exige-o. Foi a noite europeia de maior cartaz para um Rio Ave que tem conquistado o seu espaço europeu com todo o mérito nos últimos anos e os adeptos mereciam ter estado nas bancadas dos Arcos a viver toda esta emoção.