«Football 'Til We Die»: O encontro de duas lendas traídas pelo dinheiro

O futebol de seleções ficou para trás e há duelos emocionantes já este fim de semana. Um deles acontece em Inglaterra, longe do mediatismo de outros, mas com dois históricos num confronto que vale um título. Domingo, 14h30, em Wembley, Portsmouth e Sunderland disputam a final do EFL Trophy.

Longe vão os dias em que Portsmouth e Sunderland pisavam os palcos da Premier League. A atualidade é bem mais triste para estes dois históricos clubes, que, em conjunto, conquistaram oito campeonatos ingleses, bem antes de haver Premier League. 

Sunderland desceu duas épocas consecutivas

Agora os tempos são outros. Mais duros, menos ricos, mas com a esperança de que é possível voltar ao topo do futebol inglês. O passado recente não deixa saudades para os fiéis adeptos de Portsmouth e Sunderland. Eles que, como a maior parte dos ingleses, não largam a sua equipa, independentemente da divisão ou do adversário. Em Inglaterra, o futebol é uma espécie de religião e domingo é dia de uma missa diferente.

O EFL Trophy é uma competição destinada às equipas da League One e League Two do futebol inglês, um pouco menosprezada em Inglaterra, especialmente desde a entrada das equipas sub-23 de clubes da Premier League, mas que ganha aqui um ponto de interesse especial.

Depois de um longo trajeto, Portsmouth e Sunderland eliminaram a concorrência e marcaram a final que muitos desejavam. Separados apenas por um ponto na League One, com o Portsmouth em vantagem mas com mais dois jogos do que o Sunderland, o próximo domingo pode ser uma espécie de raio de luz para dois clubes que há muito não veem o sol. Adversários com semelhanças às quais é impossível fugir.

Da conquista da FA Cup à League Two

Em Inglaterra são muitos os casos de clubes que, devido aos problemas financeiros, foram obrigados a descer algumas divisões até conseguirem reerguer-se. O Leeds United é, talvez, o caso mais gritante, mas outros clubes, como o Southampton ou o Leicester, passaram pelo mesmo. O Portsmouth não conseguiu fugir da crise financeira.

Da conquista da FA Cup, em 2008, à League Two foram apenas cinco épocas. Com dívidas estimadas em 156 milhões de euros, o Fratton Park deixou para trás das costas uma das melhores fases do clube, que, em 2008, recebeu o AC Milan e foi a Braga, para a Taça UEFA. O ano seguinte foi o princípio do declínio.

Manuel Fernandes, Ricardo Rocha e Pedro Mendes passaram por Fratton Park ©Getty Images

Em 2009 começaram os primeiros rumores de que o Portsmouth atravessava uma grave crise financeira, que deixou jogadores e staff com salários em atraso, apesar da venda de grande parte da equipa que tinha vencido a FA Cup. A Premier League proibiu o Portsmouth de efetuar contratações até ao pagamento das dívidas a Chelsea e Arsenal pelas contratações de Glen Johnson e Lassana Diarra, respetivamente. Apesar do empréstimo de quase 20 milhões de euros, os problemas continuaram, os salários voltaram a estar em atraso e os problemas diretivos foram acumulando - a 4 de fevereiro, Barlam Chainrai, que tinha cedido o empréstimo de 20 milhões de euros, tornou-se no quarto dono do clube em apenas uma época. 

À deriva e sem solução para os problemas, o Portsmouth continuou a fazer o seu trabalho em campo e apesar dos maus resultados no campeonato, prejudicados pela dedução de nove pontos em março de 2009, a equipa de Fratton Park chega à final da FA Cup sob o comando de Avram Grant. Desta vez não houve festejos e além da derrota por 1x0 diante do Chelsea, o Portsmouth desce ao Championship, sete temporadas depois, onde esteve apenas duas épocas, até descer à League One, terminando a época no último lugar e caíndo para a League Two, de onde acabou por sair quatro épocas depois.

Agora, o Portsmouth procura reerguer-se e o grande objetivo passa pela subida ao Championship. Um objetivo que fica, por agora, em suspenso. Há um troféu a conquistar e o adversário mete respeito.

«Sunderland Till I Die»

Se ainda não viu, pelo menos já terá ouvido falar no documentário «Sunderland 'Til I Die», da Netflix, que relata a época 2017/18 do Sunderland, que culminou com uma inesperada descida ao terceiro escalão do futebol inglês, apenas uma época após a descida ao Championship, de onde tinha saído em 2007.

Nas dez épocas que esteve na Premier League, o Sunderland nunca esteve perto das conquistas, longe disso. O melhor que conseguiu foi um 10.º lugar, na época 2010/11, e o espectro da descida foi, com o passar das épocas, estando cada vez mais presente, muito devido à má gestão financeira do clube.

A péssima política de transferências, a falta de crescimento económico e uma dependência total dos direitos televisivos da Premier League levaram a que, ano após ano, a dívida do Sunderland fosse aumentando, chegando a valores perto dos 200 milhões de euros, a 13.ª maior dívida da Europa. Ellis Short adquiriu o clube e pagou parte da dívida, mas pouco mudou.

Com 70% do dinheiro do clube a ser gasto em salários, o Sunderland não conseguiu sobreviver e em 2015/16 a descida parecia uma certeza, mas Sam Allardyce operou um milagre e manteve os Black Cats mais uma época na Premier League. O Sunderland não perdeu nas últimas seis jornadas do campeonato e relegou o Newcastle para a descida. Foi o adiar do inevitável. 

Mika esteve uma época e meia em Sunderland, mas nunca jogou ©Vítor Parente / Kapta+

Os problemas financeiros fizeram com que o teto salarial descesse e a qualidade individual ressentiu-se. David Moyes substituiu Sam Allardyce, que passou a ser o selecionador inglês, e a possibilidade da descida de divisão era uma realidade logo ao início. Moyes conduziu o Sunderland ao pior arranque da história da Premier League, com apenas dois pontos em dez jornadas, e os Black Cats foram despromovidos com dezasseis pontos de diferença para o Watford, primeira equipa na zona de permanência.

Sem os direitos televisivos da Premier League e com tantas dívidas para pagar, o Sunderland não conseguiu sobreviver ao Championship. Ellis Short desistiu do clube e procurou um investidor disposto a assumir os destinos dos Black Cats, que num ápice deixaram de ter a subida como objetivo. Simon Grayson conquistou apenas duas vitórias em 14 jogos e Chris Coleman foi o escolhido para conseguir evitar a descida à League One, mas não havia mesmo volta a dar.

O mercado de transferências não trouxe boas notícias ao ex-selecionador galês, que foi forçado a enfrentar a segunda metade do campeonato sem um avançado de créditos firmados - Maja jogava nos sub-23, Ashley Fletcher chegou emprestado pelo West Ham, no último dia de mercado e acabou apenas com dois golos marcados. O Sunderland acabaria uma vez mais no último lugar do campeonato.

Apesar da descida à League One, as esperanças de um futuro mais risonho eram notórias. Ellis Short vendeu o clube a Stewart Donald, CEO da Bridle Insurance e, segundo o The Guardian, liquidou mais de 115 milhões de euros em dívidas. Nos dias de hoje, o Stadium of Light é palco de vitórias para a equipa orientada por Jack Ross, que tem a equipa em posição de play-off de subida ao Championship. Tal como o Portsmouth, o Sunderland procura um raio de sol já este domingo. Será que Will Grigg vai estar on fire? Espera-se um recorde de assistência na final do EFL Trophy este domingo e há muitos olhos colocados neste duelo de dois históricos traídos pelo mundo financeiro.