Pela Taça de Portugal passam 144 equipas. Dessas 144 só uma levantará o troféu, no Jamor, pelas mãos do presidente da República. Precisamente metade das equipas que passa pela prova rainha do futebol português são do Campeonato de Portugal, mas nos oitavos só há um sobrevivente.
O Montalegre vai representar as restantes 71 formações do seu escalão depois de ter eliminado... uma equipa do Campeonato de Portugal. O Águeda foi a última equipa a tombar aos pés desta formação de Trás os Montes, que já fez história mas que tem ambições legítimas para continuar a fazer, «venha quem vier».
As palavras são de José Manuel Viage, treinador do Montalegre que esteve à conversa com o zerozero e que recordou a emoção dos adeptos que se deslocaram ao Estádio Dr.Diogo Vaz Pereira. O desejo para a próxima eliminatória? O do mister é ter o máximo de possibilidades para seguir em frente, o dos adeptos vem do coração e passa por receber, em Montalegre, um dos grandes do futebol português, um em particular. Mas já lá vamos. Comecemos por recordar o dia 25 de novembro de 2018. Um dia que fica para a história da vila de Montalegre.
«Sabíamos que tinhamos fortes possibilidades de passar esta eliminatória pelo facto de jogarmos com uma equipa do mesmo campeonato. Sabíamos que ia ser difícil, mas tínhamos hipóteses de passar tal como o Águeda, que fez tudo para tentar passar. Nós fomos melhores, tivemos mais situações de golo. Eles tentaram até ao último segundo chegar ao empate mas a vitória é justa. Foi um jogo muito eletrizante, houve paixão, intensidade. Os adeptos disseram presente como nunca. O estádio esteve cheio, Montalegre em peso esteve presente. É um jogo que fica para a história», recorda José Viage, ao telefone com o zerozero.
«Os adeptos ajudaram-nos a conquistar esta vitória, mas foi um jogo extremamente difícil. O Águeda também queria estar nos oitavos, mas é claro que os nossos adeptos, desde o primeiro minuto até ao apito final, estiveram sempre do nosso lado e foi importante», acrescenta.
Fundado em 1964, nunca o Centro Desportivo e Cultural de Montalegre tinha chegado tão longe na Taça de Portugal. Nunca, até ao passado domingo, mas isso não quer dizer que a história tenha de ficar por aqui.
«Já tínhamos feito história antes da partida porque o Montalegre nunca tinha estado na 4.ª eliminatória. Antes da partida eu disse que não seria fácil. O Montalegre tem quase 80 anos e nunca teve oportunidade de sequer tentar passar à quinta eliminatória, por isso os jogadores sabiam aquilo que podiam fazer. A equipa esteve muito unida. Quando acabou o jogo foi uma explosão de alegria. Foi um sentimento de dever cumprido, de saber que conseguimos uma página linda no clube. No fim eu disse-lhes que o que acabaram de fazer vai ficar gravado por muito tempo na cabeça das pessoas de Montalegre. Foi uma alegria imensa, mas hoje já treinámos de manhã. Já festejámos e a partir deste momento vamos esperar pelo sorteio porque não queremos que a nossa história acabe aqui», atira.
«Foi um momento histórico. Toda a gente está envolvida. As pessoas ficaram super felizes. Eu sou de Montalegre, joguei no Montalegre e ontem vi um estádio como nunca vi. Vi pessoas a chorar no fim, a sentir o clube. É um motivo de orgulho. Os associados agora só pensam na possibilidade de receber um grande, algo que nunca aconteceu. Essa ilusão é motivante para os adeptos, que gostavam de ver uma equipa grande aqui».
A população de Montalegre pede um grande, com uma preferência clubística, mas José Viage reconhece que as possibilidades de chegar aos quartos, ainda que existentes, são diminutas e por isso deseja ser o menos outsider possível.
«Venha quem vier, para nós é indiferente. Se for pela paixão dos adeptos sei o que querem. Querem receber um grande, de preferência o Benfica porque aqui grande parte das pessoas é benfiquista, mas com o FC Porto ou o Sporting também iam ficar satisfeitos. Aquilo que eu gostava era de jogar em casa, em Montalegre, com uma equipa que tívessemos possibilidade de passar. Não quer dizer que seja impossível, mas sei que se jogarmos com um dos três grandes as hipóteses são muito pequenas, se calhar temos cinco por cento. Não quer dizer que não vamos lutar por esses cinco por cento. Não há equipas invencíveis e no passado há exemplos - o Atlético ganhou no Dragão, o Gondomar foi ganhar à Luz -, não acontecem todos os dias, mas acontecem.»
«Aceitamos qualquer adversário, mas gostávamos que o jogo fosse em Montalegre. Sabemos que não vamos ter nenhum adversário mais fraco do que nós. Somos a equipa que toda a gente pede. Olham para nós como os mais fracos, os coitadinhos. Aceitamos isso, mas na prática vamos ver se é assim. Ainda não houve um tomba gigantes, vamos ver se temos essa capacidade. Agora vamos estar concentrados no campeonato mas quando sair o sorteio a nossa mente vai estar em continuar a fazer história.»
A carreira de José Viage, quer enquanto jogador, quer enquanto treinador, está intimamente ligada ao clube da terra e por isso este feito acaba por ser ainda mais especial para o técnico de 47 anos.
«O Montalegre é uma paixão para mim. Sinto porque é o clube da minha terra, onde cresci, o clube que me fez homem. É um sentimento profundo. Estou apaixonado pelo clube e o que faço, faço-o com paixão, mas sou treinador de futebol. Se amanhã aparecer um projeto mais aliciante que me leve a outros sítios estarei disponível para isso», deixa.
Se agora os festejos são muitos, a verdade é que a época do Montalegre não começou da melhor maneira. A equipa nortenha chegou mesmo a ser eliminada da Taça de Portugal, mas a repescagem, na opinião de José Viage, trouxe justiça por aquilo que a equipa tinha produzido nas quatro linhas.
«Nós perdemos com o Pedras Salgadas, mas houve justiça quando fomos repescados. O Montalegre nesse jogo deveria ter ganho sem espinhas. A equipa adversária reconheceu que teve felicidade, mas o futebol é isto. O Montalegre acabou por ser eliminado quando fez uma grande partida, depois foi repescado e acho que houve um pouco de justiça. Depois disso tivemos um jogo menos conseguido contra o Vilaverdense, mas depois houve um clique. Percebemos que tínhamos de mudar alguma coisa e a partir daí a equipa transformou-se. O comportamento da equipa melhorou a partir desse jogo e começou a funcionar», analisou.
Das 72 equipas equipas do Campeonato de Portugal, só o Montalegre sobrevive e por isso a formação de José Viage vai ter ainda mais responsabilidade, independentemente do adversário que tiver pela frente. Aconteça o que acontecer, esta equipa da terceira divisão promete causar dificuldades.
«Acho que temos uma grande responsabilidade. Somos os únicos e temos de mostrar que há qualidade, bons jogadores, bons treinadores, que não há muita diferença na forma de trabalhar. Há treinadores muito competentes, jogadores com muita qualidade. Quando uma equipa do Campeonato de Portugal joga contra uma equipa da Primeira Liga, e temos o exemplo do Praiense, Felgueiras, contra o Braga, o próprio Loures contra o Sporting deu uma réplica muito interessante. Neste campeonato houve uma melhoria brutal em relação aos últimos 10-20 anos. Hoje uma equipa do Campeonato de Portugal, taticamente, tecnicamente e físicamente, é muito evoluída. Agora não é tão fácil as equipas da Primeira Liga jogarem com as equipas do Campeonato de Portugal».
1-0 | ||
Hidélvis Jardim 32' (p.b.) |