São tantas, tantas as histórias. São tantas, tantas as peripécias. E tantos os verbos. O novo treinador do Sporting já tem matéria mais do que suficiente para escrever um livro e uma coisa é certa: ia ser polémico. Sinisa é radical, de ideias fixas e sem protocolos. Arrisca, gosta de apostas complicadas (conhece Donnarumma, certo?) e tem grandes momentos de frenesim. O sérvio, que não quis a Croácia, tem riqueza de 49 anos, muitos ligados a Itália, onde foi craque e pontapé-canhão e onde depois tentou deixar marca como treinador. Uma marca ainda incompleta, mas que agora teve uma pausa para uma aventura diferente de tudo, num Sporting em ebulição.
Comecemos por Mihajlovic, o jogador. Defesa central/médio defensivo, com grande parte da carreira feita em Itália, ficou conhecido pela capacidade de bater bolas paradas. Um pé esquerdo capaz de colocar a bola onde queria e que ajudou a resolver algumas partidas, sendo, até ao momento, o jogador com mais golos (28) de livre direto na Série A, juntamente com Andrea Pirlo. Uma técnica que, já como treinador, terá passado a Ibrahimovic, quando era adjunto de Mancini no Inter.
Foi mesmo na Sérvia que alcançou o maior feito da carreira quando, em 1991, conquistou a Taça dos Campeões Europeus ao serviço do Estrela Vermelha, diante do Marselha, naquela que, na sua opinião, foi «a final mais aborrecida da história», uma vez que a sua equipa passou quase todo o jogo a defender.
De regresso à capital italiana, Mihajlovic voltou a conquistar títulos, mas é pelas polémicas que é recordado. Em 2000, num jogo com o Arsenal para a Liga dos Campeões, proferiu um comentário racista que causou bastante polémica. Terá chamado «macaco» a Patrick Vieira, algo que, segundo consta, aconteceu em resposta ao insulto do francês, que o apelidou de «cigano». Os dois viriam a reencontrar-se em Milão, no Inter, e acabaram mesmo por ficar amigos. Ainda na Lazio, foi suspenso depois de cuspir em Adrian Mutu, quando este jogava no Chelsea.
Em Inglaterra, a pergunta do jornal The Guardian ficou para a história: «Sinisa Mihajlovic, será este o jogador mais perverso do futebol?»
As polémicas de Mihajlovic não se ficam por aqui. Associado a figuras do regime jugoslavo, o sérvio admitiu ser nacionalista e defendeu o regime de Tito, marechal que liderou a Jugoslávia durante 35 anos. Ideais que foram recordados quando treinava o Torino, em 2017, e comentou a atitude dos adeptos da Lazio que vestiram uma camisola com uma imagem de Anne Frank, adolescente alemã vítima do Holocausto nazi, num ato que foi tido como uma provocação anti-semita, mas que foi desvalorizado por Mihajlovic: «Anne Frank? Não sei quem era».
O sérvio é conhecido por não ter papas na língua, como já deu para perceber, e não se importa de acusar os seus jogadores publicamente quando algo corre mal. No Torino chegou a criticar Niang, Belotti ou Ljajic, extremo que vivenciou uma situação complicada quando Mihaljovic foi selecionador da Sérvia.
O extremo, agora presente no Mundial da Rússia, ter-se-á recusado a cantar o hino e, desde esse momento, não voltou a ser convocado enquanto Mihajlovic foi selecionador, um exemplo perfeito dos ideais do treinador sérvio.
Personalidades à parte, olhemos para Mihajlovic, o treinador. Começou em Milão, como adjunto de Mancini no Inter, passou, fugazmente, por Bolonha e Catania, fez pouco mais de uma temporada na Fiorentina, onde acabou no 9º lugar, esteve na seleção da Sérvia, com a qual falhou o apuramento para o Mundial 2014, regressou à Sampdoria como treinador e conseguiu um belo 7º lugar, saíndo depois para o Milan, onde perdeu a final da Taça de Itália, terminando também no 7º posto. O Torino foi o seu último projeto, embora tenha ficado a meio, algo comum no passado do treinador sérvio, que não tem grande historial no que toca a cumprir os prazos estipulados nos contratos.
As últimas temporadas são as que nos permitem analisar o treinador e há um fator que salta à vista e que agrada aos adeptos leoninos: a aposta na juventude. Em Milão lançou Donnarumma, na altura com apenas 16 anos, Calabria e Locatelli (este último não teve direito a muitos minutos). No Torino foi o responsável pela adaptação de Zappacosta, pelo aparecimento de Barreca e pela afirmação de Belotti.
Em campo gosta de jogadores comprometidos com a equipa, defesas agressivas e um meio-campo forte na recuperação, deixando para os homens mais ofensivos as missões atacantes, até porque é um treinador que aposta no jogo em profundidade.
Mihajlovic é um homem que viveu a vida a dar a cara à luta e que não rejeitou oportunidades para recuperar equipas ou recomeçar projetos, como aconteceu em Milão ou em Turim. Tarefas complicadas, mas que, feitas as contas, acabaram por ser relativamente bem sucedidas. Ainda assim, o Sporting será o maior desafio da carreira de Mihajlovic enquanto treinador. Terá, pela primeira vez, a necessidade de ganhar títulos e chega ao clube de Alvalade num dos momentos mais conturbados do clube. Haveria melhor homem para assumir o desafio do que ele?