É cada vez mais um universo paralelo, onde humanos se distanciam de outros humanos. Um espetáculo criado para o povo que não podia estar mais distante desse mesmo povo. O futebol mudou; e mais triste e preocupante do que isso, é o facto de o ter feito sem prestar o mínimo respeito a quem o criou e o elevou ao desporto mais amado do mundo: os adeptos.
Na ressaca de mais uma transferência astronómica – a de Higuaín para a Juventus, por 90 milhões de euros – e na antecâmara de outra há muito aguardada (Pogba, por 120 (!!) milhões), uma nova voz de dentro do futebol ergueu o tom para deixar um aviso bem sério: cuidado, porque se perdermos os adeptos, perdemos tudo.
Thomas Tuchel, treinador do Borussia Dortmund, está preocupado e alerta mesmo «que é uma questão de tempo até que tudo isto saia totalmente fora do controlo.» «O mercado está louco e os preços estão fora de controlo. Esta é a minha opinião. Já não tem qualquer ligação às pessoas que vêm ao estádio para verem um jogo», disse o treinador alemão, de 42 anos, citado pelo jornal alemão Bild.
Tuchel avisa que «é preciso ter cuidado para que não se perca a ligação às pessoas.» «Se tudo girar em torno de dinheiro, vamos perdê-la», diz. «O espetáculo é para os adeptos, para as pessoas normais, para as crianças. Há demasiado dinheiro a circular e é apenas uma questão de tempo até que se perca o controlo da situação.»
Interessante é o facto de serem os próprios «artistas» a levantarem cada vez mais a voz contra este fenómeno delirante que se apoderou dos agentes que controlam o futebol. Tuchel foi apenas o último de uma lista que conta com nomes como Francesco Totti, Arturo Vidal ou Juan Mata.
A propósito da transferência de Higuaín para a Juventus, o eterno capitão da AS Roma não se conteve: «Um autêntico desastre», desabafou. «Hoje em dia os jogadores de futebol seguem o dinheiro e não o coração. Não há muitos jogadores que sigam o coração. Se só tivesse pensado em dinheiro, tinha deixado a Roma há dez anos. Para mim o importante é a paixão, não o dinheiro», disse Totti.
Já há um ano, quando trocou a Juventus pelo FC Bayern München por 37 milhões de euros, Arturo Vidal, internacional chileno, não se coibiu de criticar a ditadura do dinheiro no futebol: «Pessoalmente, acho que são valores completamente fora do normal. Alguém que custa assim tanto dinheiro tem de marcar, no mínimo, três ou quatro golos por jogo. Os jogadores deviam ser mais baratos», referiu o médio chileno, em 2015.
Avisos que não chegam de fora; fazem-se ouvir por aqueles que são cada vez mais tratados como mercadorias. É a eles que devem ser dado ouvidos, porque tudo o resto é pura loucura e delírio que a um ritmo mais rápido do que se imagina está literalmente a matar o nosso futebol.
Porquê? Ora pense, e sobretudo seja sincero consigo mesmo: faz algum sentido, enquanto adepto, discutir cláusulas de rescisão, transações financeiras ou contratos televisivos e outros? Não faz. Mas o «novo» adepto é cada vez mais um opinador de mercado e cada vez menos um simples e apaixonado adepto do jogo. E a culpa, aí, é de todos.