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Ricardo Quaresma: O Harry Potter

Texto por Bruno Filipe Simões
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De grande prodígio das escolas do Sporting a ídolo do FC Porto. A história de Ricardo Quaresma não é única, mas é diferente das outras. O mágico chegou muito cedo à equipa principal do Sporting, rumou a Barcelona já como Harry Potter, mas só no Dragão encontrou a estabilidade emocional que muitos diziam faltar-lhe. 

Sempre com a trivela no seu cardápio, foi de azul e branco que se tornou numa certeza e se tornou numa das grandes referências do futebol português no início do século XXI. É da geração anterior à do amigo Cristiano Ronaldo e há mesmo quem diga que o talento era igual ou semelhante.

Irreverente, imprevisível, decisivo e com má fama por ser cigano, tal como o próprio diz: assim é Quaresma, o homem que nasceu sportinguista e se converteu portista.

Do hóquei em patins a Camp Nou

Bastante irrequieto e com sangue na guelra, o pequeno Ricardo, influenciado pelos amigos, chegou a treinar hóquei em patins com a camisola do Campo de Ourique (CACO) enquanto jogava futebol no Domingos Sávio. Mas a presença do irmão Alfredo (mesmo nome do tio-avô, lenda do Belenenses) nas escolas do Sporting fez Quaresma seguir os seus passos, obrigado a escolher pela mãe entre o Sporting... ou nada.

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Não demorou a convencer os responsáveis do Sporting do seu talento selvagem adquirido no bairro do Casal Ventoso e jogou sempre um escalão acima nas camadas jovens... onde já usava a famosa trivela, que chegou a fazer com que fosse convidado a sair de um treino. Atrevido, sem medo do um para um e desequilibrador, Quaresma foi ganhando rótulo de prodígio nos leões, atingindo o seu primeiro contrato profissional aos 16 anos, já com o estatuto de campeão europeu de sub-16, onde marcou os dois golos da final.Pela equipa B do Sporting andou apenas um ano: Boloni chamou-o para a pré-época do seu primeiro Sporting e o menino convenceu, estreando-se com os seniores logo num clássico da primeira jornada de 2001/02... contra o FC Porto (1x0). Nessa época, o título nacional acabou por ir para Alvalade e Quaresma alternou entre a titularidade e o banco, sendo muitas vezes chamado como arma secreta para desbloquear os jogos através da sua magia. Algo que até levou o mítico Quinito a considerá-lo como o «melhor driblador do mundo».

«O Quaresma é um supermercado de fintas, dribes e simulações. (...) Tem as fintas e os dribles de todos. O normal no futebol é que um jogador tenha um estilo. Isto não é normal», disse o antigo treinador em 2002, altura em que o jovem ia despontando e ganhando o seu lugar no Sporting, apenas consolidado verdadeiramente na época seguinte.

Aí, aquele que já era chamado de Harry Potter em Alvalade, conseguiu a afirmação definitiva como jogador de altos voos e pega de estaca na equipa, o que o leva à estreia pela Seleção AA e... ao Barcelona, numa transferência avaliada em cerca de seis milhões de euros, com Rochemback a ser envolvido na transação.

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Na Catalunha, Quaresma iria encontrar o ano zero de um novo Barça de Riijkaard. Nesse mesmo verão iam chegar a Camp Nou chegar nomes como Bronckhorst, Rafa Márquez, Davids ou Ronaldinho, juntando-os a craques como Puyol, Xavi, Cocu, Overmars ou Kluivert. Era um Barcelona que vinha de um traumático sexto lugar em La Liga no último ano do reinado Van Gaal e onde reinava a instabilidade em ano de transição. E todos esses fatores, aliados à juventude de Quaresma, não beneficiaram o crescimento e afirmação do extremo.

O Rei do Dragão

Em Portugal, o final de 2003/04 trazia um FC Porto campeão europeu e em reformulação pela saída dos seus principais jogadores. Deco foi um deles, rumando a Barcelona por troca com Ricardo Quaresma (e mais 15 milhões para os cofres portistas). O Harry Potter, perante a passividade dos leões - que tinham direito de preferência - não hesitou na escolha, apesar de ter admitido, anos mais tarde, que o negócio lhe «feriu o orgulho».

«Custou-me ser moeda de troca no negócio do Deco. Custou-me porque, lá está, não acho ninguém melhor do que eu. E nunca achei. Isso para o meu ego, custou-me. (...) Mas meti na cabeça: ‘ok, vou para o Porto, mas vão ver que não perderam nada em ir-me buscar’. Foi isso que aconteceu.»

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O resto... foi história. Começou com a camisola 10 que era de Deco (o 7 estava nas costas de Pepe) e começou a mostrar todo o «supermercado de fintas» numa época que passou bem ao lado da perfeição, apesar da conquista da Supertaça - que Quaresma decidiu - e da Taça Intercontinental. Nesse ano atípico pelos três treinadores, o título voltaria à Luz 11 anos depois, mas o extremo ia conquistando o Tribunal do Dragão com as suas trivelas: ou para o fundo das redes ou para a cabeça de um dos avançados.

Em 2005/06 chega Co Adriaanse ao FC Porto e a partir daí Quaresma (já com a 7 nas costas) só viu o seu palmarés aumentar, sempre com uma consistência e magia que o iam tornando ídolo na Invicta. Muitos golos de levantar o estádio, muitas assistências, momentos decisivos... e um nome fora da convocatória de Scolari para o Mundial de 2006 - algo que fez escorrer muita tinta em Portugal, pelo extremo ter sido o melhor jogador da Liga nessa temporada.

Mas as contrariedades sempre tiveram um efeito ímpar na carreira de Quaresma. E para ajudar neste efeito surgiu Jesualdo Ferreira, substituindo Co Adriaanse já depois da pré-época 2006/07 terminar. O Professor acabou por ser um dos treinadores mais importantes na história do extremo, sendo um dos poucos que percebeu e acreditou verdadeiramente em Quaresma, potenciando e direcionando todo o talento em prol de uma equipa que ia passeando nas provas nacionais e ameaçando nas europeias.

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Os rumores de saída para um gigante europeu ganhavam cada vez mais carácter de inevitabilidade, mas a transferência apenas se iria consumar no final do tricampeonato (2007/08), onde Quaresma voltou a brilhar em larga escala (em golos, a melhor de azul e branco) e onde já era visto como o grande ídolo dos portistas. Era ano de Europeu, o Mustang foi convocado e não voltou à Invicta: o Inter de Mourinho pagaria perto de 18 milhões e incluía o jovem Pelé no pacote de Quaresma e para trás ficaram juras de amor eterno.

«Sou portista. É um clube que eu amo. Por muita coisa. Identifico-me muito com o clube. É um clube que nunca está bem com aquilo que tem, que te põe pressão a todaa hora, em que és obrigado a ganhar, e os adeptos são fantásticos. Por muito que te admirem, por muito que te respeitem, se estiveres a jogar, eles vão assobiar-te. Porque estão sempre à espera que tu dês mais. E é isso que eu gosto. Os adeptos sabem lidar comigo e eu com eles. Havia jogos que não me estavam a correr como eu queria e começava a ouvir assobios e críticas e era isso que me fazia pensar "não posso desiludir estes adeptos" e por vezes resolvia os jogos assim. É como eu já disse, amo o Porto e morrerei portista», disse mais tarde numa entrevista ao Expresso.

Intermitência internacional

Em Milão, Quaresma chegou como um dos rostos do primeiro Inter de Mourinho, ao lado de nomes como Júlio César, Zanetti, Figo, Vieira, Ibra ou Adriano. E a experiência não correu como o então ´77´ esperava. Um futebol mais físico, fechado e tático dificultaram a tarefa a um virtuoso que não se habituou a uma cultura tão distinta.

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A relação com José Mourinho, como o próprio jogador acabou por referir mais tarde, não ajudou na integração do mágico que, dispensado por Mourinho, acabou por terminar a temporada em Stamford Bridge, seduzido por Scolari... que viria a ser despedido uma semana depois da chegada do português.

Finda a época no Chelsea (apenas cinco jogos em Londres), Quaresma teve uma segunda oportunidade no Giuseppe Meazza, saindo na grande maioria dos casos do banco de suplentes para jogar os derradeiros minutos. Foi assim, com duas entradas em jogo, que Quaresma se sagrou campeão europeu pelos nerazzurri, atuando apenas na em 72 minutos na fase de grupos da prova. Era o fim da experiência em Itália, algo que ficou atravessado na garganta do jogador.

«De todos os clubes, o Inter foi o que mais me ficou na cabeça porque acho que tinha todas as condições para triunfar e não triunfei por muita coisa. (...) Perdi muita confiança em mim e nunca mais vou permitir que me tirem essa confiança. (...) Mas culpo-me a mim por não triunfar nas grandes equipas», disse Quaresma, anos mais tarde.

Seguia-se Istambul - onde teve uma receção digna de astro - e um Besiktas recheado de portugueses e de problemas. As primeiras duas épocas foram de muitos jogos, muitos golos e muitas assistências e culminaram com a chamada recorrente à Seleção e a convocatória para o Euro 2012 - onde não jogou e que acabou por ficar marcado pelo incidente com Miguel Lopes no estágio de preparação. 

Apesar das modestas prestações coletivas (um quinto e um quarto lugar), Quaresma ia regressando ao seu auge, apaixonando-se pelos fanáticos turcos. Mas nova contrariedade surgia e o português ia acabar por sair pela porta pequena do Besiktas. Depois de meio ano sem jogar - por problemas físicos e disciplinares - Quaresma rescindiu, em dezembro de 2012, com as Águias Negras e o seu novo desafio era no Dubai, com um contrato de ano e meio.

A experiência nos Emirados ia durar apenas um ano, com Quaresma a admitir que esta sua passagem pelo Médio-Oriente tinha sido um erro. Muitos colocavam em causa o resto da carreira do Harry Potter que já contava 29 primaveras e parecia perdido para o mundo do futebol...

O regresso aos três amores

@Catarina Morais

As grandes histórias de amor têm destas coisas. E foi no Dragão que Quaresma renasceu para o futebol. Regressado ao FC Porto num contexto muito particular (pós tricampeonato e muitos êxitos de André Villas-Boas e Vítor Pereira) para devolver a mística a um plantel carenciado de caras fortes, o Harry Potter - com estatuto de um dos capitães - voltou a recuperar a alegria de jogar perante as suas gentes. 

O percurso não foi fácil por todas as peripécias dessa época e meia de regresso. Os azuis e brancos iam passar duas temporadas em branco, primeiro no reinado Paulo Fonseca/Luís Castro e depois na primeira temporada de Lopetegui na Invicta. Técnico que desde cedo quis testar a paciência de um Quaresma mais experiente e menos explosivo.

@Besiktas

Muitas foram as vezes em que treinador e jogador tiveram atritos - assumidos pelo próprio atleta -, mas nem isso desviou Quaresma de uma grande época individual. As trivelas voltaram, a utilização regular também (embora muitas vezes saindo do banco) e também a Seleção, pela mão de Fernando Santos, voltou a ser realidade para um futuro campeão europeu.

Pelo meio, a história 2.0 de Quaresma no Dragão terminou abruptamente, com o extremo a admitir publicamente que Lopetegui acabou por «minar» e «dar cabo» da sua imagem no FC Porto: «Iria ser a terceira ou a quarta opção e em ano de Europeu tens de pensar na tua vida. Senti que não era bem-vindo ao plantel e resolvi a minha vida», comentou Quaresma, numa altura em que já tinha voltado a vestir a camisola do Besiktas.

E foi como estrela do Besiktas que Quaresma atingiu o seu melhor momento com a camisola das Quinas. Pela mão de Fernando Santos, Quaresma fez um «mea culpa» por não ter tido um papel regular na Seleção e tornou-se na arma secreta do selecionador na caminhada rumo ao título de Paris. Socorrendo-se da sua experiência e gerindo como ninguém a sua «azia» por não jogar de início, Fernando Santos fez de Quaresma um Ás de trunfo na Seleção que se viria a tornar campeã europeia.

Depois de Paris, Quaresma continuou na Seleção até ao Mundial 2018 e pelo meio foi enriquecendo o palmarés no Besiktas, pouco antes de perder um pouco do fôlego da sua carreira. Acabou por sair do Besiktas de forma polémica, repetindo a história que tinha acontecimento num outro amor... O Kasimpasa é a sua nova casa na Turquia.

Quaresma marcou golo decisivo contra a Croácia @Getty / Clive Mason

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Ricardo Quaresma (POR)
Ricardo Quaresma (POR)

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